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18nov03


Código Penal de Cabo Verde


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ÍNDICE SISTEMÁTICO

Decreto Legislativo n.º 4/2003 de 18 de Novembro

APRESENTAÇÃO

PREÂMBULO

Artigo 1.º Aprovação
Artigo 2.º Alterações
Artigo 3.º Remissões
Artigo 4.º Revogações
Artigo 5.º Normas relativas a contravenções
Artigo 6.º Penas comutativas de prisão e multa
Artigo 7.º Suspensão da execução da pena
Artigo 8.º Regime penal especial para jovens
Artigo 9.º Divulgação do Código Penal
Artigo 10.º Entrada em vigor

CÓDIGO PENAL DE CABO VERDE

PREÂMBULO

Introdução

I Parte Geral
II Parte Especial

Livro I

PARTE GERAL

TÍTULO I
GARANTIAS E APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Artigo 1.º Princípio da legalidade
Artigo 2.º Aplicação de regime mais favorável
Artigo 3.º Aplicação no espaço: princípio geral
Artigo 4.º Factos praticados fora do território nacional
Artigo 5.º Lugar da prática do facto
Artigo 6.º Momento da prática do facto
Artigo 7.º Aplicação subsidiária

TITULO II
DO FACTO PUNÍVEL

CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO

Artigo 8.º Acção e omissão
Artigo 9.º Responsabilidade das pessoas colectivas
Artigo 10.º Actuação em nome de outrem
Artigo 11.º Imputação subjectiva
Artigo 12.º Agravação pelo resultado
Artigo 13.º Dolo
Artigo 14.º Negligência
Artigo 15.º Erro sobre as circunstâncias de facto
Artigo 16.º Erro sobre a ilicitude
Artigo 17.º Inimputabilidade em razão da idade
Artigo 18.º Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica

CAPITULO II
FORMAS DE APARECIMENTO DO FACTO PUNÍVEL

Artigo 19.º Conceito de actos preparatórios
Artigo 20.º Punibilidade dos actos preparatórios
Artigo 21.º Tentativa
Artigo 22.º Punibilidade da tentativa
Artigo 23.º Inidoneidade do meio e carência do objecto
Artigo 24.º Desistência e arrependimento activo
Artigo 25.º Autoria
Artigo 26.º Instigação
Artigo 27.º Cumplicidade
Artigo 28.º Ilicitude na comparticipação
Artigo 29.º Culpa na comparticipação
Artigo 30.º Concurso de crimes
Artigo 31.º Punição do concurso
Artigo 32.º Concurso de normas
Artigo 33.º Crime e contra-ordenação
Artigo 34.º Crime continuado

CAPITULO III
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

Artigo 35.º Enumeração exemplificativa
Artigo 36.º Legítima defesa
Artigo 37.º Excesso de legítima defesa
Artigo 38.º Estado de necessidade justificante
Artigo 39.º Obediência devida
Artigo 40.º Conflito de deveres

CAPITULO IV
CAUSAS DE DESCULPA

Artigo 41.º Excesso de legítima defesa não censurável
Artigo 42.º Estado de necessidade desculpante
Artigo 43.º Obediência indevida não censurável
Artigo 44.º Inexigibilidade

TITULO III
DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO PUNÍVEL

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 45.º Limites das penas e das medidas de segurança
Artigo 46.º Efeitos das penas e medidas de segurança
Artigo 47.º Finalidades das penas e medidas de segurança
Artigo 48.º Proibição de cumulação de pena e medida de segurança
Artigo 49.º Início do cumprimento das sanções privativas da liberdade
Artigo 50.º Desconto

CAPÍTULO II DAS PENAS Secção I
PENA DE PRISÃO

Artigo 51.º Duração
Artigo 52.º Substituição da prisão por multa

Secção II
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Artigo 53.º Pressupostos da suspensão
Artigo 54.º Suspensão condicionada a deveres
Artigo 55.º Incumprimento das condições de suspensão
Artigo 56.º Revogação da suspensão
Artigo 57.º Extinção da pena

Secção III
LIBERDADE CONDICIONAL

Artigo 58.º Pressupostos
Artigo 59.º Liberdade condicional para idosos e doentes graves
Artigo 60.º Liberdade condicional em caso de execução de várias penas
Artigo 61.º Liberdade condicionada a deveres
Artigo 62.º Revogação da liberdade condicional e extinção da pena
Artigo 63.º Relevância das medidas de graça

Secção IV
PRISÃO DE FIM-DE-SEMANA

Artigo 64.º Pressupostos de aplicação e limites
Artigo 65.º Local de cumprimento da pena
Artigo 66.º Revogação do regime

Secção V
PENA DE MULTA

Artigo 67.º Limites e critérios
Artigo 68.º Pagamento em prestações
Artigo 69.º Redução e isenção
Artigo 70.º Conversão da multa

Secção VI
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE

Artigo 71.º Substituição de penas de prisão e de multa por pena de prestação de serviços a favor da comunidade

Secção VII
PENAS ACESSÓRIAS E EFEITOS DAS PENAS

Artigo 72.º Suspensão temporária do exercício de funções
Artigo 73.º Proibição temporária do exercício de função
Artigo 74.º Extensão
Artigo 75.º Proibição de condução
Artigo 76.º Incapacidade para o exercício do direito de sufrágio activo
Artigo 77.º Incapacidade para ser eleito
Artigo 78.º Incapacidade para exercer poder paternal, tutela ou curatela

Secção VIII
PENAS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS COLECTIVAS

Artigo 79.º Multa
Artigo 80.º Dissolução
Artigo 81.º Penas acessórias

Secção IX
DA DETERMINAÇÃO E APLICAÇÃO DAS PENAS

Artigo 82º Escolha da pena
Artigo 83.º Critérios de determinação da medida da pena
Artigo 84.º Atenuação livre da pena
Artigo 85.º Isenção da pena
Artigo 86.º Circunstâncias agravantes modificativas
Artigo 87.º Reincidência
Artigo 88.º Punição da reincidência

CAPITULO III
MEDIDAS DE SEGURANÇA

Artigo 89.º Execução de pena e medida de segurança
Artigo 90.º Substituição das medidas
Artigo 91.º Medida de segurança de internamento
Artigo 92.º Revisão da situação do internado
Artigo 93.º Obrigações e proibições
Artigo 94.º Cassação da licença de porte de arma
Artigo 95.º Cassação de licença de condução de veículo motorizado
Artigo 96.º Interdição de actividades
Artigo 97.º Revisão da situação

CAPITULO IV
OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO FACTO PUNÍVEL

Artigo 98.º Destino dos objectos do crime
Artigo 99.º Destino de outros direitos e valores
Artigo 100.º Indemnização de perdas e danos
Artigo 101.º Privilégio do crédito do lesado
Artigo 102.º Enumeração

TITULO IV
EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL E DOS SEUS EFEITOS

Artigo 103.º Morte do agente
Artigo 104.º Medidas de graça
Artigo 105.º Caducidade do direito de queixa
Artigo 106.º Renúncia e desistência da queixa
Artigo 107.º Acusação particular
Artigo 108.º Prazos de prescrição
Artigo 109.º Contagem do prazo
Artigo 110.º Suspensão da prescrição
Artigo 111. Interrupção da prescrição
Artigo 112.º Limite
Artigo 113.º Prazos de prescrição das penas
Artigo 114.º Prazos de prescrição das medidas de segurança
Artigo 115.º Contagem dos prazos
Artigo 116.º Suspensão da prescrição
Artigo 117.º Interrupção da prescrição
Artigo 118.º Casos de comparticipação

CAPÍTULO II
REABILITAÇÃO

Artigo 119.º Reabilitação de direito
Artigo 120.º Reabilitação judicial
Artigo 121.º Regime e efeitos

Livro II
PARTE ESPECIAL

TITULO I
CRIMES CONTRA AS PESSOAS

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A VIDA

Secção I
HOMICÍDIO

Artigo 122º Homicídio simples
Artigo 123. º Agravação em razão dos meios ou dos motivos
Artigo 124. º Agravação em razão da qualidade da vítima
Artigo 125. º Homicídio a pedido da vítima
Artigo 126. º Homicídio negligente

Secção II
SUICÍDIO

Artigo 127. ºInstigação ou auxílio ao suicídio

CAPITULO III
CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA

Artigo 128. º Ofensa simples à integridade
Artigo 129. º Ofensa qualificada à integridade
Artigo 130. º Agravação
Artigo 131. º Ofensa à integridade por negligência
Artigo 132. º Abuso de armas
Artigo 133. º (Maus tratos a menor ou incapaz)
Artigo 134. º (Maus tratos a cônjuge
Artigo 135. º (Rixa)

CAPITULO IV
CRIMES CONTRA A LIBERDADE DAS PESSOAS

Secção I
AMEAÇA, COACÇÃO E SEQUESTRO

Artigo 136. º Ameaça
Artigo 137. º Coacção
Artigo 138. º Sequestro
Artigo 139. ºAtenuação livre da pena

Secção II
INTERVENÇÕES MÉDICAS SEM CONSENTIMENTO DO PACIENTE

Artigo 140. ºIntervenções médico-cirúrgicas sem consentimento

CAPITULO V
CRIMES SEXUAIS

Artigo 141. º Definições
Artigo 142. ºAgressão sexual
Artigo 143. ºAgressão sexual com penetração
Artigo 144. ºAbuso sexual de crianças
Artigo 145. ºAbuso sexual de menores entre os 14 e 16 anos
Artigo 146. ºAbuso sexual de pessoa internada
Artigo 147. º Exibicionismo
Artigo 148. º Lenocínio
Artigo 149.º Aliciamento de menor para pratica de acto sexual no estrangeiro
Artigo 150.º Exploração de menor para fins pornográficos
Artigo 151.º Agravação
Artigo 152.º Assédio sexual

CAPITULO VI
COLOCAÇÃO DE PESSOAS EM PERIGO

Secção I
RISCOS A PESSOA

Artigo 153.º Exposição de pessoa a perigo
Artigo 154.º Colocação de pessoa em estado de não se poder proteger
Artigo 155.º Exposição de outrem a doença por acto sexual
Artigo 156.º Perigo de contágio de doença grave

Secção II
IMPEDIMENTO A ASSISTÊNCIA E OMISSÃO DE SOCORRO

Artigo 157.º Impedimento a prestação de socorro
Artigo 158º Omissão de auxílio
Artigo 159.º Recusa de assistência por médico ou enfermeiro
Artigo 160.º Exercício ilegal de profissão

CAPITULO VII
CRIMES CONTRA A DIGNIDADE DAS PESSOAS

Secção I
DISCRIMINAÇÃO E TORTURA

Artigo 161º Discriminação
Artigo 162º Tortura e tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos
Artigo 163º Agravação
Artigo 164º Responsabilidade do superior hierárquico

Secção II
CRIMES CONTRA A HONRA

Artigo 165º Calúnia
Artigo 166º Injúria
Artigo 167º Agravação em razão da qualidade da vítima
Artigo 168º Ofensa à memória de pessoa falecida
Artigo 169º Ofensa a pessoa colectiva
Artigo 170º Falta de tipicidade
Artigo 171.º Meios de cometimento do facto punível
Artigo 172º Publicidade
Artigo 173.º Prova da verdade dos factos
Artigo 174.º Dispensa de pena
Artigo 175.º Retractação pública
Artigo 176.º Publicidade da sentença condenatória

Secção III
CRIMES CONTRA O RESPEITO DEVIDO AOS MORTOS

Artigo 177.º Atentado contra integridade de cadáver ou cinzas
Artigo 178.º Profanação de lugar fúnebre
Artigo 179.º Agravação

CAPITULO VII
CRIMES CONTRA A RESERVA DA VIDA PRIVADA

Artigo 180.º Introdução em casa alheia
Artigo 181.º Introdução em lugar privado vedado ao público
Artigo 182.º Violação de domicílio profissional em casos especiais
Artigo 183.º Atentado à intimidade da vida privada
Artigo 184.º Agravações, fotografias e filmes ilícitos
Artigo 185.º Consentimento presumido
Artigo 186.º Conservação ou utilização indevida de registo ou documento
Artigo 187.º Tratamento informático ilegal
Artigo 188.º Devassa por meio de informática
Artigo 189.º Violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações
Artigo 190.º Publicidade indevida de correspondência
Artigo 191.º Violação ou aproveitamento indevido de segredo
Artigo 192.º Violação de sigilo profissional
Artigo 193.º Agravação

TITULO II
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE

Secção I
FURTO E ROUBO

Artigo 194º Furto
Artigo 195.º Furto de coisa comum
Artigo 196.º Furto qualificado
Artigo 197.º Furto de coisa insignificante
Artigo 198º Roubo
Artigo 199º Violência depois da subtracção
Artigo 200.º Definições
Artigo 201.º Subtracção de coisa própria
Artigo 201.º Subtracção de coisa própria

Secção II
USO NÃO AUTORIZADO DE VEÍCULO

Artigo 202.º Uso não autorizado de veículo e qualificação

Secção III
ABUSO DE CONFIANÇA E APROPRIAÇÃO INDEVIDA

Artigo 203.º Abuso de confiança

Secção IV
DANO

Artigo 204.º Dano
Artigo 205.º Dano qualificado
Artigo 206.º Danos ao ambiente

Secção V
USURPAÇÃO

Artigo 207º Usurpação de coisa imóvel
Artigo 208.º Supressão ou alteração de marco ou tapume
Artigo 209.º Supressão ou alteração de marcas em animais

CAPITULO III
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL

Secção I
BURLAS E ABUSO DE INCAPAZES

Artigo 210.º Burla
Artigo 211.º Burlrelativa a seguros
Artigo 212.º Burla informática
Artigo 213.º Burla qualificada
Artigo 214.º Burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços
Artigo 215.º Burla de outros bens
Artigo 216.º Abuso de incapazes

Secção II
EXTORSÃO E CHANTAGEM

Artigo 217.º Extorsão
Artigo 218.º Chantagem
Artigo 219.º Extorsão indirecta

Secção III
OUTRAS FRAUDES

Artigo 220.º Infidelidade
Artigo 221.º Adulteração de contas ou de inventário
Artigo 222.º Publicitação de falsidades sobre situação de sociedade
Artigo 223.º Pacto contra interesses societários
Artigo 224.º Abuso de cartão de garantia ou de crédito
Artigo 225.º Usura
Artigo 226.º Adulteração de arrematação ou concurso públicos

CAPITULO IV
CRIMES CONTRA DIREITOS PATRIMONIAIS

Artigo 227.º Frustração de execução
Artigo 228.º Falência fraudulenta
Artigo 229.º Favorecimento de credores
Artigo 230.º Receptação

CAPITULO V
DISPOSIÇÕES COMUNS

Artigo 231.º Restituição ou reparação

TITULO III
CRIMES CONTRA A FÉ PUBLICA

CAPITULO I
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS

Artigo 232.ºDefinição
Artigo 233.º Falsificação ou alteração de documento
Artigo 234.º Omissão de declaração ou inserção de falsidade
Artigo 235.º Uso de documento ou registo falsos
Artigo 236.º Destruição ou subtracção de documento
Artigo 237.º Reconhecimento de assinatura ou letra não verdadeiras
Artigo 238.º Declaração falsa para obtenção de cargo público
Artigo 239.º Falsificação de atestado para obtenção de cargo público
Artigo 240.º Atestado médico falso
Artigo 241.º Uso de atestados ou certidões falsos
Artigo 242.º Agravação

CAPITULO II
FALSIFICAÇÃO DE MOEDA E TÍTULOS DE CRÉDITO

Artigo 243.º Falsificação de moeda
Artigo 244.º Falsificação de cédula, nota ou bilhete
Artigo 245.º Falsificação de títulos de crédito e outros documentos comerciais
Artigo 246.º Passagem de moeda ou títulos falsos
Artigo 247.º Passagem de moeda ou títulos falsos recebidos de boa-fé
Artigo 248.º Aquisição, venda ou cedência de moeda ou títulos falsos
Artigo 249.º Emissão ilegal de moeda
Artigo 250.º Circulação não autorizada de moeda
Artigo 251.º Detenção de equipamentos de falsificação

CAPITULO III
FALSIFICAÇÕES DE VALORES E TÍTULOS PÚBLICOS

Artigo 252.º Falsificação de valores selados, selos postais e títulos públicos
Artigo 253.º Supressão de carimbo em valores e títulos públicos
Artigo 254.º Circulação de valores e títulos falsificados
Artigo 255.º Uso de valores e títulos recebidos de boa-fé
Artigo 256.º Aquisição, venda ou cedência de valores ou títulos falsificados

CAPITULO IV
FALSIFICAÇÃO DE SELOS, CUNHOS, PESOS E MEDIDAS

Artigo 257.º Falsificação de selo, cunho, marca ou chancela
Artigo 258.º Utilização de selo, cunho, marca ou chancela falsos
Artigo 259.º Utilização indevida de selo, cunho, marca ou chancela
Artigo 260.º Agravação
Artigo 261.º Falsificação de pesos e medidas
Artigo 262.º Utilização de pesos e medidas falsificados

CAPITULO V
OUTRAS FALSIFICAÇÕES

Artigo 263.º Assunção ou atribuição de falsa identidade
Artigo 264.º Uso de documento de identificação alheio

TITULO IV
CRIMES CONTRA A COMUNIDADE INTERNACIONAL

Artigo 265.º Atentado contra entidades estrangeiras
Artigo 266.º Ultraje de símbolos estrangeiros
Artigo 267.º Incitamento à guerra ou ao genocídio
Artigo 268.º Genocídio
Artigo 269.º Recrutamento de mercenários
Artigo 270.º Organização para a discriminação racial
Artigo 271.º Escravidão
Artigo 272.º Crimes contra pessoas protegidas em caso de conflito armado
Artigo 273.º Meios de combate proibidos
Artigo 274.º Represálias e ameaças de violência à população civil
Artigo 275.º Destruição de navio ou aeronave civis
Artigo 276.º Destruição de monumentos, lugares de culto e estabelecimentos
Artigo 277.º Destruição de alvos civis
Artigo 278.º Noutros crimes contra a comunidade internacional

TITULO V
CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

Artigo 279.º Bigamia
Artigo 280.º Falsificação de estado civil
Artigo 281.º Subtracção ou recusa de entrega de menor
Artigo 282 º Substituição fraudulenta de recém-nascido
Artigo 283.º Divulgação de falsa paternidade
Artigo 284.º Não cumprimento de obrigação de prestar alimentos

TITULO VI
CRIMES CONTRA A ORDEM PUBLICA E A SEGURANÇA COLECTIVA

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A ORDEM E A TRANQUILIDADE PUBLICAS

Artigo 285.º Impedimento ou perturbação de cerimónia fúnebre
Artigo 286.º Profanação de lugar ou objecto de culto
Artigo 287.º Impedimento ou perturbação de acto de culto
Artigo 288.º Instigação pública à prática de crime
Artigo 289.º Apologia pública de crime
Artigo 290.º Intimidação pública
Artigo 291.º Organização criminosa
Artigo 292.º Motim
Artigo 293.º Briga

CAPITULO II
CRIMES CONTRA A SEGURANÇA COLECTIVA

Artigo 294.º Armas proibidas e explosivos
Artigo 295.º Outras armas
Artigo 296.º Incêndio, inundação e outras condutas especialmente perigosas
Artigo 297.º Poluição
Artigo 298.º Adulteração de substâncias alimentícias ou medicinais
Artigo 299.º Propagação de doença contagiosa
Artigo 300.º Alteração ou falsificação de análise ou de receituário
Artigo 301.º Desvio ou tomada de navio ou aeronave
Artigo 302.º Atentado contra a segurança dos transportes
Artigo 303.º Condução perigosa de meio de transporte
Artigo 304.º Atentado contra comunicações e outros serviços essenciais
Artigo 305.º Violação de regras de construção e danos em instalações

TITULO VII
CRIMES CONTRA O ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A SOBERANIA E A INDEPENDÊNCIA

Artigo 306.º Traição
Artigo 307.º Sabotagem contra a defesa nacional
Artigo 308.º Provocação à guerra ou à represália
Artigo 309.º Violação de segredo de Estado
Artigo 310.º Violação negligente de segredo de Estado
Artigo 311.º Infidelidade diplomática
Artigo 312.º Usurpação de autoridade cabo-verdiana

CAPITULO II
CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES E OS VALORES DO ESTADO DEMOCRÁTICO

Secção I
REBELIÃO, COACÇÃO E TERRORIMO

Artigo 313.º Rebelião
Artigo 314.º Coacção ou perturbação do funcionamento de órgão constitucional
Artigo 315.º Organização terrorista
Artigo 316.º Colaboração com organização terrorista

Secção II
ULTRAJE DE SÍMBOLOS NACIONAIS E IMPEDIMENTO AO LIVRE EXERCÍCIO DE DIREITOS POLÍTICOS

Artigo 317.º Ultraje de símbolos nacionais
Artigo 318.º Impedimento a livre exercício de direitos políticos

Secção III
CRIMES ELEITORAIS

Artigo 319.º Falsificação do recenseamento eleitoral
Artigo 320.º Obstrução violenta ou fraudulenta à inscrição
Artigo 321.º Perturbação de assembleia de voto
Artigo 322.º Coacção ou artifício fraudulento sobre eleitor
Artigo 323.º Corrupção activa e passiva de eleitor
Artigo 324.º Voto plúrimo
Artigo 325.º Falsificação de boletins de voto, actas ou documentos
Artigo 326.º Agravação
Artigo 327.º Atenuação livre ou isenção da pena

CAPITULO III
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO E A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA

Artigo 328.º Prevaricação de magistrado
Artigo 329.º Denegação de justiça
Artigo 330.º Prevaricação de funcionário
Artigo 331.º Subtracção ou desvio de processo
Artigo 332.º Execução ou não execução ilegais de medida privativa da liberdade
Artigo 333.º Patrocínio infiel de advogado ou de solicitador
Artigo 334.º Destruição ou sonegação de documento ou objecto de valor probatório
Artigo 335.º Violação de segredo de justiça
Artigo 336.º Encobrimento
Artigo 337.º Agravação
Artigo 338.º Denúncia falsa
Artigo 339.º Simulação de crime
Artigo 340º Obstrução à actividade jurisdicional
Artigo 341.º Realização arbitrária de direito próprio
Artigo 342.º Falsidade por parte de interveniente em acto processual
Artigo 343.º Apresentação e elaboração de documentos falsos
Artigo 344.º Recusa de colaboração
Artigo 345.º Retractação
Artigo 346.º Suborno
Artigo 347.º Atenuação livre ou isenção da pena
Artigo 348.º Coacção para obstrução à justiça
Artigo 349.º Obstrução à assistência de detido ou preso
Artigo 350.º Evasão violenta
Artigo 351.º Auxílio à evasão
Artigo 352 º Negligência grosseira
Artigo 353.º Motim de presos
Artigo 354.º Violação de outras restrições impostas em processo criminal

CAPITULO IV
CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA

Artigo 355.º Atentado ou resistência contra autoridade
Artigo 356.º Desobediência
Artigo 357.º Usurpação de funções
Artigo 358.º Exercício ilegal de profissão sem perigo para a vida ou aintegridade de outrem
Artigo 359.º Uso ilegal de designação, sinal ou uniforme
Artigo 360.º Destruição ou danificação de objectos sob poder público
Artigo 361.º Quebra de marcas e selos

CAPITULO V
ALGUNS CRIMES RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS

Secção I
DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Artigo 362.º Conceito e equiparação a funcionário
Artigo 363.º Corrupção passiva
Artigo 364.º Corrupção activa
Artigo 365.º Tráfico de influência
Artigo 366.º Peculato
Artigo 367.º Peculato de oneração
Artigo 368.º Concussão
Artigo 369.º Participação ilícita em negócios
Artigo 370º Defraudação de interesses patrimoniais público
Artigo 371.º Emprego ilegal de força pública
Artigo 372.º Recusa de colaboração devida

TITULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS E GENÉRICAS

CAPITULO I
PUNIÇÃO EXCEPCIONAL DE ACTOS PREPARATÓRIOS E TENTATIVA

Secção I
ACTOS PREPARATORIOS EXCEPCIONALMENTE PUNIVEIS

Artigo 373.º Actos preparatórios não tipificados
Artigo 374.º Actos preparatórios de falsificação tipificados

Secção II
PUNIÇÃO EXCEPCIONAL DA TENTATIVA

Artigo 375º Enumeração de casos

CAPITULO II
PROCEDIMENTO CRIMINAL DEPENDENTE DE QUEIXA, PARTICIPAÇÃO OU DE ACUSAÇÃO PARTICULAR

Secção I
CRIMES SEMI-PÚBLICOS

Artigo 376.º Dependência de mera queixa
Artigo 377.º Dependência de mera participação

Secção II
CRIMES PARTICULARES

Artigo 378.º Dependência de queixa ou participação e de acusação particular

Secção III
CRIMES TENTADOS SEMI-PÚBLICOS E PARTICULARES

Artigo 379.º Remissão

Secção IV
PROCEDIMENTO CRIMINAL E PROSSECUÇÃO PROCESSUAL POR ACTOS PREPARATÓRIOS

Artigo 380.º Natureza pública


APRESENTAÇÃO

Em edição do Ministério da Justiça e visando a sua mais ampla divulgação, publica-se o Código Penal cuja entrada em vigor prevê-se para Julho do corrente ano. Um Código que afinal há muito se justificava, já porque o Código Penal actualmente em vigor, datado de 1886, não mais reflecte o ethos da sociedade cabo-verdiana, entretanto independente e democrática, já porque o mesmo Código se tornou irremediavelmente anacrónico e ineficiente perante os desenvolvimentos sócio-económicos globais e nacionais, não conseguindo, assim, prover a sociedade dos mecanismos normativos para fazer face à mutação e complexificação da criminalidade, especialmente a grande criminalidade organizada e transnacional.

Com efeito, o advento da independência, do Estado de Direito Democrático e as grandes alterações no cenário internacional, fizeram com que se impusesse a necessidade de se reformar a legislação penal. A adaptação a essas novas realidades, significou, acima de tudo, fazer com que as condutas criminalizadas sejam realmente as que são repudiadas pela sociedade cabo-verdiana de hoje, aquelas cujo combate na esfera jurídico- penal seja efectivamente justificado pela necessidade de segurança e estabilidade social da comunidade, sem esquecer, contudo, que a acção repressiva do Estado deve respeitar, sem condições ou excepções, os direitos, liberdades e garantias individuais, conforme determinado e garantido pela Constituição da República.

São esses, em suma, os alicerces estruturais das soluções vertidas para o novo Código Penal e que determinaram, nomeadamente, a exclusão de certas condutas que não mais mereciam censura social e, em contrapartida, a inclusão de novos tipos de crime, procurando acompanhar, a um tempo, a evolução da sociedade cabo-verdiana e os desenvolvimentos recentes da dogmática jurídico-penal , como está bastamente explicitado no Preâmbulo do novo Código.

Devo, finalmente, salientar que o Código Penal foi o resultado de árduo e exclusivo labor de juristas e outros especialistas cabo-verdianos, algo que só por si é uma fonte de regozijo e confirma que estamos aptos a apresentar soluções internas e de valia em matéria de reforma da legislação estruturante do sistema jurídico. Para além do autor do Anteprojecto, Jorge Carlos Fonseca, cuja contribuição vai já realçada no Preâmbulo do Código, e dos membros da Comissão de Acompanhamento, é de justiça destacar também o trabalho minucioso e o profissionalismo de Bernardino Delgado, Boaventura José dos Santos, Eduardo Rodrigues, Júlio Martins e José Delgado que asseguraram, neste últimos dois anos, a elaboração da lei de autorização legislativa e do Decreto legislativo de aprovação, bem como a revisão e o apuramento final do texto.

Agradeço, em geral, o esforço denodado de todos aqueles, anónimos ou não, que, de alguma forma, deram o seu contributo para a concretização bem sucedida desta obra colectiva.

Que o novo Código Penal possa servir adequadamente a comunidade da qual emanou contribuindo para garantir a sua coesão social e perenidade.

Praia, a 1 de Março de 2004

A Ministra da Justiça,
Cristina Fontes Lima


Decreto Legislativo n.º4/2003 de 18 de Novembro

PREÂMBULO

É hoje indiscutível a afirmação de que o Código Penal, mais do que qualquer outro conjunto de normas, corporiza as regras básicas de convivência de uma comunidade alicerçadas naquele mínimo ético aceite por uma sociedade, não só pelo tipo e natureza das sanções que contém mas igualmente pela selecção dos bens jurídicos que faz, enfim, pelo ideário político - criminal que atravessa e dá consistência a todo o seu tecido normativo.

O Código Penal vigente em Cabo Verde é basicamente o Código Penal português de 1886, e, em boa parte, o de 1852, com as alterações constantes de algumas reformas parcelares levadas a cabo em Portugal, e tornadas extensivas ao então Ultramar, e muito localizadas e pequenas alterações impostas pelo legislador cabo-verdiano, após a independência do país.

De mais a mais, sempre se considera ser o Código Penal um verdadeiro "termómetro" da evolução política, para realçar o estreito vínculo entre as mudanças de regime político e o Código Penal.

Ora, no nosso caso, mantém-se, no essencial, um Código do século XIX, que não é, nem podia ser um Código que reflectisse, de algum modo, os valores próprios de um Estado de direito moderno, sabendo-se, como se sabe, que o direito penal é a parcela do ordenamento jurídico que mais atinência tem com a matéria de direitos, liberdades e garantias individuais, e que um Estado de Direito Democrático não pode manejar os instrumentos punitivos com os mesmos critérios com que o faz um sistema de poder autoritário.

Se pensarmos que nos últimos vinte e sete anos sucedeu a independência do país e ocorreu uma mudança de regime, que desde 1992 temos uma nova Constituição, a qual institui um Estado de Direito Democrático e que define um conjunto de normas e princípios a observar pelo legislador ordinário, nomeadamente no domínio penal, ficará clara a necessidade de uma reforma urgente e global do velho código que ainda vigora entre nós.

Essa reforma justifica-se, pois, porque:

a) As normas relativas àquilo a que se chama doutrina geral do crime mostram-se completamente desactualizadas, face à evolução da dogmática jurídico-penal;

b) As condições sociais, económicas, culturais e políticas de Cabo Verde nada têm já a ver com o século XIX;

c) O próprio pensamento jurídico-penal, nas intenções político-criminais fundamentais que contendem directamente com as partes especiais dos códigos penais, modificou-se profunda e radicalmente;

d) A Parte Especial, nem de perto, nem de longe eleva à categoria de bens jurídico-penais os valores que a comunidade politicamente organizada hoje exige como essenciais à sua afirmação e subsistência.

Assim,

Convindo aprovar um novo Código Penal e, consequentemente, proceder à revogação do Decreto de 16 de Setembro de 1886 e as suas alterações bem como todas as disposições legais contidas em leis avulsas que prevêem e punem factos incriminados pelo novo diploma.

Ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 24/VI/2003, de 21 de Julho;
No uso da faculdade conferida pela alínea b) do n.º 2 do artigo 203º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º
(Aprovação)

É aprovado o Código Penal, que faz parte do presente Decreto-Legislativo.

Artigo 2.º
(Alterações)

1. Ficam alteradas para os limites mínimo e máximo fixados no artigo 51º, do Código Penal, todas as penas de prisão que tenham duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos.

2. Ficam alteradas para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 67º, n.º 1, do Código Penal, todas as penas de multa cominadas em leis penais, de duração ou quantitativo inferiores ou superiores aos limites aí fixados.

Artigo 3.º
(Remissões)

Consideram-se efectuadas para as correspondentes disposições do novo Código Penal, todas as remissões feitas para normas do Código anterior contidas em leis penais avulsas.

Artigo 4.º
(Revogações)

Com excepção das normas relativas a contravenções, são revogados o Código Penal, aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 e todas as disposições legais que prevêem e punem factos incriminados pelo novo Código Penal, nomeadamente:

    a) O Decreto-Lei n.º 39.688, de 5 de Junho de 1954, que aprovou a chamada reforma de 54 e aplicada ao Ultramar, com alterações, pelos artigos 16º e 17º do Decreto-Lei n.º 39.997, de 29 de Dezembro de 1954;
    b) O Decreto-Lei n.º 39.998, de 29 de Dezembro de 1954, directamente aplicável ao Ultramar, que alterou os artigos 141º e 150º do Código, no concernente aos crimes contra a segurança do Estado;
    c) O Decreto-Lei 40166, de 18 de Maio de 1955, e bem assim, a Portaria n.º 15.989, de 08 de Outubro de 1956, que o manda aplicar ao Ultramar;
    d) O Decreto-Lei n.º 41074, de 17 de Abril de 1957, e bem assim, a Portaria 16315, de 07 de Junho de 1957, que o manda aplicar ao Ultramar;
    e) O Decreto-Lei n.º 184/72, de 31 de Maio e bem assim a Portaria n.º 342/74, de 29 de Maio que o mandou aplicar ao Ultramar;
    f) O Decreto-Lei n.º 37/75, de 18 de Outubro;
    g) O Decreto-Lei n.º 32/77, de 14 de Maio;
    h) O Decreto-Lei n.º 78/78, de 16 de Setembro e bem assim, o Decreto-Lei n.º 130/87, de 12 de Dezembro;
    i) O Decreto-Lei n.º 78/79, de 25 de Agosto, e bem assim, o Decreto- Lei n.º 129/87, de 12 de Dezembro;
    j) O Decreto-Lei n.º 142/87, de 19 de Dezembro;
    k) A Lei n.º 20/IV/91, de 30 de Dezembro;
    l) O Decreto Legislativo n.º 4/97, de 28 de Abril;
    m) A Lei 81/V/98, de 07de Dezembro.

Artigo 5.º
(Normas relativas a contravenções)

Mantêm-se em vigor as normas de direito substantivo e processual relativas às contravenções aplicando-se, porém, aos limites da multa e à prisão em sua alternativa, as disposições do novo Código Penal.

Artigo 6.º
(Penas comutativas de prisão e multa)

1. Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.

2. É aplicável o regime previsto no artigo 70º do Código Penal à multa única resultante do que dispõe o número anterior, sempre que se tratar de multas em tempo.

Artigo 7.º
(Suspensão da execução da pena)

Enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisão e multa, a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo Tribunal não abrange a pena de multa.

Artigo 8.º
(Regime penal especial para jovens)

Lei especial determinará o regime penal a ser aplicado aos jovens de idade compreendida entre 16 e 21 anos que sejam agentes de facto qualificado como crime.

Artigo 9.º
(Divulgação do Código Penal)

O departamento governamental responsável pela área da Justiça procederá à mais ampla divulgação do Código Penal ora aprovado.

Artigo 10.º
(Entrada em vigor)

O Código Penal e os artigos 2.º a 8.º do presente Decreto Legislativo entram em vigor a 1 de Julho de 2004.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros.

José Maria Pereira Neves - Cristina Fontes Lima

Promulgado em 17 de Novembro de 2003

Publique-se.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Pedro Verona Rodrigues Pires

Referendado em 17 de Novembro de 2003

O Primeiro Ministro,
José Maria Pereira Neves


CODIGO PENAL DE CABO VERDE

PREÂMBULO

Introdução

Desde a Independência que se reconheceu a necessidade de dotar o país de um ordenamento jurídico próprio, moderno e que reflectisse a realidade sócio-cultural cabo-verdiana.

Assim é que, a par de importantes revisões legislativas na área do Direito civil e administrativo, no que se refere ao Direito penal, desde 1977 se criaram no seio do Ministério da Justiça comissões revisoras do Código Penal integradas por juristas nacionais e chegou-se a produzir um anteprojecto da sua Parte Geral .

Embora não se tenha assinalado qualquer reforma estruturante, a legislação penal foi sendo objecto, desde então, de modificações pontuais e assistiu-se mesmo a uma proliferação de diplomas a criarem novos tipos penais numa tentativa de rever aspectos mais desadequados do Código Penal herdado, procurando, ainda que pontualmente, sintonizá-lo com a evolução da dogmática juridico-penal, a modificação evidente do núcleo de valores que se verificou em dois séculos e a tradição humanista da sociedade cabo-verdiana que, desde o acto fundador do Estado, em 1975, proscreveu a pena de morte.

Com a aprovação da Constituição de 1992, instituindo o Estado de Direito Democrático e definindo um conjunto de normas e princípios a observar pelo legislador ordinário no domínio penal tornou-se incontornável a necessidade de uma verdadeira reforma global do Código vigente.

Assim, em inícios de 1994, arranca o projecto de reforma com a definição dos "Termos de referência para a elaboração de um novo Código Penal de Cabo Verde", seguido da realização do respectivo concurso público. O anteprojecto de Jorge Carlos Fonseca, entregue em 1996, foi objecto, desde então, de ampla discussão pública incluindo encontros restritos com magistrados, advogados e vários segmentos da sociedade civil e foi também apresentado, pelo autor, a uma Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma. O referido anteprojecto foi, outrossim, seguido de perto por uma Comissão Técnica de Acompanhamento (CTA) integrada por magistrados e advogados, nomeados pelo Ministério da Justiça.

A CTA concluiu os seus trabalhos em 1999 e, em 2000, chegou a ser aprovada pela Assembleia Nacional uma autorização legislativa para a aprovação do novo Código mas tal autorização caducaria, sem ter sido utilizada, com o fim da legislatura, em Janeiro de 2001.

Em 2001, o departamento governamental responsável pelo sector da Justiça, retomou, no ponto em que tinham ficado, os trabalhos de reforma, reavaliando os dados de quase dez anos de debate, procedendo à arbitragem das divergências que se mantinham quanto às soluções finais a serem vazadas no Código Penal e preparando uma nova proposta de lei de autorização legislativa. Em Maio de 2003, esta última é aprovada, por unanimidade, pelo Parlamento abrindo caminho à adopção pelo Conselho de Ministros do novo Código Penal.

I
Parte Geral
O Código ora aprovado consagra as seguintes orientações:

1. Do ponto de vista do ideário político-criminal, ele é marcado pelos valores fundamentais consagrados pela Constituição da República: a crença na liberdade do Homem e a consequente aposta na responsabilidade individual; a dignidade da pessoa humana e o afastamento de qualquer ideia de sua instrumentalização para a realização de fins outros que não o livre desenvolvimento da personalidade ética do indivíduo; a renúncia a formas de tratamento que conduzam ou potenciem atitudes de conformismo e a técnicas de segregação incompatíveis com o respeito pela dignidade da pessoa humana; a aposta na recuperação do homem; o culto do humanismo e a defesa de uma antropologia optimista.

O que se traduziu concretamente nas soluções seguintes:

2. A aplicação de sanções criminais tem sempre por finalidade a protecção dos bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade e a reintegração do agente na vida comunitária, como se diz expressamente no art. 47º do Código Penal. A solução é clara expressão da ideia - cara e própria de um Estado de Direito - de que a intervenção do direito penal deverá ser subsidiária, enquanto ultima ratio da política social.

O que significa que, num Estado de direito material, de cariz democrático e social, como o cabo-verdiano, o direito penal só deve intervir com os seus instrumentos próprios de actuação, onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem.

O que deverá envolver ainda a aceitação da ideia de que só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, podem justificar a aplicação de sanções criminais. A ideia de que a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não a prevenção geral negativa ou de intimidação, mas a prevenção geral positiva, de integração ou reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito.

Ideia, aliás, com autónomo fundamento constitucional (art.º 17 nº 5, in fine).

Por outro lado, a mesma norma (47º) surge como expressão de um outro princípio, este decorrente da vertente social do Estado de Direito (vide, entre outros, os artigos 1º , n.ºs 2, 3 e 4,7º, 54º, 55º,e 58º a 79º da Constituição), e que consiste em impor ao Estado, titular do ius puniendi, a obrigação de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes. O que equivale a dizer que a pena deve ter uma finalidade de ressocialização, estando afastadas desta ideia quaisquer concepções paternalistas ou instrumentalistas que pretendam consagrar um "modelo terapêutico" ou impor alguma "ideologia de tratamento", inaceitáveis num Estado de Direito.

3. Como decorrência do que atrás se disse, o Código Penal subtraiu ao regime do direito penal a disciplina de actividades e condutas axiologicamente neutras, que devem ser consideradas como pertencentes ao âmbito de um direito substancialmente administrativo. Aliás, o legislador cabo-verdiano não só definiu já o regime geral das contra-ordenações (Decreto-Legislativo nº9/95, de 27.10), como criou um conjunto de contra-ordenações, em vários domínios, como, por exemplo, os das infracções fiscais aduaneiras, da protecção vegetal, da importação, comercialização e uso de produtos fitosanitários, das infracções ao Código da Estrada e das infracções bancárias.

4. O Código Penal entendeu necessário incluir, em jeito de norma emblemática, outras soluções com expresso assento constitucional e tradução do que se chama princípio da humanidade, com concretização, sobremaneira, no domínio das consequências jurídicas do crime.

Assim, no capítulo I do título III, o artigo 45º , sob a epígrafe "Limites das penas e das medidas de segurança", estabelece a proibição da pena de morte, de pena ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida; a proibição da tortura, de penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.

5. No seu artigo 46º, o Código Penal repete outro normativo constitucional, ele também expressão desse princípio da humanidade, segundo o qual nenhuma pena ou medida de segurança tem como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. Normativo que obrigou a uma profunda alteração do que dispõe o Código Penal anterior em matéria de "efeitos das penas".

O Código Penal, nos artigos 72º e seguintes, regula a matéria das penas acessórias e dos efeitos das penas, no respeito desse imperativo constitucional. Por um lado, o Código Penal define um catálogo de penas acessórias, e, por outro, submeteu-as ao regime próprio de verdadeiras penas, nomeadamente ao da limitação da sua medida pela medida da culpa. Razão por que as penas acessórias devem ser sempre temporárias, entre um mínimo e um máximo.

O Código Penal prevê como penas acessórias a proibição temporária do exercício de função (artigo 73º), a proibição de condução de veículos motorizados (artigo 75º), a incapacidade para eleger (artigo 76º) e ser eleito (artigo 77º) e a incapacidade para exercer poder paternal, tutela ou curatela (artigo 78º).

A primeira, para além de ser temporária, não abrange apenas funcionários públicos - por isso não se refere a demissão - mas todos os que exerçam actividade ou profissão dependente de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública (artigo 73º). A fim de ficar claro que se trata sempre de pena, explicita-se que ela não é aplicável (n.º 3 do artigo 73º) quando tem lugar a aplicação da medida de segurança de interdição de actividades (artigo 96º), a qual tem como pressuposto, não a culpa, mas, sim, a perigosidade do agente revelada na prática do facto.

O mesmo se faz em relação à pena de proibição de condução, que se distingue claramente da medida de segurança de cassação de licença de condução (artigo 95º), esta baseada na perigosidade manifestada no facto pelo agente. Assim se justifica que a pena acessória seja aplicada entre três meses e dois anos e a medida de segurança, entre um ano a seis anos.

Idêntico tratamento mereceram no Código Penal as medidas de incapacidade para o sufrágio, activo e passivo. Entendeu-se ser mais exigente no segundo caso do que no primeiro, dada a óbvia diferenciação de níveis de responsabilidade. Assim, são muito mais apertados os pressupostos de aplicação da medida de incapacidade para eleger e mais curto o período de aplicação da incapacidade.

O disposto no artigo 72º (suspensão temporária do exercício das funções) não afecta o conteúdo garantístico do preceito contido no artigo 33º da Constituição. Trata-se de um efeito material ligado ao próprio sentido da execução da pena de prisão.

6. Ainda no domínio de ideias-limite impostas por aquele ideário político- criminal atrás referenciado, o Código Penal (n.ºs 3 e 4 do art.º 45º ) estabelece que " a medida da pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa" e que as medidas de segurança têm de se fundamentar na perigosidade do agente exteriorizada pela prática de um facto previsto como crime e não podem resultar mais gravosas do que a pena abstractamente aplicável ao facto cometido, nem exceder o limite necessário à prevenção da perigosidade do agente.

O que exprime, sem quaisquer dúvidas, a outra ideia de que o princípio da culpa deve ser visto como exigência da inviolabilidade da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição). O Código Penal é, pois, tributário de um direito penal da culpa. Não haverá pena sem culpa e a medida da pena nunca poderá exceder a medida da culpa. A culpa como um pressuposto da aplicação da pena, como forma de limitação do poder do Estado e consequente garantia da liberdade pessoal. O que significa também que o princípio da culpa não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade da pessoa - o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de Direito Democrático.

7. Expressão do princípio da culpa, com o sentido atrás recortado são muitas outras soluções apontadas no Código Penal. Destacam-se:

7.1. A exigência de imputação a título de negligência do resultado mais grave nos chamados crimes preterintencionais (artigo 12º);

7.2. O tratamento dado ao erro sobre a ilicitude, que afasta a responsabilidade por falta de culpa, quando a falta de consciência da ilicitude "não for censurável" (artigo 16º);

7.3. A consagração da não responsabilização criminal por inimputabilidade, definida esta em razão da idade e da verificação de anomalia psíquica, não provocada ou intencional, sempre no pressuposto de que apenas se pode fazer um juízo de censura ética quando o agente se pode determinar pela norma, tendo como base a consciência da ilicitude do facto (artigos 17º e 18º);

7.4. Motivado essencialmente por algumas preocupações manifestadas durante os debates havidos à volta do Código Penal este acabou, em certa medida, por incorporar um dispositivo que pretende esclarecer o regime aplicável às situações de embriagues ou intoxicação pelo consumo de estupefacientes e substâncias análogas fugindo ao complicado regime actualmente vigente;

7.5. A explicitação da noção de que, sendo sempre individual, cada comparticipante "é punido segundo a sua culpa" (artigo 29º);

7.6. A previsão, com tratamento autónomo, por relação, nomeadamente, às causas de exclusão da ilicitude, de causas de desculpa em situações tais que, não se podendo, em rigor, afirmar seja a incapacidade de culpa, seja a de conhecer a ilicitude do facto, ao agente não seria exigível, e dele não seria de esperar um comportamento conforme à ordem jurídica. No fundo, tratar- se-ia de situações em que, segundo alguns autores, não há verdadeiramente exclusão de culpa, mas, sim, renúncia da ordem jurídica em formular uma censura ainda possível;

7.7. O Código Penal, no artigo 44º, consagrou a regra da inexigibilidade, na ideia de que, apesar de, noutros artigos, nomeadamente no que se refere ao estado de necessidade desculpante, surgir a concretização daquela regra, esta servirá para outras hipóteses cuja concreta previsão seria difícil operar- se. Enfim, na ideia de que nunca seria possível tipificar exaustivamente todas as hipóteses possíveis em que poderia ter cabimento o pensamento da inexigibilidade.

O Código Penal optou por uma tal solução, apesar de se ter plena consciência da complexidade e controvérsia que a problemática envolve ainda hoje, particularmente as críticas que lhe foram endereçadas de que acarretaria o perigo de contribuir para um amolecimento ósseo do direito penal.
Mas não deixou de se "defender", pelo menos em parte, do arsenal crítico dirigido àquela ideia. Por um lado, deixou claro que a aplicação do artigo sobre a inexigibilidade se fazia sem prejuízo do disposto sobre as outras concretas figuras de causas de desculpa, nomeadamente o não funcionamento pleno da desculpa nos casos em que, funcionando os demais pressupostos do estado de necessidade, não estão em jogo os interesses da vida, integridade física, liberdade ou honra; por outro lado, e cremos que isto será a "defesa" decisiva, o citado preceito considera a desculpa apenas quando, face à pressão de circunstâncias externas, nem o agente poderia ter, nem a ordem jurídica poderia esperar comportamento diferente;

7.8. O Código Penal enumerou ainda como causas de desculpa o excesso de legítima defesa, sempre que não for censurável a perturbação, o medo ou o susto a que se deveu o excesso de meios (artigo 41º); o estado de necessidade desculpante (artigo 42º) e a obediência indevida não censurável (artigo 43º);

7.9. A consagração da ideia de que as medidas de segurança privativas da liberdade só se aplicarão a inimputáveis, não podendo, pois, em caso algum ser aplicadas em conjunto com uma pena, o que ficou expressamente assente num dispositivo (artigo 48º);

7.10. O tratamento dado, num quadro claramente de direito penal da culpa, aos casos de imputáveis perigosos (artigos 91º e 92º), evitando-se a aplicação de pena relativamente indeterminada;

7.11. O estabelecimento, no âmbito dos critérios de determinação da medida (concreta) da pena, da regra segundo a qual a medida da pena tem como limite inultrapassável a medida da culpa, bem que a primeira possa vir a ser inferior à segunda, desde que, por exemplo, isso seja imposto pelas exigências da prevenção especial (artigo 82ºdo Código Penal).

8. O Código Penal, naturalmente, consagrou em matéria de garantias e aplicação da lei penal, as soluções impostas por outro princípio de política criminal, também com autónomo assento constitucional (artigo 31.º): o da legalidade, com o conteúdo de sentido que historicamente lhe foi dado.

Assim, proibiu a aplicação retroactiva da lei penal desfavorável ao agente, tanto no que se refere a crimes e penas como a estados de perigosidade e medidas de segurança, e o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a medida de segurança que lhes corresponde (artigo 1.º).

9. Entretanto, por exigência constitucional, no artigo 2º, o Código Penal consagrou expressamente o princípio da aplicação da lei penal concretamente mais favorável ao arguido, não se contemplando, contudo o caso julgado.

10. No que respeita à matéria da chamada aplicação da lei penal no espaço, mais concretamente do locus delicti, há a salientar o facto de, seguindo-se o critério ou solução plurilateral ou da ubiquidade, o Código Penal prever as situações dos crimes não consumados e dos chamados crimes de consumação antecipada (crimes de perigo, crimes de intenção e crimes de empreendimento).

11. No que se prende com aquilo que poderemos considerar os pressupostos da punição, o Código Penal consagrou, no artigo 8.º, uma norma que define os pressupostos de punição da omissão, de forma a esbater, na medida do possível, as conhecidas dificuldades e polémica quanto à equiparação entre factos cometidos por acção e omissão. Trata-se de, portanto, corresponder a uma exigência do nullum crimen sine lege. De notar que o Código Penal, na parte final do n.º 1 do artigo 8º, estabelece uma ressalva ao princípio da equiparação ("...salvo se outra for a intenção da lei"), para justamente se referir aos casos de tipos de crime onde não se limita a descrever a produção de um resultado, mas, sim, se descreve uma forma vinculada de execução do facto. Nessas situações, como de resto se tem afirmado, a restrição só pode ter o sentido de reenviar o aplicador do direito para uma valoraçäo autónoma, de carácter ético-social, através da qual ele determine se, segundo as concretas circunstâncias do caso, o desvalor da omissão corresponde ou é equiparável ao desvalor da acção, na perspectiva própria da ilicitude.

12. Prevê, ainda, no artigo 10.º, a possibilidade de responsabilização penal de quem actua em nome de outrem, nomeadamente de quem age em representação de pessoa colectiva, de forma a que se possa estender a punibilidade, contida em tipos legais que supõem determinados elementos pessoais ou uma actuação no interesse próprio, àquelas pessoas em que tais elementos típicos se não verificam, mas que todavia actuaram como órgãos ou representantes de uma pessoa colectiva relativamente à qual se verificavam aqueles elementos pessoais.

13. Mas mais do que isso, o Código Penal, no artigo 9.º prevê a responsabilização das pessoas colectivas e entidades equiparadas pelas infracções criminais cometidas pelos seus órgãos ou representantes, "em seu nome e na prossecução de interesses da respectiva colectividade, salvo se o agente tiver actuado contra as ordens ou instruções do representado". A opção do Código Penal - que, aliás, entre nós, tem recente precedente, qual seja o da Lei sobre as infracções fiscais aduaneiras - foi bem ponderada, tendo em conta as necessidades, sobretudo de um ponto de vista político-criminal, de um tal alargamento, a que não é estranha a pressão resultante da criminologia do white-collar crime que cedo se deu conta da ineficácia de qualquer política de repressão ou prevenção criminal que não atinja directamente as organizações burocráticas e impessoais que se converteram nos principais operadores no mundo dos negócios, mas, igualmente, todo o arsenal crítico produzido no sentido da não responsabilização criminal das pessoas colectivas, nomeadamente, em sede de dogmática jurídico-penal. O Código Penal, nos artigos 79.º e seguintes, definiu as penas, principais e acessórias, aplicáveis às pessoas colectivas, o que só por si limitará naturalmente o âmbito dos factos puníveis susceptíveis de realização pela entidade colectiva.

14. O Código Penal definiu no artigo 15.º, o regime do erro sobre os elementos descritivos e normativos do tipo e sobre os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude; o do erro sobre a ilicitude do facto (artigo 16.º), evitando-se a confusa fórmula utilizada no artigo 29.º,1., do Código Penal anterior.

15. Na parte respeitante às formas de aparecimento do facto punível, o Código Penal entendeu:

15.1. Manter uma definição de actos preparatórios e explicitar a ideia de que a sua não punição como regra não exclui a punibilidade dos actos que sejam puníveis como crime, apesar de parecer dispensável a consagração de tal regra.

15.2. Consagrar um tratamento unitário da tentativa, fazendo desaparecer, pois, a figura da frustração, enquanto categoria dogmática autónoma.

15.3. Estabelecer regra sobre a chamada tentativa inidónea ou impossível (artigo 23.º), no quadro de uma construção unitária e objectiva da figura da tentativa, que claramente deixa fora da punibilidade casos de chamada tentativa irreal ou supersticiosa. Uma concepção marcada pelo pensamento da adequação e atravessada por um conceito de perigo, aferido por um juízo ex-ante que releva da ideia de uma aptidão de determinados actos para gerar um sentimento, reconhecível pela generalidade das pessoas, de perturbação da comunidade social, em última análise, a portadora dos bens jurídicos que, desse modo, surgem ameaçados.

15.4. Estabelecer um regime mais claro e rigoroso sobre a desistência e o chamado arrependimento activo, incluindo regras sobre a desistência em caso de comparticipação e nas hipóteses dos chamados crimes de consumação antecipada (n.º 1, in fine, do artigo 24.º). O Código Penal também manda aplicar tais regras às hipóteses excepcionais de punição de actos preparatórios enquanto tais.

15.5. Autonomizar, no artigo 26.º , a figura da instigação, apesar de ser punida como autoria, num propósito de clarificar conceitos numa matéria onde reina ainda uma grande confusão de noções. Sobretudo, pareceu conveniente separar a instigação da autoria mediata - esta referida no artigo 26.º , na parte em que se refere a "executa...por intermédio de outrem, de que se serve como instrumento) - já que, nesta, é o autor mediato...o verdadeiro autor, enquanto a instigação supõe uma autoria (a pessoa determinada à prática do facto), bem que mediata. Outrossim, o artigo em causa, ao estabelecer que é punido "como autor" o instigador, ressalva: "...desde que haja começo de execução...). O que quer significar, nomeadamente, não dever haver punição de tentativa de instigação, já que seria levar longe demais o estádio de protecção de bens jurídicos, em termos insuportáveis para aquilo que deve constituir a função do direito penal num Estado de direito em sentido material. O que confirma a ideia de que a instigação supõe uma autoria, ao menos no estádio da tentativa.

Também pelas razões imediatamente acima recortadas, o Código Penal obviou a que se pudesse punir a instigação da instigação, referindo que a determinação de outrem deve ser, além de dolosa, directa.

15.6. Eliminar o encobrimento como forma de comparticipação, seguindo- se o que fazem as legislações modernas: prever uma tal figura na parte especial como crime/s autónomo/s.

15.7. O artigo 28º do Código Penal pretende estabelecer regras as mais claras possíveis sobre o complicado problema da comunicabilidade das circunstâncias entre os comparticipantes num facto, quando estão em causa os chamados crimes específicos próprios ou impróprios. O Código Penal quis, no entanto, esclarecer a vexata quaestio que consiste em saber se a comunicação se faz de cúmplice para o autor. A resposta é dada negativamente no n.º 2 do citado artigo 28º, apesar do estabelecimento de uma "válvula de escape" para as situações mais chocantes de comunicação de cúmplice para autor, e consistindo em dizer-se que " sempre que desta regra resulte para algum dos comparticipantes a aplicação de uma moldura penal mais grave, pode esta, consideradas as circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse".

Por outro lado, o Código Penal, na parte final do n.º 1 do artigo 28º , ressalva :"...salvo se outra for a intenção da lei". A ideia seria procurar evitar que a comunicação se fizesse nos casos dos chamados crimes de mão própria, apesar de poder parecer que seria inútil, já que tudo poderia ser resolvido com a interpretação dos tipos previstos na parte especial do Código.

15.8. O Código Penal, no que se refere ao concurso, optou por explicitar a diferença entre o verdadeiro concurso e o chamado concurso de normas.

15. 9. Na punição do crime continuado, o Código Penal (artigo 34.º) optou por um princípio de exasperação, isto é, a punição é estabelecida a partir da moldura penal mais grave, sendo a determinação da medida concreta da pena feita de acordo com as regras gerais. O que não impede, assim, que se valore dentro daquela moldura a circunstância de ter havido pluralidade de factos.

16. O Código Penal distinguiu claramente as situações de exclusão de ilicitude das de exclusão de culpa e de desculpa, evitando, assim, um preceito do género do artigo 44.º do Código anterior, que engloba situações completamente distintas, como de justificação (3, 4 e 5), de desculpa (2 e 7, in fine) e de ausência de acção (1); inclusivamente definiu em capítulos diferentes as causas de exclusão de ilicitude e as causas de desculpa.

17. Em relação às causas de exclusão da ilicitude, a descrição é naturalmente exemplificativa, no pressuposto hoje irrecusável de que a ordem jurídica é uma unidade.

18. É de se referir que o Código Penal, na definição dos pressupostos da legítima defesa, exige que a agressão ilícita e actual incida sobre interesses não somente juridicamente protegidos (do agente ou de terceiro) mas também juridicamente relevantes, procurando, assim, explicitar a ideia de que não haverá justificação perante, nomeadamente, agressões de muito diminuto valor ou insignificantes, independentemente da justificação teorética da solução.

19. Em matéria de consequências jurídicas do facto punível, para além do que já se referiu, e se contém no Código Penal como disposições gerais (limites das penas e das medidas de segurança; efeitos das sanções criminais; finalidades das penas e das medidas de segurança; proibição de cumulação de pena e medida de segurança privativa da liberdade) convém salientar o seguinte:

19.1. O Código Penal eliminou a classificação das penas de prisão em maior e correccional, procedendo à sua unificação, de acordo com as exigências de ressocialização da pena e com o fito de combater todo e qualquer efeito "infamante", para além de uma tal distinção não corresponder, já há muito tempo, aos objectivos que, historicamente a ela estavam associados.

19. 2. Elevou o limite mínimo da pena de prisão, que hoje é de três dias, para 3 meses (artigo 51º ), em função do que hoje se entende ser a melhor solução de um ponto de vista de política criminal balizada pela ideia da recuperação do delinquente.

19. 3. Estabeleceu um tecto para o limite máximo das penas de prisão -25 ano-, sempre em obediência às exigências de prevenção especial já aqui referidas . Esse limite máximo não foi, porém, reduzido drasticamente, em função também das necessidades de prevenção geral e da realidade social do país. Também pesou o facto de se saber hoje que mais vale reduzir a duração legal das penas e instituir um sistema de aplicação e execução que, numa medida razoável e sem pôr em causa a utilização de mecanismos e institutos exigidos nomeadamente pelo fim de ressocialização do agente, a faça corresponder à sua duração efectiva, do que ameaçar com penas muito elevadas que, na prática, não são cumpridas em grande medida.

20. O Código Penal, tendo em conta as possibilidades do país, nomeadamente em matéria de criação de estruturas de execução e acompanhamento das sanções criminais, não foi tão longe, como, eventualmente seria desejável, no que diz respeito à consagração de medidas sancionatórias não institucionais. Apesar de experiências estrangeiras surgirem como muito positivas de um ponto de vista de obtenção de finalidades de prevenção especial, não se avançou na consagração de algumas delas, seja pela tal incapacidade de meios para as pôr em prática (casos dos regimes de semidetenção e da prova), seja pura e simplesmente porque pareceram desajustadas para o país (casos das penas de admoestação e de prestação de serviços a favor da comunidade).

21. No entanto, o Código Penal avançou soluções, também nesta matéria, que apontam nesse exacto sentido moderno de aplicação e execução das sanções criminais tendo em vista a reintegração comunitária do agente.

22. Atribui a qualidade de pena principal à multa, com amplitude diferente da actual, enquanto peça essencial da política criminal e dos sistemas sancionatórios hodiernos. Sobretudo no domínio da pequena e média criminalidade, a pena de multa deverá ser verdadeira alternativa à pena de prisão, desde que fiquem, no caso concreto, salvaguardadas exigências de prevenção.

Outrossim, optou-se pelo sistema dos dias de multa, o que permite, de uma forma mais adequada, adaptá-la à medida da culpa do agente e às suas condições económicas, esbatendo, assim, as habituais críticas quanto a uma eventual discriminação das pessoas com menos posses, nomeadamente quando se põe o problema do não pagamento e sua conversão em prisão.

23. Evitou a aplicação da multa como complementar da pena de prisão ( x meses ou anos de prisão e multa até y dias), em razão dos objectivos de política criminal associados à consagração da multa como pena autónoma.

24. No artigo 52.º, o Código Penal mantém a regra da substituição da prisão aplicada em medida não superior a um ano por multa, a não ser que, face ao condicionalismo do caso, o tribunal entenda que o cumprimento da prisão seja ditado por exigências de prevenção geral ou haja lugar à aplicação da suspensão da execução da pena.

25. Para marcar a diferença entre a multa como pena principal e a multa substitutiva da prisão, o Código Penal estabelece regras diferentes relativamente ao quantum de prisão a cumprir em caso de não pagamento da multa. No primeiro caso (conversão da multa em prisão), o tempo de prisão será o correspondente da multa reduzido a dois terços (artigo 70º), enquanto no segundo, o condenado, em caso de não pagamento, cumpre a pena de prisão aplicada na sentença (n.º 3 do artigo 52.º).

26. Consagrou (artigos 64.º a 66.º), para casos de crimes a que, concretamente, se aplicou pena de prisão até cinco meses, que não deva ser substituída por multa, a possibilidade de cumprimento da pena em períodos de fim-de-semana, sempre que se entenda ser tal forma de cumprimento adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

Os fundamentos de política criminal subjacentes a uma tal pena impõem que limites sejam estabelecidos. Assim, terá uma duração mínima de dois períodos e uma duração máxima de vinte e quatro períodos, sendo cada período estabelecido entre trinta e seis horas e quarenta e oito horas.

27. O Código Penal manteve as figuras da suspensão da execução da pena de prisão (artigos 53º e seguintes) e da liberdade condicional (artigos

58º e seguintes), com pequenas alterações no que respeita à definição dos respectivos pressupostos. De salientar dois aspectos:

    - o primeiro consiste em que, na esteira do que dispõe a recente legislação espanhola, o Código Penal, no seu artigo 59.º, prevê regime particular de liberdade condicional para idosos(mais de setenta anos) e doentes graves;

    - o segundo: o Código Penal, na definição dos pressupostos da liberdade condicional, condiciona mais a sua concessão, por comparação com o regime anterior, procedendo nomeadamente a um escalonamento do tempo mínimo de prisão que tem de ser cumprido, em função da gravidade da pena a que o agente foi condenado.

28. O Código Penal consagra ainda, no propósito assumido, até onde foi possível e realista, de, sem prejudicar o essencial das preocupações de prevenção, assegurar a ressocialização do agente e evitar os efeitos criminógenos da pena de prisão, a regra de que "sempre que ao facto punível forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda..." (artigo 82º).

29. No artigo 84º estabelece os pressupostos e o regime de atenuação livre da pena. Regime a aplicar, para além dos casos expressamente previstos no Código, às vezes como faculdade (erro censurável sobre a ilicitude do facto -artigo 16.º, n.º 2; excesso de legítima defesa - artigo 37º; estado de necessidade - nº 2 do artigo 42º), outras vezes como regra de aplicação obrigatória (tentativa e cumplicidade - nº 2 dos artigos 22.º e 27.º, respectivamente), em situações tais onde se verificam circunstâncias que, sem excluírem a ilicitude ou a culpa do agente, a diminuem de forma acentuada.

E o artigo enumera, a título exemplificativo, um conjunto de circunstâncias, num instituto cuja aplicação envolve uma forte e decisiva intervenção valorativa do juiz na fixação do quantum da pena. Com o limite, definido no n.º 3, de a atenuação nunca poder importar a aplicação de pena inferior a metade do limite mínimo da pena ou inferior ao mínimo legal, salvo disposição expressa da lei em contrário.

30. No artigo 85.º, prevê-se a possibilidade de se decretar a isenção da pena em caso de verificação simultânea de uma das circunstâncias previstas no artigo anterior e de outra que, nos termos do código, também dê ou possa dar lugar à atenuação livre da pena. Ainda assim, a isenção da pena só poderá ser decidida se o justificar o condicionalismo do caso concreto.

31. O Código Penal manteve o teor do actual artigo 96.º sobre o concurso de circunstâncias agravantes modificativas, por parecer ser importante e clarificador o estabelecimento de uma tal regra, apesar de, aparentemente, o sistema consagrado - o de uma absorção agravada - não estar em sintonia de sentido com, por exemplo, o do concurso de crimes. Acrescentou-lhe, porém, um dispositivo que ressalva a aplicação das normas relativas ao concurso de crimes e ao concurso de normas. A preocupação é a de esclarecer os termos da controvérsia gerada por uma tal situação no domínio do código actual.

32. A reincidência é modelada em termos diferentes dos do código anterior, procedendo-se (artigo 87º), nomeadamente, a um tratamento unitário das chamadas reincidência homótropa e polítropa, com o que se ganhará em simplificação.

33. No que respeita às medidas de segurança, elas foram submetidas, rigorosa e plenamente, ao princípio da legalidade e seus corolários, como atrás se referiu. A aplicação das medidas de segurança está condicionada à prática de um facto típico e ilícito, como também a Constituição exige. Isto é: a prática de um facto considerado pela lei penal como um facto típico e ilícito é não só elemento indiciador da perigosidade como fundamento e limite da aplicação da medida. O Código Penal afasta-se, assim, do preceituado no artigo 71.º do Código anterior, o qual previa a aplicação de medidas de segurança pré-delituais, nomeadamente a vadios, rufiões, prostitutas, "os que se entregam habitualmente à prática de vícios contra a natureza", etc

34. O Código Penal tipifica as medidas de segurança e define as hipóteses de cumulação de medidas, sejam elas privativas ou não privativas da liberdade, para além das hipóteses de cumulação de penas (incluindo as acessórias) e medidas não privativas da liberdade.

35. De recortar é a previsão, no artigo 93º, de medidas que consistem na imposição ao inimputável de algumas restrições de movimentos ou de certas obrigações, quando se não mostrar necessário proceder ao internamento do agente ou este deixar de se justificar, e a de cassação de licença de porte de arma (artigo 94º).

36. O Código Penal prevê (artigo 90º) que o tribunal poderá sempre, por requerimento ou iniciativa própria, proceder à substituição das medidas impostas por outras, desde que ela corresponda de forma mais adequada à realização das medidas de segurança.

37. Como consequência da proibição constitucional de medidas de carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, o Código Penal modela todas as medidas como temporárias, estabelecendo ainda que cessa a sua aplicação quando cessar o estado de perigosidade que a fundamentou (artigo 91.º , n.º 3 e 93.º, n.º 2). Porém, nos casos de medidas não privativas da liberdade definiu um tempo mínimo de cumprimento.

38. O Código Penal inclui ainda como "outras consequências do facto punível"as matérias relativas ao destino dos objectos do crime e da indemnização de perdas e danos emergentes da prática do facto punível, entre os artigos 98.º a 100.º. De salientar que o Código Penal prevê a possibilidade de, não se tratando de objectos de comércio ilegal ou que ponham em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou ainda que não ofereçam sério risco de ser utilizados na prática de novos crimes, directamente, ou através do produto da sua venda, se cobrir as responsabilidades do agente face ao lesado. Trata-se de solução imposta pela, hoje, cada vez mais indiscutível necessidade de consideração dos interesses da vítima no enquadramento e solução do fenómeno do crime. No mesmo sentido, o Código Penal, no artigo 101.º, considera que o crédito do lesado à indemnização por perdas e danos emergentes do crime goza de preferência relativamente a qualquer outro surgido após o cometimento do facto, incluindo a multa e as custas processuais.

39. Uma outra nota: o Código Penal, no artigo 100.º, n.º 2, esclarece que a indemnização por danos resultantes do facto punível é regulada pela lei civil, nomeadamente no que respeita à definição dos seus pressupostos e critérios para proceder ao cálculo do seu montante.

40. O Código Penal, trata, num título - o IV - a matéria da extinção da responsabilidade criminal e dos seus efeitos.

Entre as causas de extinção da responsabilidade criminal, o Código Penal considera as chamadas medidas de graça, referindo-se nomeadamente à amnistia, ao perdão genérico e ao indulto, seguindo, assim, a terminologia da Constituição ( artigos 134.º, n.º 1, n) e 174º, m), nomeadamente). O Código Penal praticamente não regula essa medidas, limitando-se a uma descrição do seus efeitos, na ideia de que ir mais além seria inútil, tendo em conta o que a Constituição estabelece em matéria de competência.

41. Nos artigos 105.º a 107.º, o Código Penal regula a temática do direito de queixa, sua caducidade, renúncia e desistência de queixa, o que faz com que se deixe de falar em perdão (perdão individual ou de parte).

42. Nos artigos 108.º e seguintes, o Código Penal regula a matéria da prescrição, seja do procedimento criminal, seja das penas e medidas de segurança.

O Código Penal procedeu, em primeiro lugar, a uma maior diversificação dos prazos de prescrição, seja os relativos ao procedimento criminal, seja aos relativos às sanções criminais, tendo em atenção a gravidade relativa dos crimes e das sanções ou a natureza destas, tratando-se de medidas de segurança.

43. Por outro lado, procedeu a uma clara distinção entre a suspensão e a interrupção da prescrição, tanto num caso como noutro. De salientar que a prescrição do procedimento criminal só se interrompe com a notificação do despacho de pronúncia ou despacho materialmente equivalente ou com a prática, pelo agente, de outro facto punível (artigo 111.º). Mais esclarece o Código Penal que, na hipótese referida em último lugar, começa a correr o prazo prescricional referente ao facto punível mais grave (n.º 2 do artigo 111.º).

Pareceu suficiente o estabelecimento dessas duas causas de interrupção, já que, atendendo aos prazos estabelecidos para a prescrição do procedimento e às causas de suspensão, se chega a um equilíbrio entre as exigências decorrentes da necessidade de perseguição criminal dos agentes de factos puníveis e as que estão subjacentes à figura da prescrição: não tanto a ideia de que, com o crescente distanciamento temporal entre o momento da prática do facto e o processo penal, aumentam as dificuldades probatórias, como a ausência de necessidade da sanção, a diminuição crescente da exigência de reacção contra a infracção.

44. Relativamente ao modo de contagem do prazo, o Código Penal previu a hipótese dos chamados crimes de consumação antecipada (n.º 4 do artigo 109) e dos actos preparatórios excepcionalmente puníveis (n.º 2 do artigo 109.º).

45. Ainda sobre esta matéria, e com o fim de não esvaziar o conteúdo de sentido ínsito à noção de prescrição, o Código Penal, no artigo 112.º , estabelece um limite inultrapassável: a prescrição terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.

46. Uma última referência à reabilitação (artigos 119.º a 121.º) para dizer que o Código Penal prevê tanto a reabilitação de direito, como a judicial, sendo a primeira sempre plena e definitiva, ao contrário da segunda que começa por ser provisória, bem que possa ser plena ou limitada nos seus efeitos. Neste ponto, o Código Penal não fugiu, no essencial, ao contido na legislação em vigor, preocupando-se apenas em clarificar e sistematizar alguns aspectos do seu regime, o qual, aliás, deverá ser desenvolvido em diploma autónomo.

II
Parte Especial

No que diz respeito à Parte Especial, as seguintes orientações e opções foram tidas em conta:

47. O Código Penal consagrou uma outra sistematização que pudesse corresponder à ordenação dos valores ínsita na Lei Fundamental.

Isso levou, nomeadamente, a que, em vez de a Parte Especial começar com os crimes "contra a religião do reino e dos cometidos por abuso de funções religiosas" e os crimes "contra a segurança do Estado", começasse pela descrição típica dos crimes contra as pessoas - e, entre estes, pelos crimes contra a vida, contra a integridade física e psíquica, contra a liberdade, contra a dignidade das pessoas e contra a reserva da vida privada - e prosseguisse com os crimes contra o património, acabando com os crimes contra o Estado de Direito Democrático.

Enfim, o Código Penal, pretendendo acompanhar uma tal ordenação, começou com a protecção de bens individuais terminando com a do Estado.

48. Foram eliminados tipos penais onde não existe bem jurídico merecedor de tutela penal ou, existindo bem jurídico, se não mostre necessária a intervenção do direito penal. Deste ponto de vista, tipos como o duelo, greve, lock-out, adultério, homossexualidade , vadiagem, mendicidade, e os que consubstancia meros crimes contra a religião ou os bons costumes não surgiram naturalmente no Código Penal, e, pelas mesmas ordens de razoes, foi significativamente reduzido o número de crimes contra o Estado, o de crimes tentados ou de preparação, ou muito ponderada a necessidade de incriminações como as de "propaganda do suicídio","ofensa a pessoa colectiva" (artigo169.º),"ultraje de símbolos estrangeiros" (artigo 266.º), detenção de arma regulamentada sem licença (artº295º),"infidelidade diplomática" (artigo 311º), "usurpação de autoridade cabo-verdiana" (artigo 312.º), "simulação de crime" (artº339º),"obstrução à actividade jurisdicional "(artº340º), "obstrução à assistência de detido ou preso" (artº349º), "exercício ilegal de profissão sem perigo para a vida ou a integridade de outrem" (artº358º)," uso ilegal de designação, sinal ou uniforme" (artº359º), "emprego ilegal de força pública" (artº371º), "recusa de colaboração devida" (artº372º), entre outras.

49. O Código Penal procedeu a uma outra sistematização e norteou-se pela preocupação de simplificação no tratamento dos crimes contra a vida e a integridade, evitando, por exemplo, tipos como os previstos no Código Penal anterior nos artigos 350º (tentativa de homicídio e homicídio frustrado), 353º (envenenamento) e 355º (parricídio); reformulando completamente os tipos de crimes de ofensas corporais (artigos 359ºe segs);evitando a sistematização tal qual era feita anteriormente dos chamados homicídio e ofensas corporais involuntários e suprimindo disposições inúteis, quando não importando soluções pouco claras, como, por exemplo as dos artigos 376º (homicídio e ofensas corporais com justificação do facto), 377º (legítima defesa face a homicídio ou ofensa corporal grave) e 378º (excesso de legítima defesa).

50. Nesta matéria, convém ainda sublinhar:

Optou-se por prever, em dois artigos casos de homicídio agravado, com a pena máxima prevista no Código Penal (15 a 25 anos de prisão em função dos meios utilizados ou dos motivos subjacentes à prática do facto (artº123º) e da qualidade da vítima (artigo 124º).

Foi ponderada a hipótese de consagração de um tipo de homicídio qualificado, mas pesadas as eventuais vantagens ligadas, por exemplo, à técnica dos exemplos-padräo e que, de forma grosseira, têm a ver com a possibilidade de uma maior justiça do caso concreto - e as desvantagens decorrentes da utilização de uma sofisticada técnica legislativa e da concessão ao juiz de uma ampla faculdade de apreciação de circunstâncias e sua valoração, o Código Penal decidiu-se por sacrificar, em boa medida, as eventuais vantagens acima referidas.

Entre a máxima segurança subjacente a um modelo de aplicação automática de um certo número de circunstâncias qualificativas, determinadas com precisão, e a possibilidade de uma maior justiça na apreciação e julgamento do caso concreto, o Código Penal optou por ficar mais próximo da primeira exigência, tendo em conta, nomeadamente, a realidade do país, maxime, o grau de experiência da nossa magistratura, de consolidação da jurisprudência e a insipiência da doutrina nacionais.

No artigo 124.º, a agravação pelas circunstâncias do parentesco (ascendente ou descendente), da particular vulnerabilidade da vítima ou natureza das funções por ela exercidas fica condicionada pela verificação, em concreto, de um acentuado grau de ilicitude do facto e/ou de culpa do agente, o que, neste ponto, faz aproximar a técnica utilizada à dos códigos português ou suíço, com a diferença, no primeiro caso, de a enumeração das circunstâncias ser taxativa no Código Penal, e, face ao segundo caso, não se contentar com uma mera cláusula geral. No fundo, o Código Penal diferenciando as situações de agravação em razão da utilização de certos meios ou de uma particular e censurável motivação do agente e as de agressão em atenção à qualidade da vítima, ficou quase a meio caminho entre os dois tipos de modelos aqui muito genericamente definidos. Isso porque se entendeu que, no primeiro grupo de casos muito mais dificilmente seria de conceber que a verificação das circunstâncias(por exemplo, matar com tortura, com acto de crueldade para fazer aumentar o sofrimento da vítima, por ódio racial, religioso ou político, por avidez, pelo prazer de matar, mediante recompensa, entre outras) não trouxesse consigo um claro maior grau de ilicitude (particularmente de desvalor da acção) e /ou de culpa.

51. O Código Penal, no quadro geral de uma preocupação de máxima simplificação da Parte Especial, evitando, sempre que possível, sucessivas derrogações ou alterações de regras da Parte Geral (nomeadamente, em sede de concurso de crimes, de tentativa, actos preparatórios, funcionamento de regras sobre circunstâncias), não previu a figura do "homicídio privilegiado", como, por exemplo, o fazem outros códigos, optando por consagrá-lo no artigo 84.º nº2 d), enquanto circunstância susceptível de determinar uma atenuação livre da pena.

52. O Código Penal, na esteira do que, de forma prevalecente, tem ensinado o direito comparado, prevê o homicídio a pedido da vítima (artigo 125º) e a instigação ou auxílio ao suicídio (artigo127º). Trata-se de duas incriminações que, em conjugação com a das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, asseguram o enquadramento normativo capaz de oferecer um princípio de resposta à difícil área problemática da chamada eutanásia, na diversidade das suas manifestações - indirecta, passiva e activa. Foram as razões que levaram a que o Código Penal, no caso do homicídio a pedido, não tenha optado por solução idêntica à que fez quanto ao "homicídio privilegiado".

O Código Penal acabou por consagrar o princípio da parificação axiológica e normativa da auto lesão e da hetero lesão consentida.

Duas últimas e breves referências devem ser feitas ainda.

Uma diz respeito ao facto de o Código Penal, no nº3 do artigo 127º, prever a agravação das penas cominadas à instigação e ao auxílio ao suicídio em certos casos.

A outra tem a ver com a circunstância de o Código Penal consignar que o facto só se torna punível quando advier efectivamente o suicídio ou quando tenha havido apenas tentativa, dela resulte lesão grave para a saúde física ou psíquica do instigado ou auxiliado.

53. O Código Penal não consagrou qualquer figura autónoma de infanticídio ou de infanticídio privilegiado. Na verdade, hodiernamente o mais frequente é a consagração de um particular caso de homicídio privilegiado, com formulações diferentes de código para código, mas que, no essencial estriba- se na ideia de uma acentuada diminuição da culpa por parte da mãe que mata o infante sob a influência determinante de certas circunstâncias, nomeadamente a influência perturbadora do parto ou do período que se lhe segue ou/e da motivação consistente em ocultar a desonra da mãe.

O que atrás se disse sobre a não autonomização de um tipo de homicídio privilegiado vale integralmente para o caso em apreço, pelo que, havendo realmente a situação de uma mãe que mate o filho no "estado puerperal" em circunstâncias tais que haja uma sensível diminuição da culpa do agente, haverá lugar à aplicação da regra da atenuação livre da pena prevista no artigo 84.º.

54. No que se refere aos crimes contra a integridade física ou psíquica, para além da já mencionada simplificação e re-arrumaçäo das disposições, merece anotar que o Código Penal introduziu alguns tipos novos, em atenção a fenómenos que, não sendo novos, são hoje objecto de específica e relevante reprovação da comunidade e expressão de valores potenciados pela afirmação do Estado de Direito e protecção dos direitos humanos, ou, então, merecem tratamento jurídico-penal próprio, tendo em atenção os problemas que, nomeadamente em sede de comparticipação, levantava a sua apreciação no âmbito das ofensas corporais. No primeiro caso, falamos de maus tratos a menor ou incapaz (artigo133.º) e maus tratos a cônjuge (artigo 134.º) e, no segundo caso, da "rixa" (artigo 135º).

Outra menção: na base das considerações expostas sumariamente sobre a postura de simplificar, sempre que possível, a composição da parte especial, evitando constantes derrogações de regras estabelecidas na parte geral, o Código Penal, ao consagrar a agravação nos crimes contra a integridade, não prevê a que seria ditada pela morte da vítima. Entende-se que tal técnica legislativa só deve operar lá onde não possa funcionar a regra do concurso ou, podendo funcionar, não sejam obtidos os objectivos de reprovação ou prevenção de forma satisfatória.

55. O Código Penal, no capítulo sobre crimes contra a liberdade, procurou aprofundar o tratamento jurídico-penal das ofensas à liberdade das pessoas, entendida num Estado de direito como bem essencial. Assim, reformulou e aperfeiçoou tipos como os de cárcere privado, coacção e rapto, sendo certo que, hoje em dia, sofisticados estão os modos de ataque, muitas vezes violento e organizado, à liberdade.

Assim, unificou num tipo - o sequestro - o que, tradicionalmente, vem tratado como sequestro ou cárcere privado e rapto; previu um tipo de crime onde se pune a intervenção médica sem consentimento do paciente.

56. O Código Penal incluiu no domínio dos crimes contra as pessoas os, hoje, chamados crimes sexuais, entendidos já não como crimes contra a honestidade, mas, sim, como contra a liberdade e a autodeterminação sexuais. O que levou a exigir uma cuidadosa ponderação dos valores que merecem uma tutela jurídico-penal, de acordo com os critérios próprios de um Estado de direito, aberto a uma pluralidade de concepções de vida e que não deve aspirar a uma qualquer modelação de comportamentos no domínio da moralidade, maxime a sexual.

O Código Penal autonomizou, em capítulo próprio, estes crimes, procedendo a uma sua profunda revisão, ao mesmo tempo que procurava um seu tratamento simplificado. Ele, naturalmente, cotejou as soluções constantes dos mais recentes e inovadores códigos e reformas em curso, acabando por optar por soluções que, embora se aproximem de um ou outro modelo em alguma medida surgem como próprias.

Recorte-se o seguinte:

56.1. O Código Penal começa com um conjunto de definições, quais sejam as de acto sexual, de agressão sexual e de penetração sexual (artigo 141º), a partir das quais constrói os tipos. O tipo base é a "agressão sexual" (artigo 142º), entendida, grosso modo, como acto sexual realizado contra a vontade de outra pessoa, independentemente do seu sexo. Punido mais severamente é o crime de "agressão sexual com penetração" (artigo 143º). O conceito proposto de penetração abrange não só a cópula, como também outros actos vistos como globalmente equivalentes do ponto de vista do grau de afectação da esfera de liberdade e disponibilidade do corpo da vítima (coito anal, coito oral, a penetração vaginal ou anal com os dedos ou objectos estranhos e o chamado beijo lingual).

56.2. O Código Penal, no seu artigo 151.º, prevê uma forte agravação para as situações em que, da prática do crime sexual, resulte, nomeadamente, gravidez, ofensa grave à integridade física ou psíquica, transmissão de doença grave e incurável, suicídio ou morte da vítima, com o que pretendeu, nomeadamente quando se refere à gravidez, dar resposta particular, de forma achada satisfatória, às especificidades relevantes da penetração violenta vaginal.

56.3. Como já se disse, para além dos casos de actos sexuais violentos, o Código Penal dá cobertura à protecção da autodeterminação sexual, pelo que prevê tipos de crime sexual contra menores ou pessoas diminuídas na sua capacidade de autodeterminação. Assim, prevê-se o crime de "abuso sexual de crianças" (artigo 144.º) e também o de "abuso sexual de menores entre os 14 e 16 anos" (artigo 145º). Neste caso, porém, considerou-se como agente pessoa maior já que o que se pretende salvaguardar não é, por exemplo, a virgindade (como se faz no código anterior com o estupro, antes da revogação do artigo 392º pelo decreto-lei nº78/79, de 25 de Agosto), ou qualquer forma de atentado ao pudor. Com isso, afasta-se a punição em casos como os de relações sexuais consentidas entre um jovem de 16 anos e outro de 15 ou, ainda, noutros casos, sempre que o acto sexual não tenha sido praticado "...prevalecendo-se de sua superioridade, originada por qualquer relação ou situação, ou do facto de a vítima lhe estar confiada para educação ou assistência..." (artigo 145 º).

56.4. O Código Penal consagra o tipo de "assédio sexual" (artigo152.º), enquanto comportamento violador da liberdade de disposição sexual, através de ordens, ameaças ou coacção com a finalidade de obter favores ou benefícios de natureza sexual.

57. O Código Penal, num capítulo relativo a "colocação de pessoas em perigo", inclui, entre outros tipos, o de omissão de auxílio (artigos 158º) que, de uma forma ou outra, pretende ser expressão da violação de um exigível dever de solidariedade, em casos de grave necessidade provocada, nomeadamente, por calamidade pública ou situação de perigo comum, ou, ainda, de perigo de vida para outrem, desde que, naturalmente, a conduta que se exige ao omitente não crie grave risco para a sua pessoa ou para a de terceiros na esteira do que hoje acontece nas legislações mais avançadas.

58. O Código Penal reponderou o desenho legal dos crimes contra a honra, desde o critério de distinção entre a difamação e a injúria, passando pela ideia, aparentemente exigida pela nossa realidade social, de um relativo reforço de sua punição, considerando não existirem razões de fundo que levem à distinção entre injúria e difamação, optando por unificar as figuras sob a epígrafe de injúria.

58.1. Outrossim, o Código Penal previu um tipo que pune a ofensa à memória de pessoa falecida (artigo 168º), em consonância com valores fortemente enraizados no país.

58.2. No seu artigo 170º o Código Penal explicita casos de falta de tipicidade, ao jeito de enumeração de hipóteses mais visíveis de adequação social, numa preocupação que surge como compreensível no nosso estádio de desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial. Aliás, neste ponto, o Código Penal não está muito longe do que se consagra noutros códigos, ao estabelecer, ainda que com hesitações, a relevância da retractação pública, na base do que parece ser, igualmente, expressão compatível com a nossa idiossincrasia.

58.3. O Código Penal reformula e pretende actualizar a relevância da exceptio veritatis (artigo 173º), fazendo-a abranger os crimes de injúria e de ofensa à pessoa colectiva e prevendo que ela ainda possa valer sempre que a pessoa ofendida solicite, por qualquer forma, a prova da imputação contra ela dirigida. No que ainda parece ser solução perfeitamente sintonizada com a maneira cabo- verdiana de sentir e reagir, solução, aliás, que não surge como inédita.

A moldura penal nos crimes contra a honra foi relativamente aumentada, de acordo com o que parece ser uma exigência generalizadamente sentida em Cabo Verde.

59. O Código Penal garante a protecção autónoma do direito à privacidade, e, através deste, de direitos à imagem e à palavra, mediante a criação de tipos penais próprios, como o "atentado à intimidade da vida privada" (artigo 183º), "gravações, fotografias e filmes ilícitos" (artigo 184º), "devassa por meio de informática" (artigo188º) . Trata-se aqui de mais uma manifestação do fenómeno de emergência de novos bens jurídicos, correspondentes à descoberta de novas dimensões da pessoa, autonomizáveis na sua dignidade e carência de tutela penais, sem que isso corresponda a uma espécie de subversão, se não inversão da função do bem jurídico ditada por uma política criminal de um direito penal funcional.

60. No domínio dos crimes contra o património, convém salientar as seguintes orientações seguidas e opções consagradas:

60.1.Como atrás se deixou subentendido, o Código Penal não prosseguiu a ideia de uma qualquer tutela ideológica do património, isto é, dele em si considerado, mas, sim, como conjunto de bens e valores afectados a esferas jurídicas concretas. O que, de modo algum, pode significar, ao menos num sentido total ou globalizante, que a protecção jurídico-penal do património deva esgotar-se em bens estritamente individuais. Por um lado, há casos de protecção de bens individuais com reflexos decisivos noutros interesses transpessoais, e, por outro lado, hoje mostra-se esgotado o modelo individualista próprio das concepções liberais que marcaram a feitura dos códigos do séc.XIX, vendo-se o património como valor que se situa, por exemplo, em termos de ordenação de bens jurídicos, atrás da vida, da integridade física ou da liberdade, e cuja protecção pode alargar-se a esferas do domínio societário, comunitário ou público.

Razão para que o Código Penal preveja tipos penais como "danos ao ambiente" (artigo 206º), "burla relativa a seguros" (artigo 211º), "burla de outros bens"(artigo 215º), "infidelidade" (artigo 220º), "adulteração de contas ou de inventário" (artigo 221º), "publicitação de falsidades sobre situação de sociedade" (artigo 222º), "pacto contra interesses societários" (artigo 223º), "adulteração de arrematação ou concurso públicos" (artigo 226º), "falência fraudulenta" (artigo 228º). Ou, então, porque prevê a qualificação do furto ou do roubo (artigos 196º e nº3 do 200º), quando, nomeadamente, a coisa móvel alheia seja"destinada a serviço público e se produzir grave perturbação no seu funcionamento", "seja produto de primeira necessidade, quando a subtracção tenha ocasionado uma situação grave de falta de abastecimento público", ou, ainda, quando o Código Penal qualifica o dano praticado "...em arquivo, registo, museu, biblioteca...ou em bens de importante valor histórico, artístico, cultural ou científico, ou, de qualquer modo, destinados ao uso e utilidade públicos" (artigo 205º, nº1, c)), ou se qualifica o furto, o roubo e o dano por a coisa possuir significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico. E já não qualifique pelo simples facto, por exemplo, de a coisa pertencer ao sector público (e, por maioria de razão, ao cooperativo), qualificação que já não aparece no código anterior, apesar de este tipificar o crime de "apropriação ilegítima", enquanto crime cujo agente deve ser pessoa que tenha a administração ou possibilidade de disposição de bens do sector público ou cooperativo.

60.2. O Código Penal mantém, no domínio dos crimes contra o património, a propriedade como bem jurídico principal, e a opção de fazer incluir em legislação especial um bom número de novos direitos a que deram lugar a revolução tecnológica e as transformações operadas na vida económica. De todo o modo, e pelo que já se referiu a propósito dos tipos criados, o Código Penal, não indo tão longe nessa matéria de previsão de tipos de crime contra o património ou dos crimes contra a economia, vai um pouco mais longe, abrangendo alguns chamados crimes societários.

60.3. Mas, por outro lado, o Código Penal não pretendeu ir além do que, nesta matéria, como, também por exemplo, na dos crimes ecológicos, informáticos, genéticos e outros, se mostrava como núcleo essencial daquela criminalidade. Melhor: pensou-se que apenas deviam ser previstos crimes, nessas áreas, que correspondessem a um núcleo essencial de valores no domínio da protecção ambiental, da economia do Estado e outros que, pode dizer-se, perderam já o seu carácter pontual e adquiriram a determinação suficiente para figurarem num corpo de leis com tendência para a estabilidade, independentemente da evolução das estruturas económico-políticas. Acresce ainda o facto de só muito recentemente ter sido aprovado o regime geral das contra-ordenações, e, assim, com excepção do domínio das infracções fiscais aduaneiras, praticamente não se ter feito qualquer transferência para este novo tipo de ordenamento de infracções que hoje continuam, de forma discutível, catalogadas como penais.

60.4. O Código Penal procedeu, na descrição típica de crimes como o furto, o roubo e outros crimes contra o património, a uma cuidadosa ponderação das vantagens ou desvantagens do modelo que liga a qualificação ou o privilegiamento a níveis quantificados e pré-fixados do valor pecuniário do objecto em causa e de outros modelos, como o que liga a qualificação ou o privilegiamento à verificação de cláusulas gerais de valor (valor diminuto, valor consideravelmente elevado, valor insignificante, etc.).

60.5. O Código Penal optou por não consagrar qualquer modelo que considera o valor da coisa como elemento constitutivo do tipo de crime patrimonial, sendo certo que, na qualificação do furto, do roubo e de outros crimes contra o património, entra com a ponderação de circunstâncias como as de "ter ficado a pessoa prejudicada em difícil situação económica" ou de "o agente ter causado prejuízos consideráveis à vítima", com o que, nomeadamente, procurou dar resposta a algumas das dificuldades apontadas a outros critérios conhecidos.

Por um lado, aquelas ligadas à determinação da responsabilidade subjectiva do agente (problemas de dolo e de erro) quando ela se afere em função de um valor pré-fixado, como no código anterior, para além de problemas muito práticos que têm a ver com a necessidade de quase permanente actualização dos valores, em atenção às mutações relativas à valorização ou desvalorização da moeda; por outro lado, esbatem-se grandemente as críticas dirigidas contra a utilização de cláusulas contendo conceitos indeterminados, nomeadamente em sede de respeito pelo princípio da legalidade.

60.6. Ainda sobre as opções do Código Penal se pode dizer que, ao reter a noção de prejuízo considerável (e não valor), sempre a par da de situação económica difícil da vítima, pretende-se ultrapassar as subjectividades inerentes à apreciação do que é valor elevado, muito elevado ou diminuto.

60.7. Razão por que, no artigo 197º, o Código Penal prevê o crime de furto de valor insignificante (o mesmo se passando com o roubo, o dano ou a burla) considerando, como tal (cumulativamente) o furto de coisa de valor diminuto e que não cause prejuízos graves à vítima.

60.8. O Código Penal procedeu a uma delimitação entre os crimes de furto e de roubo de forma um pouco diferente da que utiliza o código anterior. Existe roubo não só quando há violência ou ameaça contra pessoas mas igualmente quando há violência sobre coisas, noção esta que é objecto de definição no artigo 200º. Nomeadamente, existe tal violência quando, na execução do facto, ocorra escalamento, arrombamento e utilização de chaves falsas para aceder ao local onde a coisa se encontre, independentemente de se tratar ou não de casa habitada.

Opção que, de algum modo, explica a medida da pena - aparentemente baixa - prevista para o furto, e bem assim a diferença de moldura penal entre o roubo com violência sobre pessoas e com violência apenas sobre coisas.

60.9. O Código Penal não só simplificou o tratamento do crime de dano, como limitou a punibilidade do dano à forma de actuação dolosa.

61. O Código Penal, na linha do que atrás se referiu, fez uma reformulação completa dos chamados crimes contra o Estado, eliminando os tipos onde não está em causa, de forma intolerável, a realização do Estado de direito democrático, e, na defesa de uma tal perspectiva, procurou dar mais rigor à descrição típica. Por outro lado, simplificou as incriminações, como aconteceu, nomeadamente, com os crimes de traição (artigo 306º), rebelião, espionagem e violação de segredo de Estado (artigo 309º). Por outras palavras, as incriminações só surgem lá onde tais valores sejam violados por comportamentos violentos ou formas análogas de actuação.

62. Criou tipos de crime (algumas vezes chamados crimes contra a paz e a humanidade), de acordo com a necessidade de proteger valores e interesses a que a comunidade internacional atribui a maior importância, dando, aliás, consagração a nível do Código Penal ao que, algumas vezes, o Estado de Cabo Verde se comprometeu a realizar, em convenções assinadas por seus representantes. O Código Penal juntou-os num título, sob a epígrafe "Crimes contra a comunidade internacional", onde surgem, a par do atentado (à vida, à integridade e à liberdade) contra certas entidades estrangeiras normalmente objecto de especial protecção segundo o direito internacional, factos como o genocídio, o recrutamento de mercenários, a organização para a discriminação racial e a escravidão.

63. Na mesma linha de pensamento, o Código Penal, sobretudo nessa categoria de crimes, limitou ao estritamente imposto pela defesa de bens jurídicos e necessidade de intervenção penal a utilização de técnicas de equiparação da tentativa à consumação (seja pela via da mera equiparação quoad poenam, seja pela via de construção de crimes de empreendimento),e de punição dos actos preparatórios. A punição excepcional de actos preparatórios, enquanto tais e não, por exemplo, como incriminações autónomas ou crimes autónomos, ficou reduzida, em termos de actos não tipicizados, aos crimes de genocídio, traição, sabotagem contra a defesa nacional, provocação à guerra, violação de segredo de Estado (apenas quando estão em causa a independência ou a integridade territorial do país, e, não, por exemplo, a mera protecção dos interesses do Estado em matéria de política externa), rebelião e fundação de organização terrorista. Como actos tipicizados punem-se algumas formas de preparação de crimes de falsificação de moeda, valores e títulos públicos, ficando claro que, apesar de tal concretização típica, ainda estamos perante verdadeiros actos preparatórios, o que tem por efeito, nomeadamente, excluir a punição de sua tentativa, aliás, conceptualmente indefensável.

Por outro lado, deixou de se contemplar qualquer situação de equiparação de acto preparatório a tentativa, como sucedia anteriormente, por exemplo, com o disposto no artigo 170º (Suspensão ou cessação de trabalho sem causa legítima).

64. O Código Penal procedeu igualmente a uma significativa reformulação dos tipos de crime contra a ordem e a tranquilidade pública, sintonizando-os com os valores e os limites impostos pelo princípios do Estado de direito, nomeadamente pela consagração dos direitos de liberdade de expressão, de manifestação e de reunião.

64.1. Neste âmbito, deu-se guarida a algumas formas dos chamados crimes de organização, maxime a de organização criminosa, fazendo-se clara distinção, inclusivamente para efeitos de pena aplicável, entre fundador, chefe ou dirigente, aderente e colaborador, procurando-se, em particular, resolver, na medida do que é possível, nesta sede, os complicados problemas de concurso normalmente levantados por este tipo de crime.

Assim, no artigo 291º, nº4, o Código Penal, ao mesmo tempo que prevê uma pena própria para quem "apoiar ou colaborar com organização ou grupo criminosos, sem deles ser membro", ressalva explicitamente que tal pena não será aplicável "...se pena mais grave resultar da aplicação das disposições deste código à prática dos factos puníveis em que se traduza a actuação da organização...".

64.2. O Código Penal também optou por não incluir no âmbito dos crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas os crimes de terrorismo e de associação terrorista. Estes são incluídos entre os crimes contra o Estado de Direito Democrático, maxime, contra a soberania e a independência nacionais, sendo a sua modelação típica feita nessa base, isto é: a qualificação como organização terrorista implica, para além de outros elementos, o "propósito de destruir, alterar ou subverter o Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado ou as suas instituições, ou o de ofender ou pôr em perigo a independência ou a integridade territorial do país, ou, ainda, o de criar um clima de agitação ou perturbação social" (nº4 do artigo 315º). E, se tivermos em conta o requisito de utilização de certos meios de actuação, crê-se com isto, dar correspondência, no essencial, às formas mais frequentes e graves de atentado terrorista.

Igualmente nestes casos, o Código Penal diferenciou claramente, inclusive em termos de pena aplicável, a condição de fundador, de chefe ou dirigente, de aderente e de colaborador. Aqui, foi autonomizada, em artigo próprio (316º), a "colaboração com organização terrorista", com ressalva idêntica à prevista no caso de organização criminosa: a punição é para o acto de colaborar com o grupo, sem dele fazer parte, aplicando-se a pena correspondente à prática dos concretos factos puníveis em que se traduziu a colaboração, caso seja mais grave do que a primeira.

Uma tal clara explicitação, quando comparada com a inexistência de semelhante disposição para as hipóteses de fundação, chefia ou pertença, como membro, ao grupo, e, sobremaneira, com a não criação de um tipo de terrorismo, deixa evidente a conclusão de que é em sede de concurso de crimes (e não de mero concurso de normas) que tem tratamento a conduta que, por exemplo, se traduziu em fundar, dirigir ou pertencer ao grupo e na prática de concretos actos de terrorismo (homicídio, sabotagem, sequestro, etc.).

64.3. Também neste âmbito foram incluídos os crimes de "impedimento ou perturbação de cerimónia fúnebre" (artigo 285º), "profanação de lugar ou objecto de culto" (artº286º) e "impedimento ou perturbação de acto de culto" (artigo 287º), com a descrição típica a incluir sempre a exigência de perturbação da paz pública.

65. No que se refere à protecção jurídico-penal do ambiente, o Código Penal, sem pôr de lado ou minimizar o clamor social que, hoje, entre nós também, soa em defesa dos valores ambientais, foi muito prudente. Não existindo na nossa Constituição norma tão directa e claramente dirigida à protecção jurídico-penal do ambiente.

Como atrás se disse, houve a preocupação de se limitar a protecção penal a um núcleo já estabilizado, com significado comunitário, de valores. Mas igualmente o Código Penal teve em devida consideração as hesitações, os cuidados e as dificuldades que, tanto de um ponto de vista de eficácia das possíveis incriminações, como do modelo de construção típica desses crimes - de dano, de perigo concreto, de perigo abstracto, ou, como se tem denominado, delitos de desobediência à entidade estadual encarregada de fiscalizar os agentes poluentes e competente para lhes conceder autorizações.

Assim, salvaguardando o já legislado na matéria (Decreto-Legislativo n.º 14/97, de 1 de Julho), o Código Penal não instituiu uma categoria autónoma de crimes contra o ambiente, limitando-se - em casos de clara e directa protecção de valores ambientais, - a criar um tipo de crime de "danos ao ambiente" (artigo 206º) e um crime de perigo ("poluição" – artigo 297º), este no âmbito dos crimes contra a segurança colectiva, espaço sistemático onde vem incluída boa parte dos chamados crimes de perigo comum.

66. As mesmas razões de fundo - limitação ao núcleo essencial e estabilizado de valores - a que acrescem as de necessidade de tratamento jurídico particular, nomeadamente em sede de articulação entre normas substantivas e processuais específicas, levaram a não incluir também no Código Penal incriminações como as do tráfico de estupefacientes, "branqueamento de capitais", atentados contra a identidade e integridade genéticas ou relativas à informática.

67. No domínio dos crimes relativos ao exercício de funções públicas - o Código Penal designa o capítulo respectivo como "Alguns crimes relativos ao exercício de funções públicas", já que, em rigor, crimes atinentes àquele exercício estão espalhados por diferentes títulos e capítulos - há a salientar, por um lado, uma relativa agravação da medida da pena para os crimes de corrupção passiva (nomeadamente quando ela é praticada como contrapartida ou recompensa de acto ou omissão lícitos), e, por outro, a previsão de um tipo de crime de "tráfico de influência" (artº365º), como resposta a fenómenos de muita actualidade e a que os tradicionais tipos de corrupção não dão cobertura, pelo menos em certos casos.

De salientar ainda o facto de o Código Penal prever agravaçöes da medida da pena para os crimes de corrupção, quando o agente seja magistrado, melhorando o que actualmente se dispõe na matéria, já que, por um lado, apenas se refere ao caso de corrupção passiva, e, por outro, abrange unicamente os juizes e jurados.

68. A mesma preocupação de adequação da medida da pena à gravidade das infracções, levou o Código Penal, no capítulo relativo aos crimes contra a administração e a realização da justiça, a agravar as penas cominadas aos agentes de prevaricação, quando se trate de magistrados, ao mesmo tempo que procedia à redefinição do tipo penal respectivo, de forma, nomeadamente, a compatibilizá-lo com os dispositivos constitucionais atinentes às garantias do exercício da função judicial e de magistratura autónoma (Ministério Público).

69. O Código Penal, sobretudo no domínio dos crimes contra o património, alarga o leque de crimes semi-públicos. Se o que considerámos desideologização do património é, em parte, justificação de uma diminuição de iniciativa pública para a intervenção processual criminal, não o é menos que a opção do Código Penal tem atrás de si a prossecução de objectivos de política criminal bem definidos, quais sejam os de proporcionar, dentro de certos limites, naturalmente, que situações de conflitualidade geradas por certas condutas de gravidade criminal pequena ou média possam ser geridas e resolvidas extraprocessualmente, inclusivamente por consenso entre o agente e a vítima. O que pode traduzir-se - sem que um tal pragmatismo possa assumir foros de decisiva justificação da medida - a final, em relativo alívio dos tribunais, mais ocupados, assim, com questões que relevam de uma criminalidade mais grave.

LIVRO I
PARTE GERAL
TITULO I
GARANTIAS E APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Artigo 1.º
(Princípio da legalidade)

1 - Nenhum facto, consista em acção ou em omissão, pode considerar-se crime, sem que uma lei anterior o qualifique como tal.

2 - Só poderá ser aplicada medida de segurança a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior.

3 - As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente ao tempo da prática do facto ou da verificação dos pressupostos de que dependem.

4 - Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a medida de segurança que lhes corresponde.

Artigo 2.º
(Aplicação de regime mais favorável)

1 - Sempre que as disposições penais vigentes ao tempo da prática do facto forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, aplicar-se-á o regime que concretamente for mais favorável ao agente.

2 - Os factos praticados na vigência de uma lei temporária serão por ela julgados, salvo se legalmente se dispuser o contrário.

Artigo 3.º
(Aplicação no espaço: princípio geral)

Salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-verdiana é aplicável a factos praticados em território de Cabo Verde ou a bordo de navios ou aeronaves de matrícula ou sob pavilhão cabo-verdiano, independentemente da nacionalidade do agente.

Artigo 4.º
(Factos praticados fora do território nacional)

1 - Salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-verdiana é aplicável a factos praticados fora do território de Cabo Verde nos seguintes casos:

    a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 243.º a 262.º e 306.º a 327.º.

    b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 138º, números 2 e 3, e 267º a 278º, desde que o agente seja encontrado em Cabo Verde e não possa ser extraditado;

    c) Quando forem praticados contra cabo-verdianos, desde que o agente viva habitualmente em Cabo Verde e aqui seja encontrado;

    d) Quando forem cometidos por cabo-verdianos, ou por estrangeiros contra cabo-verdianos, desde que o agente seja encontrado em Cabo Verde, os factos sejam igualmente puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados e constituírem crime que legalmente admita extradição e esta não possa em concreto ser concedida;

    e) Quando se trate de crimes que o Estado cabo-verdiano, por convenção internacional, se tenha obrigado a julgar.

2 - O disposto no número anterior só terá aplicação, quando o agente não tenha sido julgado ou se haja subtraído ao cumprimento da sanção em que tenha sido condenado no país da prática do facto.

3 - Ainda que seja aplicável, nos termos deste artigo, a lei cabo-verdiana, o facto será julgado de acordo com a lei do país em que tiver sido praticado, sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema cabo-verdiano, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei cabo-verdiana prever para o facto.

Artigo 5.º
(Lugar da prática do facto)

O facto considera-se praticado no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, bem como naquele em que se tenha produzido o resultado típico, ou aquele resultado que, não sendo típico, o legislador quer evitar que se verifique.

Artigo 6.º
(Momento da prática do facto)

O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente daquele em que se tenha verificado o resultado típico.

Artigo 7.º
(Aplicação subsidiária)

As disposições do presente código aplicam-se aos factos puníveis previstos em leis especiais, salvo disposição em contrário.

TITULO II
DO FACTO PUNÍVEL

CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO

Artigo 8.º
(Acção e omissão)

1 - Quando um tipo legal de crime compreende um certo resultado, a sua realização tanto pode ser feita por acção como por omissão, salvo se outra for a intenção da lei.

2 - Só é punível a prática de um facto por omissão quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado típico.

Artigo 9.º
(Responsabilidade das pessoas colectivas)

1 - As sociedades e as pessoas colectivas de direito privado são responsáveis pelas infracções criminais cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e na prossecução de interesses da respectiva colectividade, salvo se o agente tiver actuado contra as ordens ou instruções do representado.

2 - Tratando-se de entidade sem personalidade jurídica, responderá pelo cumprimento da sanção pecuniária o património comum, e, na sua falta ou insuficiência, o património de cada um dos associados.

Artigo 10.º
(Actuação em nome de outrem)

É punível quem actua enquanto titular de órgão de uma pessoa colectiva ou mera associação de facto, ou como representante de outrem, ainda que não concorram nele, mas sim, na pessoa em nome da qual actua, as condições, as qualidades ou as relações requeridas pelo tipo para se afirmar a autoria da infracção.

Artigo 11.º
(Imputação subjectiva)

Só é punível o facto praticado com dolo, ou, nos casos expressamente previstos na lei, com negligência.

Artigo 12.º
(Agravação pelo resultado)

Quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da verificação de um resultado, a agravação é condicionada pela possibilidade de imputação daquele resultado a título de negligência.

Artigo 13.º
(Dolo)

1 - Age com dolo quem, representando um facto que corresponde à descrição de um tipo de crime, actua com intenção de o praticar.

2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que corresponde à descrição de um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.

3 - Quando a realização de um facto que corresponde à descrição de um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, haverá dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.

Artigo 14.º
(Negligência)

Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado que, na circunstância, lhe é exigível:

    a) Representar como possível a realização de um facto que corresponde à descrição de um tipo de crime e actuar sem se conformar com aquela realização;

    b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

Artigo 15.º
(Erro sobre as circunstâncias de facto)

1 - O erro sobre elementos descritivos ou normativos de um tipo de crime, ou sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação do facto, exclui o dolo.

2 - O erro sobre um elemento de facto que qualifica uma infracção ou sobre uma circunstância agravante tem como efeito a não relevância da qualificação ou da circunstância.

3 - Fica ressalvada a possibilidade de punição da negligência, verificados os requisitos definidos no artigo anterior.

Artigo 16.º
(Erro sobre a ilicitude)

1- Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.

2 - Se o erro lhe for censurável, a sanção poderá ser livremente atenuada.

Artigo 17.º
(Inimputabilidade em razão da idade)

Apenas são susceptíveis de responsabilidade criminal os indivíduos que tenham completado os dezasseis anos de idade.

Artigo 18.º
(Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica)

1. É inimputável quem, no momento da prática do facto, for incapaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação, em virtude de uma anomalia psíquica.

2. O regime constante do número anterior é aplicável aos casos de intoxicação completa devida ao consumo de bebidas alcoólicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou tóxicas ou outras que produzam efeitos análogos.

3. A imputabilidade não é excluída, quando a anomalia psíquica ou a situação descrita no número antecedente tiverem sido provocadas pelo agente com intenção de praticar o facto ou quando a realização do facto tenha sido prevista ou devesse ter sido prevista pelo agente.

CAPITULO II
FORMAS DE APARECIMENTO DO FACTO PUNÍVEL

Artigo 19.º
(Conceito de actos preparatórios)

São actos preparatórios os actos externos conducentes a facilitar ou preparar a execução do facto punível, que não constituem ainda começo de execução nos termos do artigo 21.º.

Artigo 20.º
(Punibilidade dos actos preparatórios)

1 - Os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição da lei em contrário.

2 - Sendo excepcionalmente puníveis, a pena aplicável terá como limite mínimo o mínimo legal e como limite máximo 3 anos, não podendo, porém, ser aplicada pena que exceda um terço do limite máximo da pena cominada ao crime cuja execução se pretendeu preparar.

Artigo 21.º
(Tentativa)

1 - Há tentativa quando o agente pratica, com dolo, actos de execução de uma infracção, sem que esta se consuma.

2 - São actos de execução:

    a) Os que correspondem, num ou nalguns elementos, à descrição do tipo de crime;

    b) Os que são idóneos à produção do resultado típico;

    c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.

Artigo 22.º
(Punibilidade da tentativa)

1 - Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível quando ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a três anos de prisão.

2 - Sendo punível a tentativa, a sanção será livremente atenuada, não podendo, porém, ser inferior a metade do limite mínimo previsto para o crime consumado respectivo ou ao mínimo legal, salvo se outra for a determinação da lei.

Artigo 23.º
(Inidoneidade do meio e carência do objecto)

Não é punível a tentativa quando for manifesta a inidoneidade do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação da infracção.

Artigo 24.º
(Desistência e arrependimento activo)

1 - Será isento da pena o agente que voluntariamente desiste de prosseguir na execução da infracção, ou impede a sua consumação, ou ainda quando, não obstante a consumação, impede a efectivação do resultado que a lei quer evitar se verifique.

2 - O mesmo regime do número anterior será aplicado quando a consumação ou a verificação do resultado são impedidos por circunstância independente da conduta do agente, se ele se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.

3 - Em caso de comparticipação, será igualmente isento da pena aquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado, ou se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, bem que os outros comparticipantes tenham prosseguido na execução do facto ou o tenham consumado.

4 - O disposto nos números antecedentes é correspodentemente aplicável aos actos preparatórios, quando forem puníveis nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 20.º.

Artigo 25.º
(Autoria)

É autor quem executa o facto, por si mesmo, ou por intermédio de outrem, de que se serve como instrumento, ou toma parte directa na sua execução, ou ainda quem coopera na execução do facto com um acto sem o qual ele não se teria efectuado.

Artigo 26.º
(Instigação)

É punido como autor quem determina directa e dolosamente outrem à prática do facto, desde que haja começo de execução.

Artigo 27.º
(Cumplicidade)

1 - É cúmplice quem, dolosamente e fora dos casos previstos nos artigos anteriores, presta auxílio, material ou moral, com actos anteriores ou simultâneos, à prática, por outrem, de um facto doloso.

2 - É aplicável ao cúmplice a pena do autor, livremente atenuada, nos termos e com os limites estabelecidos para a tentativa.

Artigo 28.º
(Ilicitude na comparticipação)

1 - As relações, circunstâncias e qualidades especiais do agente, de cuja verificação depender a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto, comunicam- se aos demais comparticipantes para efeito de determinação da sanção que lhes é aplicável, desde que aqueles tenham conhecimento de tais relações, circunstâncias ou qualidades, salvo se outra for a intenção da lei ou outra coisa resultar da própria natureza da infracção.

2 - A comunicação referida no número antecedente não se verifica do cúmplice para o autor ou para quem como este seja punido.

3 - A regra do n.º1 não se aplicará se a lei determinar que um facto, em princípio qualificado como infracção de outra natureza, deva ser considerado crime em virtude da verificação de certas qualidades, circunstâncias ou relações especiais do agente.

Artigo 29.º
(Culpa na comparticipação)

Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.

Artigo 30.º
(Concurso de crimes)

1 - Há concurso quando o agente, tendo perpetrado um crime, comete outro antes de ter sido condenado pelo anterior, por sentença transitada em julgado.

2 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for realizado pela conduta do agente.

Artigo 31.º
(Punição do concurso)

1 - Em caso de concurso de crimes, o agente será condenado numa única pena, tendo como limite mínimo a mais elevada pena concretamente aplicada a cada um dos crimes, e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes cometidos, não podendo, porém, ultrapassar nunca o limite de vinte e cinco anos de prisão ou de 800 dias de multa.

2 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se provar que o agente praticou, antes daquela condenação, outro ou outros crimes, serão aplicadas as regras do número anterior.

3 - As penas acessórias e as medidas de segurança serão sempre aplicadas, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

Artigo 32.º
(Concurso de normas)

1 - O facto susceptível de ser qualificado como crime, no todo ou em parte, por mais de uma disposição legal, não se tratando da hipótese prevista nos artigos antecedentes, será punido na observância das seguintes regras:

    a) O preceito especial aplicar-se-á em detrimento do preceito geral;

    b) O preceito subsidiário só terá aplicação não cabendo a aplicação do preceito principal;

    c) O preceito mais amplo e complexo absorverá o que prevê e pune a infracção consumida por aquele;

2 - Não cabendo a aplicação dos critérios referidos no número anterior, aplicar-se-á o preceito que estatuir sanção mais grave.

Artigo 33.º
(Crime e contra-ordenação)

Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente punido a título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.

Artigo 34.º
(Crime continuado)

1 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que faça diminuir consideravelmente a culpa do agente.

2 - Exceptuam-se do número anterior as ofensas a bens jurídicos eminentemente pessoais, salvo as constitutivas de infracções contra a honra e a liberdade sexual, caso em que, tendo em conta a natureza do facto e do preceito violado, se decidirá ou não pela continuidade criminosa.

3 - O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.

CAPITULO III
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

Artigo 35.º
(Enumeração exemplificativa)

Não é ilícito o facto praticado, nomeadamente:

    a) Em legítima defesa;

    b) No exercício de um direito;

    c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou ordem legítima de autoridade;

Artigo 36.º
(Legítima defesa)

Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para afastar a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos e relevantes do agente ou de terceiro.

Artigo 37.º
(Excesso de legítima defesa)

Não é excluída a ilicitude do facto, se houver excesso dos meios utilizados pelo defendente, mas a pena pode ser livremente atenuada, nos termos e com os limites referidos no n.º 2 do artigo 22.º.

Artigo 38.º
(Estado de necessidade justificante)

Não é punível, por exclusão da ilicitude, o facto praticado como meio adequado para remover um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

    a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de protecção de interesse de terceiro;

    b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado;

    c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse em perigo.

Artigo 39.º
(Obediência devida)

1 - Não é ilícito o facto praticado em virtude de obediência legalmente devida.

2 - O dever de obediência hierárquica cessa quando conduzir à prática de um crime.

Artigo 40.º
(Conflito de deveres)

Havendo conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, não é ilícito o facto de quem satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem sacrificados.

CAPITULO IV
CAUSAS DE DESCULPA

Artigo 41.º
(Excesso de legítima defesa não censurável)

Age sem culpa quem se exceder nos meios empregados em legítima defesa, em virtude de perturbação, medo ou susto não censuráveis.

Artigo 42.º
(Estado de necessidade desculpante)

1 - Não será punido, por agir sem culpa, aquele que praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, desde que, de acordo com as circunstâncias concretas do caso, não seja racional exigir-lhe comportamento diferente.

2 - Se o perigo ameaçar interesses jurídicos diferentes dos referidos no número anterior, e se verificarem os restantes pressupostos ali mencionados, a pena pode ser livremente atenuada, ou, excepcionalmente, pode ser o agente isento da pena.

Artigo 43.º
(Obediência indevida não censurável)

Não será punido, por agir sem culpa, aquele que cumprir ordem de superior hierárquico, desconhecendo, de forma não censurável, que o cumprimento da ordem conduz à prática de um crime.

Artigo 44.º
(Inexigibilidade)

Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores deste capítulo, age sem culpa quem actua em circunstâncias tais que não seria razoável exigir-lhe e dele esperar comportamento diferente.

TITULO III
DAS CONSEQÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO PUNÍVEL

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 45.º
(Limites das penas e das medidas de segurança)

1 - Em caso algum haverá pena de morte ou pena privativa da liberdade ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

2 - Ninguém pode ser submetido a tortura, penas ou tratamento cruéis, degradantes ou desumanos.

3 - A medida da pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.

4 - As medidas de segurança fundamentam-se na perigosidade do agente exteriorizada pela prática de um facto previsto como crime e não podem resultar mais gravosas do que a pena abstractamente aplicável ao facto cometido, nem exceder o limite do necessário à prevenção da perigosidade do agente.

Artigo 46.º
(Efeitos das penas e medidas de segurança)

Nenhuma pena ou medida de segurança tem, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.

Artigo 47.º
(Finalidades das penas e medidas de segurança)

A aplicação de penas e de medidas de segurança tem por finalidade a protecção de bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade social e a reintegração do agente na vida comunitária.

Artigo 48.º
(Proibição de cumulação de pena e medida de segurança)

Em caso algum será permitida a aplicação simultânea de pena e medida de segurança privativa da liberdade pela prática do mesmo facto descrito como crime pela lei.

Artigo 49.º
(Início do cumprimento das sanções privativas da liberdade)

1 - O cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade inicia-se no dia em que transitar em julgado a sentença condenatória, sempre que o condenado se encontre privado da liberdade.

2 - O início do cumprimento será diferido nos casos em que a prisão ponha em risco a vida do agente, durante os três últimos meses de gravidez devidamente comprovada e até três meses após o parto, e ainda se o condenado tiver de cumprir primeiro outra sanção privativa da liberdade.

Artigo 50.º
(Desconto)

1 - Na duração das penas e medidas de segurança privativas da liberdade levar-se-á em conta por inteiro a detenção, a prisão preventiva ou qualquer medida processual de coacção privativa da liberdade sofridas pelo arguido em Cabo Verde ou no estrangeiro, desde que relativas ao mesmo ou mesmos factos.

2 - Tratando-se de pena de multa, as medidas referidas no número anterior serão descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.

CAPÍTULO II
DAS PENAS

Secção I
PENA DE PRISÃO

Artigo 51.º
(Duração)

A pena de prisão tem a duração mínima de três meses e máxima de vinte e cinco anos.

Artigo 52.º
(Substituição da prisão por multa)

1 - A pena de prisão aplicada em medida que não seja superior a um ano será substituída por multa, a não ser que, face ao condicionalismo do caso, o tribunal entenda dever suspender a execução da pena, ou que o cumprimento da prisão seja ditado por exigências de prevenção geral.

2 - A duração e o montante da multa substitutiva serão determinados tendo em conta o disposto no artigo 67.º.

3 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença, salvo se se verificar o condicionalismo previsto no artigo 69.º caso em que este terá aplicação.

Secção II
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Artigo 53.º
(Pressupostos da suspensão)

1 - O tribunal suspenderá a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos, ainda que resultante de punição de concurso, se concluir que a simples ameaça da prisão constitui advertência suficiente para que o agente se abstenha de cometer outros crimes.

2 - A decisão de suspensão será ainda sempre fundamentada com elementos relativos à personalidade do agente, as circunstâncias em que se realizou o facto punível, a conduta anterior e posterior ao crime e as condições de vida do agente.

3 - A suspensão da execução da pena de prisão só poderá ser decidida em caso de primeira condenação do agente, ou, numa segunda vez, se o novo facto punível tiver sido praticado, transcorrido um prazo mínimo de seis anos a contar da data do trânsito em julgado da decisão que decretou a primeira suspensão.

4 - O período de suspensão é fixado pelo tribunal entre dois e cinco anos a contar do trânsito em julgado da decisão.

Artigo 54.º
(Suspensão condicionada a deveres)

1 - O tribunal poderá condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de certos deveres que facilitem ou reforcem a realização das finalidades da punição.

2 - Podem condicionar a suspensão, nomeadamente, os seguintes deveres:

    a) Reparação ou garantia de reparação, em prazo determinado, dos prejuízos causados pela prática do facto;

    b) Apresentação pública de desculpas ao lesado ou dar-lhe, por outra forma, satisfação moral adequada;

    c) Não frequentar certos meios ou lugares;

    d) Não se ausentar do local de residência sem a autorização do tribunal;

    e) Comparecer pessoal e periodicamente perante o tribunal ou outra entidade indicada pelo tribunal.

3 - O tribunal não poderá impor o cumprimento de deveres humilhantes ou que, de alguma forma, possam atingir a dignidade da pessoa do agente do crime.

4 - Os deveres impostos poderão ser modificados até ao termo do período da suspensão, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do interessado, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou que não tivessem sido consideradas na altura da decisão.

5 - O tribunal poderá ainda, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sujeição deste a tratamento médico ou a cura em estabelecimento adequado.

Artigo 55.º
(Incumprimento das condições de suspensão)

Se, durante o período da suspensão, o agente, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres impostos, ou cometer crime negligente ou crime doloso a que, concretamente, não corresponda aplicação de pena de prisão, o tribunal poderá, atentas as circunstâncias, modificar os deveres impostos, impor novos deveres, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão ou decidir que não se conte como prazo de cumprimento todo ou parte do tempo transcorrido até ao momento.

Artigo 56.º
(Revogação da suspensão)

1 - A suspensão da execução da prisão será revogada sempre que o agente violar grosseira ou repetidamente os deveres que condicionam a suspensão, ou, durante o período da suspensão, cometer crime doloso pelo qual venha a ser condenado em pena de prisão.

2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença e não concede ao condenado o direito de exigir a restituição de prestações efectuadas durante a suspensão e por causa dela.

3 - No caso de nova condenação, o juiz acumulará a primeira pena à seguinte, sem que, todavia, se confundem na execução, nem fiquem prejudicadas as regras previstas no presente código para a reincidência ou para o concurso de crimes.

Artigo 57.º
(Extinção da pena)

1 - A não revogação da suspensão implica a extinção da pena e dos seus efeitos.

2 - Se, findo o período de suspensão, se encontrar pendente processo por crime susceptível de determinar a suspensão ou incidente por violação de deveres que a condicionam, a pena e seus efeitos só serão declarados extintos quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação da suspensão ou à prorrogação do período de suspensão.

Secção III
LIBERDADE CONDICIONAL

Artigo 58.º
(Pressupostos)

1 - O tribunal colocará o condenado em pena de prisão não superior a seis anos em regime de liberdade condicional, desde que tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, seis meses, e se verifique ser fundadamente de esperar que o agente, tendo em conta nomeadamente o seu comportamento durante a execução da pena e a sua conduta anterior ao crime, uma vez em liberdade, não venha a cometer novos crimes.

2 - Tratando-se de condenação a pena de prisão superior a seis anos, a liberdade condicional, verificados os restantes requisitos previstos no número antecedente, só poderá ser concedida se o agente tiver cumprido pelo menos dois terços da pena a que foi condenado.

3 - Será colocado em liberdade condicional o agente condenado na pena referida no número anterior logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

4 - A liberdade condicional terá sempre uma duração igual ao tempo de prisão que faltar cumprir, mas nunca superior a cinco anos.

5 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado e, salvo no caso previsto no n.º 3, será sempre precedida de audição das autoridades penitenciárias.

Artigo 59.º
(Liberdade condicional para idosos e doentes graves)

O tribunal poderá sempre decidir colocar em regime de liberdade condicional os condenados que, na altura em que tiverem cumprido metade da pena, tenham já completado a idade de setenta anos, ou que estejam afectados por doença grave e incurável, devidamente comprovada por entidade médica.

Artigo 60.º
(Liberdade condicional em caso de execução de várias penas)

1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, o tribunal decidirá sobre a liberdade condicional nos termos dos números 1 e 2 do artigo 58.º, quando se mostrarem cumpridos, respectivamente, metade ou dois terços da soma das penas.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, se a soma das penas exceder seis anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, nos termos do n.º 3 do artigo 58.º, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

Artigo 61.º
(Liberdade condicionada a deveres)

É aplicável à liberdade condicional, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 54.º, à excepção das alíneas a) e b) do n.º 2, e 55.º.

Artigo 62.º
(Revogação da liberdade condicional e extinção da pena)

É aplicável à liberdade condicional, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 56.º e 57.º.

Artigo 63.º
(Relevância das medidas de graça)

As medidas de graça previstas neste Código relevam para a contagem do tempo de cumprimento da pena necessário para a concessão da liberdade condicional.

Secção IV
PRISÃO DE FIM-DE-SEMANA

Artigo 64.º
(Pressupostos de aplicação e limites)

1 - O tribunal, em caso de aplicação de pena de prisão não superior a cinco meses, que não deva ser substituída por multa, poderá determinar que a pena aplicada seja cumprida em períodos de fins-de-semana, sempre que entenda que uma tal forma de cumprimento realiza de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.

2 - A prisão de fim-de-semana terá uma duração mínima de dois períodos e uma duração máxima de vinte e quatro períodos.

3 - Cada período terá a duração mínima de trinta e seis horas e a duração máxima de quarenta e oito horas, mesmo quando seja utilizado para cumprimento da pena dia feriado que anteceda ou se siga imediatamente a um fim-de-semana.

Artigo 65.º
(Local de cumprimento da pena)

A prisão de fim-de-semana será cumprida no estabelecimento prisional mais próximo do domicílio do condenado, podendo inclusivamente ser utilizado para o efeito de cumprimento da pena qualquer estabelecimento ou centro policial ou outro, desde que haja concordância do condenado.

Artigo 66.º
(Revogação do regime)

Se o condenado incorrer em duas ausências não justificadas e aceites pelo tribunal, será revogado o regime de prisão de fim-de-semana, ficando o condenado sujeito a cumprir prisão contínua, descontando-se os períodos cumpridos à razão de dois dias de prisão por cada fim-de-semana.

Secção V
PENA DE MULTA

Artigo 67.º
(Limites e critérios)

1 - A pena de multa é fixada em dias, no mínimo de vinte dias e no máximo de quinhentos dias, de acordo com os critérios definidos no artigo 83.º

2 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre cem escudos e vinte mil escudos, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado.

Artigo 68.º
(Pagamento em prestações)

1 - Sempre que as circunstâncias do caso o justifiquem, nomeadamente a situação económica e financeira do condenado, o tribunal poderá autorizar o pagamento em prestações até ao limite de doze meses subsequentes à data do trânsito em julgado da decisão condenaria.

2 - A falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas.

Artigo 69.º
(Redução e isenção)

O tribunal poderá excepcionalmente reduzir, depois de proferida a sentença, a quantia correspondente a cada dia de multa, ou decretar a isenção da pena, quando comprovadamente houver uma significativa alteração da situação económica e financeira do condenado, de tal modo que seria impossível o cumprimento da sanção pecuniária imposta.

Artigo 70.º
(Conversão da multa)

1.Sempre que o agente tenha sido condenado em pena de multa, a sentença respectiva condenará em pena de prisão alternativa, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, a ser cumprida em caso de não pagamento, voluntário ou coercivo, da sanção pecuniária, sem prejuízo do disposto no artigo anterior.

2.Verificando-se a situação referida no número antecedente, não se aplica o limite mínimo de prisão definido no artigo 51.º.

Secção VI
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE

Artigo 71.º
(Substituição de penas de prisão e de multa por pena de prestação de serviços a favor da comunidade)

1 - Sempre que o agente tenha sido condenado em pena de prisão até um ano ou em pena de multa até 200 dias, a sentença respectiva poderá substituir essas penas por pena de prestação de serviços a favor da comunidade, quando o tribunal concluir que desse modo se possa realizar de forma adequada as finalidades da punição.

2. A pena de prestação de serviços a favor da comunidade só pode ser aplicada com a aceitação do condenado e não pode consistir em tarefas que atentem contra a sua dignidade.

3 - Os serviços referidos neste artigo serão prestados ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas nos termos e condições constantes da lei.

Secção VII
PENAS ACESSÓRIAS E EFEITOS DAS PENAS

Artigo 72.º
(Suspensão temporária do exercício de funções)

O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, definitivamente condenado em pena de prisão, incorre em suspensão da função enquanto durar o cumprimento da pena, com os efeitos decorrentes do que estiver estabelecido para a sanção disciplinar correspondente na respectiva legislação.

Artigo 73.º
(Proibição temporária do exercício de função)

1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da função para que foi eleito ou nomeado, for condenado em pena de prisão superior a três anos, poderá ser também proibido de exercer as suas funções por um período de dois a cinco anos, se ocorrer alguma das seguintes situações:

    a) O crime ter sido praticado com grave e flagrante abuso do cargo ou com grave violação dos deveres inerentes ao cargo que exerce;

    b) As circunstâncias do caso revelarem que o agente é manifestamente incapaz ou indigno de continuar a exercer as funções em que está investido;

    c) A natureza do facto praticado implicar irremediavelmente a perda de confiança exigida pela função ou actividade exercida.

2 - O tempo em que o agente estiver privado da liberdade em virtude de cumprimento de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança não conta para o prazo da proibição.

3 - O disposto neste artigo, nomeadamente no n.º 1, não impede que o condenado possa exercer cargo ou função outros que não aqueles para cujo exercício está proibido, desde que para os primeiros não valham as razões determinantes da proibição.

Artigo 74.º
(Extensão)

O regime constante dos artigos 72.º e 73.º é aplicável àqueles que exerçam actividade ou profissão dependente de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública.

Artigo 75.º
(Proibição de condução)

1 - Aquele que for condenado por crime cometido no exercício de condução de veículo motorizado, poderá igualmente ser condenado na proibição de conduzir veículo motorizado, por um período a fixar entre três meses e dois anos, se o crime tiver sido realizado com grave violação das regras de trânsito rodoviário.

2 - A proibição implica, para o titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou no serviço que for determinado pelo tribunal. Tratando-se de licença emitida em país estrangeiro, com valor internacional, a devolução é substituída por anotação correspondente.

3 - A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de qualquer categoria de veículos motorizados ou uma categoria determinada.

4 - Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o condenado estiver privado da liberdade por aplicação de medida de coacção processual ou de pena ou medida de segurança.

5 - A pena acessória prevista neste artigo deixa de ter aplicação, quando, pelo mesmo facto, couber a aplicação de medida de segurança de cassação da licença de condução.

Artigo 76.º
(Incapacidade para o exercício do direito de sufrágio activo)

1 - Quem for condenado a pena de prisão por crime previsto nos artigos 265.º, 267º a 272.º, 274.º a 278.º, por crime eleitoral ou ainda a pena de prisão superior a três anos por qualquer outro crime previsto nos Capítulos I e II do Título VII do Livro II deste código, tendo em conta a gravidade do facto, as circunstâncias que acompanharam a prática do crime, a sua conduta anterior e a projecção do facto na sua idoneidade cívica, poderá ainda ser condenado à pena de incapacidade para eleger o Presidente da República, os deputados à Assembleia Nacional e os membros dos órgãos das autarquias locais.

2 - A incapacidade referida no número anterior é decretada por um período entre dois e oito anos.

Artigo 77.º
(Incapacidade para ser eleito)

1 - Independentemente do que se achar estabelecido pela Constituição sobre a perda do mandato do Presidente da República e a incapacidade para ser reeleito, e sobre a perda de mandato dos deputados à Assembleia Nacional, poderão ainda verificar-se os seguintes efeitos e incapacidades:

    a) O condenado em pena efectiva de prisão não poderá, enquanto durar o cumprimento da pena, ser candidato aos cargos de Presidente da República, deputado à Assembleia Nacional ou de membro de órgão de autarquia local;

    b) O tribunal poderá, tendo em atenção os critérios estabelecidos no artigo 76.º, decretar, por um período de três a doze anos, a incapacidade para ser eleito Presidente da República àquele que for condenado em pena de prisão pelos crimes mencionados naquele artigo, ou, seja por que crime for, em pena de prisão superior a três anos;

    c) O tribunal poderá, tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 76.º, decretar, por um período de dois a dez anos, a incapacidade para ser eleito como deputado à Assembleia Nacional ou membro de órgão de autarquia local àquele que for condenado nos termos e nas condições previstos no artigo 76.º, ou, seja por que crime for, em pena de prisão superior a cinco anos.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 75.º .

Artigo 78.º
(Incapacidade para exercer poder paternal, tutela ou curatela)

1 - Quem for condenado por crime previsto nos artigos 142.º a 152.º poderá ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela, por um período entre um ano e cinco anos, tendo em conta a gravidade do facto e suas consequências, a conduta anterior e a personalidade do agente.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 75.º.

Secção VIII

PENAS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS COLECTIVAS

Artigo 79.º
(Multa)

1 - A pena de multa é susceptível de aplicação a qualquer tipo de crime praticado, nos termos do presente código, por pessoa colectiva, sociedade ou entidade equiparada.

2 - Os limites mínimo e máximo previstos nos números 1 e 2 do artigo 67.º serão elevados, respectivamente, para o dobro e o triplo, sempre que a multa se deva aplicar às entidades referidas no número anterior.

Artigo 80.º
(Dissolução)

1 - Será aplicada a pena de dissolução, se a pessoa colectiva ou entidade equiparada praticar crime a que corresponda, em abstracto, pena de prisão cujo limite máximo seja superior a oito anos, desde que, tendo em atenção a concreta gravidade do facto, as suas consequências e a conduta anterior do agente, a pena de multa, bem que associada a penas acessórias, se mostrar inadequada ou insuficiente para os fins de prevenção.

2 - A dissolução importa a cessação de todas as actividades, o cancelamento de alvará, o arrolamento dos bens que sejam propriedade da condenada e a liquidação a cargo de pessoa idónea nomeada pelo tribunal.

Artigo 81.º
(Penas acessórias)

Em caso de condenação por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, poderá o tribunal decretar acessoriamente à pena de multa uma ou mais das seguintes sanções, se tais medidas se revelarem necessárias para prevenir a prática de futuros crimes:

a) Encerramento do estabelecimento ou instalações ou cancelamento de licenças e alvarás por um período entre seis meses e dois anos;

b) Privação do direito a subsídios ou benefícios outorgados por entidades ou serviços públicos pelo período referido na alínea anterior;

c) Privação do direito de participar em arrematações e concursos promovidos por entidades ou serviços públicos ou do direito de participar em feiras, mercados e competições desportivas, pelo período referido na alínea a).

Secção IX
DA DETERMINAÇÃO E APLICAÇÃO DAS PENAS

Artigo 82º
(Escolha da pena)

Sempre que ao facto punível forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda, salvo se esta não satisfizer as exigências de reprovação e prevenção ou se mostrar inadequada ou insuficiente para a reintegração do agente na vida social.

Artigo 83.º
(Critérios de determinação da medida da pena)

1 - Na determinação da medida concreta da pena entre o máximo e o mínimo legais ter-se-á em conta, em primeiro lugar, o disposto no n.º 3 do artigo 45.º.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, serão considerados na fixação da medida concreta da pena os seus esperados efeitos no que respeita à reintegração social do agente e valoradas todas as circunstâncias que militarem a favor do agente ou contra ele, na medida em que não foram já valoradas no tipo de crime, nomeadamente:

    a) Os objectivos perseguidos pelo agente e os motivos que o levaram à prática do facto;

    b) Os sentimentos manifestados através da realização do facto;

    c) O grau de ilicitude do facto, incluindo o modo de execução deste;

    d) A natureza e a extensão das consequências do facto, nomeadamente em relação à vítima.

    e) A intensidade, consoante os casos, do dolo ou da negligência;

    f) As condições pessoais e a situação económica do agente;

    g) A conduta anterior e posterior à prática do facto.

3 - Na sentença serão expressamente referidos os fundamentos da medida concreta da pena.

Artigo 84.º
(Atenuação livre da pena)

1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, poderá o tribunal atenuar livremente a pena a aplicar ao agente, quando existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que, sem excluírem a ilicitude ou a culpa, a diminuam por forma acentuada.

2 - Para os efeitos do número anterior, serão consideradas, entre outras, as seguintes circunstâncias:

    a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave, sob forte ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência ou por motivos ou sob estímulos tão poderosos que hajam produzido no agente uma situação de diminuída capacidade de motivação pela norma;

    b) Ter o agente praticado o facto em situação de imputabilidade sensivelmente diminuída, nomeadamente de intoxicação alcoólica ou de outra índole não pré-ordenada;

    c) Ter o agente menos de dezoito anos ao tempo da prática do facto; d) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por compaixão, por forte solicitação, provocação ou tentação da vítima, ou por emoção violenta que se tenha seguido a injusta provocação da vítima;

3 - Salvo disposição expressa em contrário, a atenuação livre da pena nunca poderá importar a aplicação de pena inferior a um terço do limite mínimo da pena ou inferior ao mínimo legal.

Artigo 85.º
(Isenção da pena)

Em caso de verificação simultânea de uma das circunstâncias previstas no artigo anterior e de outra que, nos termos deste código, também dê ou possa dar lugar à atenuação livre da pena, em atenção ao condicionalismo do caso concreto, nomeadamente à forma de aparecimento do facto punível e à sua gravidade, poderá o tribunal isentar o agente da pena.

Artigo 86.º
(Circunstâncias agravantes modificativas)

1 - Quando uma circunstância qualifique a maior ou menor gravidade do crime, determinando, por efeito da lei, um aumento dos limites mínimo e/ou máximo da pena aplicável, é em relação à pena fixada em razão da qualificação que se estabelece a agravação ou atenuação resultante do concurso de outras circunstâncias.

2 - Havendo concurso de circunstâncias agravantes modificativas, sejam elas comuns ou especiais, só terá lugar a agravação resultante da circunstância modificativa que, em concreto, se revelar mais forte, apreciando-se as demais circunstâncias dessa espécie como se fossem gerais.

3 - O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das regras contidas nos artigos 30.º a 32.º.

4 - As disposições sobre a especial tendência criminosa, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência.

Artigo 87.º
(Reincidência)

1 - Quem, em consequência da prática de um crime doloso, tiver sido condenado a pena de prisão efectiva superior a um ano e posteriormente praticar outro crime doloso a que, concretamente, caiba a aplicação de pena de prisão efectiva superior a um ano, será declarado reincidente se as circunstâncias do caso revelarem que a condenação anterior não constituiu suficiente prevenção contra o crime.

2 - O facto punível anterior não conta para a reincidência, se, entre a sua realização e a do facto posterior, mediar um período de tempo superior a cinco anos, não sendo considerado para este efeito o tempo durante o qual o agente esteve privado da liberdade em virtude de cumprimento de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

3 - Contam para a reincidência as condenações proferidas por tribunais estrangeiros, desde que o facto constitua também crime de acordo com a lei cabo-verdiana.

4 - A prescrição da pena e as medidas de graça previstas neste código têm relevância para efeitos da reincidência.

Artigo 88.º
(Punição da reincidência)

Em caso de reincidência o limite mínimo da pena é elevado de um terço ou de metade, consoante tenha havido uma ou mais condenações anteriores.

CAPITULO III
MEDIDAS DE SEGURANÇA

Artigo 89.º
(Execução de pena e medida de segurança)

1 - Em caso de aplicação, ao mesmo agente, de pena e medida de segurança privativas da liberdade, por factos distintos, é executada a medida de segurança antes da pena de prisão e nesta descontada.

2 - Devendo cessar a aplicação da medida de segurança nos termos previstos neste capítulo, o tribunal colocará o agente em liberdade condicional, desde que se encontrar cumprido o tempo correspondente a metade da pena ou dois terços da pena, consoante se mostrem ou não preenchidos os requisitos estabelecidos no n 1.º do artigo 58.º.

3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, são correspondentemente aplicáveis as disposições deste código relativas à liberdade condicional.

4 - Se a liberdade condicional for revogada nos termos do artigo 62.º, o tribunal decidirá se o agente deverá cumprir o resto da pena ou continuar o cumprimento da medida de segurança pelo mesmo tempo.

Artigo 90.º
(Substituição das medidas)

1 - O tribunal poderá sempre, mediante procedimento contraditório, a requerimento do interessado, seu mandatário ou de entidade responsável pela execução da medida de segurança, substituir, em decisão fundamentada, uma medida de segurança por outra que repute mais adequada à realização das finalidades das medidas de segurança.

2 - O tribunal poderá igualmente proceder à substituição por iniciativa própria, em caso de violação das medidas impostas ao agente, desde que respeitados os pressupostos legais da medida substitutiva.

Artigo 91.º
(Medida de segurança de internamento)

1 - Quando um facto descrito num tipo legal de crime for praticado por um inimputável, o tribunal poderá mandar interná-lo em estabelecimento adequado de cura, tratamento ou segurança, sempre que, em virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie ou de idêntica gravidade.

2 - O internamento não poderá exceder o tempo correspondente ao limite máximo da pena aplicável.

3 - O internamento cessará logo que comprovadamente cessar o estado de perigosidade que originou a aplicação da medida, podendo o tribunal, caso o entenda adequado e necessário, submeter o agente a uma ou algumas das medidas previstas nos artigos 93.º, 94.º, 95.º e 96.º.

Artigo 92.º
(Revisão da situação do internado)

1 - A revisão da situação do internado poderá ser suscitada a todo o tempo por iniciativa do agente, seu mandatário ou familiar, ou da entidade responsável pelo estabelecimento onde se processa o internamento, devendo o tribunal apreciar e decidir a todo o tempo o pedido.

2 - A apreciação é obrigatória, independentemente de requerimento, decorridos dois anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido.

Artigo 93.º
(Obrigações e proibições)

1 - O tribunal poderá aplicar ao inimputável que praticar um facto descrito como tipo legal de crime, para além das medidas constantes nos artigos 94.º, 95.º e 96.º, uma ou algumas das medidas seguintes, quando se não mostrar necessário proceder ao internamento do agente, ou quando o internamento deixar de se justificar nos termos do n.º 3 do artigo 91.º e do artigo 92.º:

    a) Submissão a tratamento externo em centro médico ou unidade hospitalar;

    b) Obrigação ou proibição de residir em lugar determinado;

    c) Proibição de frequentar determinados lugares.

2 - As medidas previstas neste artigo terão a duração máxima de três anos, aplicando-se, com as devidas adaptações o disposto no n.º 3 do artigo 91.º e no n.º 1 do artigo 92.º.

Artigo 94.º
(Cassação da licença de porte de arma)

1 - Em caso de condenação por crime praticado com utilização de arma, o tribunal poderá decretar a cassação da licença de porte de arma, quando, em atenção à gravidade do facto, a conduta anterior e a personalidade do agente, houver receio fundado de que possa o agente vir a praticar factos da mesma espécie.

2 - A medida referida no número anterior terá a duração mínima de dois anos e máxima de dez anos.

3 - A presente medida poderá ser cumulada com a de internamento.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto no número 4 do artigo 75.º.

Artigo 95.º
(Cassação de licença de condução de veículo motorizado)

1 - Em caso de condenação por crime praticado no exercício da condução de veículo motorizado ou com ela ligada de forma relevante, o tribunal poderá decretar a cassação da licença de condução, quando, tendo em consideração a gravidade do facto, a conduta e a personalidade do agente, houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie ou elementos suficientes que apontam para a inaptidão do agente para a condução de veículo motorizado.

2 - A cassação da licença importa a interdição de concessão de nova licença, interdição que será a medida a decretar em caso de o agente não ser titular de licença.

3 - A presente medida terá uma duração de um a seis anos.

4 - A presente medida pode ser cumulada com a de internamento.

5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 75.º.

Artigo 96.º
(Interdição de actividades)

1 - Em caso de condenação por crime cometido com grave abuso no exercício de direito, profissão, ofício, comércio, indústria ou serviço, ou com grosseira violação dos deveres inerentes, poderá o agente ser interdito do exercício da sua actividade, quando, tendo em conta a gravidade do facto, as suas consequências, a conduta anterior e a personalidade do agente, houver fundado receio de que venha a praticar factos da mesma espécie.

2 - A presente medida terá a duração de um a cinco anos.

3 - A presente medida é cumulável com a de internamento.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto no número 4 do artigo 75.º

Artigo 97.º
(Revisão da situação do condenado)

1 - A requerimento do interessado ou seu mandatário, ou ainda dos familiares do agente, sendo este inimputável, o tribunal decidirá se se mantêm ou não os pressupostos de aplicação das medidas previstas nos artigos 94.º a 96.º.

2 - O pedido de revisão só pode ser interposto decorrido o prazo correspondente ao limite mínimo de aplicação das medidas.

3 - Em caso de indeferimento, não pode ser apresentado novo requerimento antes de decorrido um ano.

CAPITULO IV
OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO FACTO PUNÍVEL

Artigo 98.º
(Destino dos objectos do crime)

1 - Os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um facto descrito na lei como crime, ou que por este tenham sido produzidos ou sejam seu efeito, terão o seguinte destino:

    a) Tratando-se de objectos de comércio legal e que, pela sua natureza, não ponham em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou não ofereçam sério risco de ser utilizados para a prática de novos factos descritos como crime, serão restituídos aos seus proprietários;

    b) Verificando-se os pressupostos referidos na alínea anterior, e não sendo possível ao agente cobrir, no todo ou em parte, as suas responsabilidades, seja face ao lesado, seja face ao Estado, os objectos ou parte deles serão atribuídos ao lesado ou serão vendidos, sendo o produto da venda destinado a cobrir aquelas responsabilidades, revertendo o excedente para o Estado;

    c) Não se verificando os pressupostos referidos na alínea a),os objectos terão o destino que lhes for dado pelas normas legais ou regulamentares aplicáveis, ou, na sua ausência, serão destruídos ou inutilizados.

2 - O disposto nas alíneas b) e c) do número anterior não terá aplicação relativamente a objectos pertencentes, até à data da realização do facto, a terceiro que não tenha concorrido, de forma censurável, para o cometimento nem tenha obtido vantagem ou benefício da prática do facto.

3 - Quando os objectos tenham um valor claramente desproporcionado relativamente à natureza ou à gravidade da infracção e suas consequências, não terá aplicação o disposto na alínea b) do número 1 deste artigo.

Artigo 99.º
(Destino de outros direitos e vantagens)

Sem prejuízo dos direitos e interesses do ofendido ou de terceiro de boa fé, o disposto no artigo anterior aplica-se, com as devidas adaptações, relativamente a recompensas dadas, ou a vantagens, direitos e coisas obtidos ou transferidos para o agente ou para outrem, através da prática do facto, sempre que representem um valor patrimonial.

Artigo 100.º
(Indemnização de perdas e danos)

1 - Sem prejuízo das regras substantivas e processuais sobre a responsabilidade e intervenção de outras pessoas, quem praticar um facto punível será civilmente responsável pelas perdas e danos dele emergentes.

2 - A indemnização das perdas e danos emergentes da prática de um facto punível é regulada pela lei civil, nomeadamente no que respeita à definição dos seus pressupostos e cálculo do seu montante.

Artigo 101.º
(Privilégio do crédito do lesado)

O crédito decorrente do direito do lesado à indemnização por perdas e danos emergentes do facto punível beneficia de preferência relativamente a qualquer outro crédito surgido após o cometimento do facto, incluindo a multa e as custas processuais.

TITULO IV
EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL E DOS SEUS EFEITOS

CAPÍTULO I
CAUSAS DE EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL

Artigo 102.º
(Enumeração)

Para além dos casos especialmente previstos na lei, a responsabilidade criminal extingue-se com:

    a) A morte do agente;

    b) O cumprimento da condenação;

    c) A amnistia, o perdão genérico e o indulto;

    d) A caducidade, a renúncia ou a desistência da queixa;

    e) A prescrição do procedimento criminal;

    f) A prescrição das penas e medidas de segurança.

Artigo 103.º
(Morte do agente)

A morte do agente impede o início ou faz extinguir o procedimento criminal, e, tendo havido condenação, faz extinguir a pena ou medida de segurança que tenha sido aplicada.

Artigo 104.º
(Medidas de graça)

1 - A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.

2 - O perdão genérico extingue, total ou parcialmente, a pena.

3 - O indulto é concreto e individual, fazendo extinguir, total ou parcialmente, a pena, ou substitui-la por outra mais favorável prevista na lei.

4 - O disposto nos artigos anteriores não prejudica os efeitos civis da condenação.

Artigo 105.º
(Caducidade do direito de queixa)

1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto punível, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.

2 - Sendo vários os titulares do direito de queixa, o prazo conta-se separadamente para cada um deles.

3 - O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no facto punível aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser criminalmente perseguidos sem queixa.

Artigo 106.º
(Renúncia e desistência da queixa)

1 - O direito de queixa não pode ser exercido se o titular a ele tiver, expressa ou tacitamente, renunciado.

2 - O titular do direito de queixa pode dela desistir, desde que não haja oposição do arguido, até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância.

3 - A desistência, feita nos termos do número anterior, impede que a queixa seja renovada.

4 - A desistência da queixa relativamente a um dos comparticipantes aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser criminalmente perseguidos sem queixa.

Artigo 107.º
(Acusação particular)

É correspondentemente aplicável aos casos em que a prossecução do processo criminal depender de acusação particular o disposto nos artigos 105.º e 106.º.

Artigo 108.º
(Prazos de prescrição)

1 - Extingue-se o procedimento criminal, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do facto punível tiverem decorrido os seguintes prazos:

    a) 15 anos, quando se tratar de infracção punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 10 anos;

    b) 10 anos, quando se tratar de infracção punível com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a seis anos, mas que não exceda 10 anos;

    c) 5 anos, quando se tratar de infracção punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 1 ano mas inferior a seis anos;

    d) 2 anos, nos restantes casos.

2 - Para o efeito de determinação do máximo legal da pena, a que se refere o número anterior, não contam as agravantes ou as atenuantes que, dentro do mesmo tipo, modifiquem os seus limites.

3 - Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeitos deste artigo.

4 - Aplica-se o prazo máximo de prescrição aos factos previstos nos artigos 363.º a 370.º

Artigo 109.º
(Contagem do prazo)

1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal começa a correr a partir da meia-noite do dia em que o facto foi consumado, ou em que cessou a consumação, tratando-se de crime permanente.

2 - Nos crimes continuado e habitual, o prazo corre desde o dia da prática do último acto, o mesmo valendo para o acto preparatório excepcionalmente punível enquanto tal.

3 - Nos crimes tentados, o prazo corre desde o dia da prática do último acto de execução.

4 - Quando for relevante para a valoração da ilicitude do facto a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição corre a partir do dia em que se verificar aquele resultado.

Artigo 110.º
(Suspensão da prescrição)

1 - A prescrição do procedimento criminal deixa de correr, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de decisão a proferir por tribunal não penal sobre questões prévias ou prejudiciais, enquanto o agente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade, ou durante a pendência de processo após a marcação do dia de julgamento em processo de ausentes.

2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

Artigo 111.º
(Interrupção da prescrição)

1 - Interrompe-se a prescrição do procedimento criminal, começando a correr novo prazo prescricional, com a notificação do despacho de pronúncia ou despacho materialmente equivalente ou quando o agente cometer outro facto punível.

2 - Verificando-se a situação prevista na parte final do número antecedente, começa a correr o prazo prescricional referente ao facto punível mais grave.

Artigo 112.º
(Limite)

A prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.

Artigo 113.º
(Prazos de prescrição das penas)

1 - As penas prescrevem nos seguintes prazos:

    a) 20 anos, se forem superiores a 10 anos;

    b) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 6 anos;

    c) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 3 anos;

    d) 5 anos, se forem iguais ou superiores a 1 ano;

    e) 3 anos, nos casos restantes.

2 - A prescrição da pena principal envolve a da pena acessória que não tiver sido executada bem como a dos efeitos da pena que ainda não se tiverem verificado.

3 - Aplica-se o prazo máximo de prescrição aos factos previstos nos artigos 363.º a 370.º

Artigo 114.º
(Prazos de prescrição das medidas de segurança)

1 - A medida de segurança de internamento prescreve no prazo de 15 anos.

2 - As medidas de cassação de licença de arma e de interdição de actividades prescrevem no prazo de 10 anos.

3 - A medida de cassação de licença de condução prescreve no prazo de 5 anos.

4 - As restantes medidas prescrevem no prazo de 3 anos.

Artigo 115.º
(Contagem dos prazos)

1 - O prazo de prescrição das penas e medidas de segurança conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão que as aplicar.

2 - Em caso de cumprimento de medida de segurança que tenha que se seguir a cumprimento de uma pena, o prazo de prescrição da medida conta- se a partir da extinção da pena.

Artigo 116.º
(Suspensão da prescrição)

1 - A prescrição das penas e medidas de segurança deixa de correr, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

    a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar;

    b) Estiver evadido o agente de estabelecimento prisional ou de internamento;

    c) O agente estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade;

    d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2 - É aplicável à suspensão da prescrição das penas e medidas de segurança o disposto no n.º 2 do artigo 111.º .

Artigo 117.º
(Interrupção da prescrição)

1 - Interrompe-se a prescrição das penas e medidas de segurança com a sua execução, passando a correr novo prazo.

2 - É correspondentemente aplicável à prescrição das penas e medidas de segurança o disposto no artigo 113.º.

Artigo 118.º
(Casos de comparticipação)

Os prazos de prescrição correm, suspendem-se e interrompem-se separadamente para cada um dos comparticipantes do facto punível.

CAPÍTULO II
REABILITAÇÃO

Artigo 119.º
(Reabilitação de direito)

1 - Será reabilitado o condenado que, extinta a pena ou a medida de segurança, não cometer outro facto punível decorridos os prazos seguintes, contados do dia seguinte ao da extinção da sanção:

    a) 12 anos, se se tratar de pena de prisão superior a 12 anos;

    b) 10 anos, se se tratar de pena de prisão igual ou superior a 6 anos;

    c) 7 anos, se se tratar de pena de prisão igual ou superior a 2 anos ou de medida de segurança de internamento;

    d) 5 anos, se se tratar de pena de prisão inferior a 2 anos ou das medidas de cassação de licença de arma e de licença de condução;

    e) 2 anos, nos restantes casos.

2 - A reabilitação de direito é sempre plena e definitiva, sem prejuízo do disposto em legislação especial sobre os seus efeitos.

Artigo 120.º
(Reabilitação judicial)

1 - Extinta a pena ou a medida de segurança, pode o condenado requerer a reabilitação, junto do competente tribunal encarregado da execução da pena ou medida de segurança, desde que se verifiquem ainda os seguintes requisitos:

    a) Conduta que demonstre ressocialização do agente;

    b) Tenha o agente cumprido a obrigação de indemnização do ofendido ou se mostre, de qualquer modo, extinta tal obrigação ou impossível o seu cumprimento;

    c) Tenha decorrido, a partir do dia da extinção da pena ou medida, sem que tenha cometido outro facto punível, um período de tempo correspondente, consoante as circunstâncias, a um terço do previsto nas diferentes alíneas do n 1 do artigo anterior.

2 - Tratando-se de reincidentes, o período de tempo referido na alínea c) do n.º 1 será de metade do previsto nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo anterior.

3 - Negada a reabilitação por falta de verificação do requisito mencionado na alínea a) do n.º 1, só pode ser de novo requerida, decorridos os prazos mencionados nos números antecedentes.

4 - A reabilitação judicial pode ser plena ou limitada a algum ou alguns dos efeitos da condenação e torna-se definitiva, se o agente não cometer outro facto punível dentro de um prazo de tempo correspondente a metade daquele exigido para requerer a reabilitação provisória, contado da data da concessão desta.

Artigo 121.º
(Regime e efeitos)

1 - A reabilitação não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe resultaram da condenação, não prejudica os direitos que desta advieram para o ofendido ou para terceiros, nem sana, de per si, a nulidade dos actos praticados pelo condenado durante a sua incapacidade.

2 - Lei especial regulará outros aspectos do regime e efeitos da reabilitação.

LIVRO II
PARTE ESPECIAL

TITULO I
CRIMES CONTRA AS PESSOAS

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A VIDA

SECÇÃO I
HOMICÍDIO

Artigo 122º
(Homicídio simples)

Quem matar outra pessoa será punido com pena de prisão de 10 a 16 anos.

Artigo 123.º
(Agravação em razão dos meios ou dos motivos)

Se o homicídio for cometido

    a) Com emprego de veneno, tortura, asfixia, fogo, explosivo ou de outro meio insidioso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum, ou, ainda, com outro acto de crueldade para fazer aumentar o sofrimento da vítima;

    b) À traição, ou mediante dissimulação ou outro meio ou recurso que torne difícil ou impossível a defesa por parte da vítima;

    c) Por avidez, pelo prazer de matar, para excitação ou para satisfação do instinto sexual, mediante paga ou recompensa ou sua promessa, ou por qualquer outro motivo fútil ou torpe;

    d) Com a finalidade de preparar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;

    e) Por ódio racial, religioso ou político; a pena será de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 124.º
(Agravação em razão da qualidade da vítima)

A pena será de prisão de 15 a 25 anos, quando as circunstancias do caso revelarem um acentuado grau de ilicitude do facto ou da culpa do agente e a vítima for:

    a) Descendente ou ascendente do agente;

    b) Menor de catorze anos ou pessoa particularmente vulnerável em razão da idade, doença ou deficiência física ou psíquica;

    c) Membro de órgão de soberania e de órgãos políticos consti- tucionais, membro de órgão das autarquias locais, magistra- do, advogado, oficial de justiça, funcionário ou qualquer pessoa encarregada de um serviço público, desde que seja no exercí- cio ou por causa do exercício das suas funções;

    d) Testemunha, declarante, perito, assistente ou ofendida e o crime for cometido com a finalidade de impedir o depoimento, a denúncia dos factos ou a apresentação de queixa ou por causa da sua intervenção no processo;

Artigo 125.º
(Homicídio a pedido da vítima)

Quem matar outra pessoa determinado por pedido expresso, sério e instante que ela lhe tenha feito será punido com a pena de prisão de 6 meses a 4 anos.

Artigo 126.º
(Homicídio negligente)

1 - Quem, por negligência, matar outra pessoa será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias.

2 - Se a morte for causada por negligência grosseira, a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

SECÇÃO II
SUICÍDIO

Artigo 127.º
(Instigação ou auxílio ao suicídio)

1 - Quem dolosamente determinar outra pessoa a suicidar-se será punido com pena de prisão até 3 anos, se o suicídio for tentado ou consumar-se.

2 - A pena será de prisão até 2 anos, em caso de mera ajuda à vítima, desde que se verifique efectivamente tentativa ou consumação do suicídio.

3 - As penas referidas nos números antecedentes serão agravadas de metade nos limites mínimo e máximo, se a vítima, em razão da idade, anomalia psíquica ou qualquer outro motivo, tiver a sua capacidade de valoração ou determinação sensivelmente diminuída.

CAPITULO III
CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA

Artigo 128.º
(Ofensa simples à integridade)

Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 129.º
(Ofensa qualificada à integridade)

1 - Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, de forma a provocar uma sua desfiguração grave e permanente, uma debilitação permanente da saúde física ou psíquica, de um dos sentidos, de um membro ou uma permanente afectação das capacidades intelectuais, de procriação ou de utilização da linguagem, ou, ainda, a incapacidade para o trabalho por mais de dois meses, doença particularmente dolorosa ou perigo de vida, será punido com a pena de prisão de 3 a 8 anos.

2 - A pena será de prisão de 4 a 10 anos, se a ofensa provocar doença incurável, física ou psíquica, a inutilização definitiva para o trabalho, a perda de um dos sentidos, de um órgão ou membro, ou da capacidade de procriação ou de utilização da linguagem.

Artigo 130.º
(Agravação)

A pena referida nos dois artigos anteriores será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, caso se verifique qualquer das circunstâncias descritas nos artigos 123.ºe 124.º, desde que, no segundo caso, se verifique igualmente o condicionalismo mencionado na parte final do artigo.

Artigo 131.º
(Ofensa à integridade por negligência)

1 - Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa será punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 100 dias.

2 - Se do facto resultar ofensa à integridade grave, o agente será punido com a pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

3 - O tribunal poderá dispensar o agente da pena, quando da ofensa não resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 3 dias.

Artigo 132.º
(Abuso de armas)

1 - Quem disparar arma de fogo contra outra pessoa será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos, ainda que não tenha causado qualquer lesão, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - A pena será de prisão até 1 ano, se a agressão for levada a cabo com outro tipo de arma.

Artigo 133.º
(Maus tratos a menor ou incapaz)

Quem tiver à sua guarda ou cuidado, ou sob a responsabilidade de sua educação, ou, ainda, como subordinado no trabalho, menor ou pessoa incapaz ou particularmente vulnerável em razão da idade, doença, deficiência física ou psíquica, e lhe provocar habitualmente ofensas ao corpo ou na saúde, ou lhe infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, ou tratamentos cruéis, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave não couber em virtude de outra disposição legal.

Artigo 134.º
(Maus tratos a cônjuge)

Quem infligir a seu cônjuge ou a pessoa com quem está unido de facto maus-tratos físicos ou psíquicos ou tratamentos cruéis será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

Artigo 135.º
(Rixa)

1 - Quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas, donde resulte morte ou ofensa à integridade grave, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A participação em rixa não será punível quando for determinada por motivo não censurável, nomeadamente quando visar reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores.

CAPITULO IV
CRIMES CONTRA A LIBERDADE DAS PESSOAS

SECÇÃO I
AMEAÇA, COACÇÃO E SEQUESTRO

Artigo 136.º
(Ameaça)

1 - Quem ameaçar outra pessoa, de forma verbal, escrita, por imagem ou por qualquer outro meio ou forma, com a prática de um crime contra as pessoas ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação será punido com a pena de 6 a 18 meses de prisão ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A ameaça de morte será punida com pena de prisão de 6 meses a 3 anos.

Artigo 137. º
(Coacção)

1 - Quem, por meio de violência, ameaça com mal importante ou revelação de um facto atentatório da honra e consideração, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - A pena será de prisão de 2 a 5 anos, quando a coacção for realizada mediante a ameaça de um crime ou por funcionário com grave abuso das suas funções e de autoridade ou se a vítima tentar o suicídio ou suicidar-se.

Artigo 138.º
(Sequestro)

1 - Quem, ilegitimamente, prender, detiver, mantiver presa ou detida uma pessoa ou de qualquer forma a privar de liberdade será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos.

2 - Se o facto descrito no nº1 for cometido por meio de violência ou ameaça, com a intenção de:

    a) Favorecer a fuga ou assegurar a impunidade do autor ou do cúmplice de um crime, obter a execução de uma ordem ou de uma condição;

    b) Obter resgate ou recompensa;

    c) Constranger um Estado, uma organização internacional, uma pessoa colectiva ou singular ou a autoridade pública a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade; a pena será de prisão de 3 a 8 anos.

3 - As penas referidas nos números antecedentes serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, quando a privação da liberdade:

    a) Provocar ofensa grave à integridade, doença permanente ou suicídio da vítima, como consequência do facto, das condições da detenção ou da privação de cuidados por parte do agente;

    b) Durar por mais de 5 dias;

    c) For precedida ou acompanhada de tortura ou outro tratamento, cruel, degradante ou desumano;

    d) For praticada contra as pessoas referidas nas alíneas b) e c) do artigo 124.º;

    e) For praticada simulando o agente a qualidade de autoridade pública, ou com abuso grosseiro dos poderes inerentes ao exercício de funções públicas;

    f) For praticado por um bando organizado.

Artigo 139.º
(Atenuação livre da pena)

Sem prejuízo do disposto no artigo 24.º, o tribunal poderá atenuar livremente a pena, se o agente do facto punível como sequestro renunciar à sua pretensão e libertar a vítima ou a colocar em lugar seguro, ou se esforçar seriamente por consegui-lo, sem ter praticado qualquer outro crime.

SECÇÃO II
INTERVENÇÕES MÉDICAS SEM CONSENTIMENTO DO PACIENTE

Artigo 140.º
(Intervenções médico-cirúrgicas sem consentimento)

1 - Quem, sendo médico ou pessoa legalmente autorizada para o efeito, realizar intervenção ou tratamento médico sem consentimento eficaz do paciente, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - O facto não será punível, quando o consentimento não puder ser obtido ou renovado a tempo de se efectuar, com probabilidade de eficácia, intervenção ou tratamento necessários para evitar perigo para a vida ou perigo grave para a saúde do paciente.

3 - Para efeitos do presente artigo, o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente elucidado a respeito do diagnóstico, da natureza, alcance e consequências possíveis da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas, poriam seriamente em perigo a vida ou a saúde do paciente.

CAPITULO V
CRIMES SEXUAIS

Artigo 141.º
(Definições)

Para efeitos do disposto no presente capítulo, entende-se por:

    a) Acto sexual todo o acto praticado para a libertação ou a satisfação do instinto sexual;

    b) Agressão sexual todo o acto sexual realizado por meio de violência, coacção, ameaça, fraude, colocação deliberada da vítima em situação de inconsciência ou impossibilidade de resistir ou de aproveitamento dessa mesma situação;

    c) Penetração sexual a cópula, o coito anal, o coito oral, a penetração vaginal ou anal, com os dedos ou objectos pré-destinados à prática de actos sexuais ou utilizados em circunstâncias de envolvimento sexual, e o beijo lingual.

Artigo 142.º
(Agressão sexual)

1 - Quem praticar agressão sexual contra outra pessoa será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - A mesma pena será aplicável a quem, pelos meios de agressão sexual, levar outra pessoa a sofrer ou praticar acto sexual com terceiro.

3 - Se a vítima for menor de 14 anos, a pena será de prisão de 4 a 10 anos.

Artigo 143.º
(Agressão sexual com penetração)

1 - Quem, pelos meios de agressão sexual, efectuar penetração sexual noutra pessoa, ou, ainda, pelos mesmos meios, a constranger a sofrer penetração por terceiro, será punido com pena de prisão de 4 a 10 anos.

2 - Se a vítima for menor de 14 anos, a pena será de prisão de 6 a 14 anos.

Artigo 144.º
(Abuso sexual de crianças)

1 - Quem praticar acto sexual com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - Se houver penetração sexual, a pena será de prisão de 4 a 10 anos.

Artigo 145.º
(Abuso sexual de menores entre os 14 e 16 anos)

1 - Quem, sendo maior, praticar acto sexual com ou em menor com mais de 14 anos e menos de 16 anos, prevalecendo-se de sua superioridade, originada por qualquer relação ou situação, ou do facto de a vítima lhe estar confiada para educação ou assistência, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos.

2 - Se houver penetração sexual, a pena será de prisão de 1 a 6 anos.

Artigo 146.º
(Abuso sexual de pessoa internada)

1 - Quem, aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em estabelecimentos prisionais, hospitalares, de saúde, de assistência e de tratamento ou estabelecimentos de educação e correcção, praticar acto sexual com pessoa internada ou que, de qualquer modo, lhe esteja confiada ou a seu cuidado, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos.

2 - Se houver penetração sexual, a pena será de prisão de 1 a 6 anos.

Artigo 147.º
(Exibicionismo)

1 - Quem praticar perante outra pessoa, contra a vontade desta, acto sexual de carácter exibicionista, será punido com a pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

2 - O agente será punido com a pena de prisão até 3 anos, se praticar os actos referidos no nº1 perante menor de 14 anos.

Artigo 148.º
(Lenocínio)

1 - Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição ou a prática de actos sexuais de menores de 14 anos ou de pessoas sofrendo de incapacidade psíquica, será punido com pena de prisão 2 a 8 anos.

2 - Se a vítima for menor de 16 anos, a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

3 - A pena referida no número anterior será também aplicável se a vítima for pessoa em situação de necessidade económica extrema e o agente se tiver aproveitado dessa situação.

Artigo 149.º
(Aliciamento de menor para pratica de acto sexual no estrangeiro)

Quem aliciar, transportar, alojar ou acolher menor de 16 anos, ou favorecer as condições para a prática por este, em país estrangeiro, de actos sexuais ou de prostituição, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Artigo 150.º
(Exploração de menor para fins pornográficos)

Quem utilizar menor de 14 anos ou pessoa incapaz com fins ou em espectáculos exibicionistas ou pornográficos será punido com pena de prisão até 3 anos.

Artigo 151.º
(Agravação)

1 - As penas previstas nos artigos 142º a 150.º serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for ascendente ou descendente, ou se encontrar sob tutela do agente, desde que as circunstancias do caso revelem um acentuado grau de ilicitude do facto ou da culpa do agente.

2 - As penas previstas nos artigos 142.º, 143.º, 144.º, 145.º, 146.º, 148.º n.º1 e 150.ºserão agravadas de um terço no limite mínimo e de metade no limite máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade grave, transmissão de doença grave e incurável, suicídio ou morte da vítima.

Artigo 152.º
(Assédio sexual)

Quem, abusando da autoridade que lhe conferem as suas funções, assediar sexualmente outra pessoa por ordens, ameaças ou coacção, com a finalidade de obter favores ou benefícios de natureza sexual, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

CAPITULO VI
COLOCAÇÃO DE PESSOAS EM PERIGO

SECÇÃO I
RISCOS A PESSOA

Artigo 153.º
(Exposição de pessoa a perigo)

Quem colocar ou expuser outra pessoa a perigo imediato de vida ou de grave ofensa à sua integridade, através de utilização de meios particularmente perigosos ou insidiosos, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 154.º
(Colocação de pessoa em estado de não se poder proteger)

Quem abandonar uma pessoa que não se encontra em situação de se proteger ou se defender em razão da idade, doença ou de seu estado físico ou psíquico, de forma a criar-lhe perigo efectivo de vida ou de grave ofensa à sua integridade, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir.

Artigo 155.º
(Exposição de outrem a doença por acto sexual)

Quem expuser outra pessoa, por meio de relações ou acto sexuais , a doença venérea ou outra doença grave, de que sabe ou deve saber que sofre ou está infectado ou contaminado, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 156.º
(Perigo de contágio de doença grave)

Quem praticar, com o fim de transmitir a outra pessoa doença grave de que sofre, está afectado ou contaminado, acto capaz de produzir a infecção ou o contágio, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

SECÇÃO II
IMPEDIMENTO A ASSISTÊNCIA E OMISSÃO DE SOCORRO

Artigo 157.º
(Impedimento a prestação de socorro)

Quem impedir a chegada ou a prestação de socorros destinados a pessoa em perigo de vida, de ofensa grave à sua integridade ou liberdade ou a combater um sinistro ou acidente que apresente perigo para a segurança das pessoas será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 158º
(Omissão de auxílio)

1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, se abstém de prestar-lhe a assistência, que, sem grave risco para a sua pessoa ou para terceiros, possa prestar, por sua acção pessoal ou pedindo socorros, será punido com pena de prisão de 6 a 18 meses ou pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Se a situação referida nos números anteriores tiver sido criada pelo omitente, a pena será de prisão até 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 159.º
(Recusa de assistência por médico ou enfermeiro)

O médico, enfermeiro ou outro profissional da saúde que recusar, ilegitimamente, assistência em caso de efectivo perigo para a vida ou de perigo grave para o corpo ou a saúde outrem, será punido com pena de prisão de 6 a 4 anos.

Artigo 160.º
(Exercício ilegal de profissão)

Quem, contra lei ou regulamento, praticar actos próprios de uma profissão sem possuir o correspondente título oficial ou diploma que, legalmente, habilite a esse exercício, e, desse modo, criar perigo para a vida ou perigo grave para o corpo ou a saúde de outrem, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

CAPITULO VII
CRIMES CONTRA A DIGNIDADE DAS PESSOAS

SECÇÃO I

DISCRIMINAÇÃO E TORTURA

Artigo 161º
(Discriminação)

1 - Quem, com base em distinção feita entre pessoas em razão da origem, do sexo, da situação familiar, do estado de saúde, dos hábitos e costumes, das opiniões políticas, da actividade cívica, da pertença ou não pertença, verdadeira ou suposta , a uma etnia , nação, raça ou religião, no facto de ser membro ou não de uma organização:

    a) Recusar ou condicionar o fornecimento de um bem ou de um serviço;

    b) Impedir ou condicionar o exercício normal de uma actividade económica qualquer;

    c) Punir, despedir ou recusar contrato ou emprego a uma pessoa; será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias.

2 - A mesma pena será aplicada a quem pratique os factos descritos no número anterior relativamente a pessoas colectivas, com base na verificação, nos seus membros ou titulares dos seus órgãos, dos elementos descritos no nº1.

3 - O facto não é punível, se a distinção:

    a) Fundada no estado de saúde, consistir em actos ou operações que tenham por objecto a prevenção e a cobertura do risco de morte, de riscos relativos à integridade física ou psíquica da pessoa ou de incapacidade para o trabalho ou invalidez;

    b) Fundada no estado de saúde, consistir na recusa de emprego ou de contrato, ou no despedimento, com fundamento em inaptidão, medicamente reconhecida, nos termos das leis de trabalho ou da função pública;

    c) Se referir a matéria de emprego, nos casos em que a condição de homem ou mulher, conforme a lei ou os regulamentos de trabalho, for determinante para o exercício da função ou da actividade profissional.

Artigo 162º
(Tortura e tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos)

1 - Quem praticar actos de tortura ou de tratamento cruel, degradante ou desumano contra outra pessoa, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Para efeito do disposto nesta secção, considera-se acto de tortura, de tratamento cruel, degradante ou desumano, o acto pelo qual uma dor ou sofrimento agudos, físicos ou psíquicos, são deliberadamente infligidos a uma pessoa por quem tenha por função o conhecimento, a perseguição, a investigação, a aplicação ou a execução das sanções relativos a infracções de qualquer natureza, ou por quem exerça funções de guarda, protecção ou vigilância de pessoa detida ou presa, ou, ainda, por quem tenha, para o efeito, usurpado uma daquelas funções, com o fim de:

    a) Obter dela ou de um terceiro confissão, informação ou depoimento;

    b) A castigar por acto cometido ou supostamente cometido por ela ou terceiro;

    c) A intimidar ou para intimidar outra pessoa.

Artigo 163º
(Agravaçäo)

1 - A pena será de prisão de 5 a 12 anos, se a conduta descrita no artigo antecedente:

    a) Causar ofensa grave à integridade física ou psíquica da vítima;

    b) For realizada com métodos particularmente violentos, vexatórios ou graves, designadamente através de choques eléctricos, espancamentos sistemáticos, abuso sexual da vítima ou de seu familiar, simulacros de execução ou utilização de substâncias alucinatórias.

2 - A pena será de prisão de 8 a 15 anos, se da conduta resultar doença grave e incurável, suicídio ou a morte da vítima.

Artigo 164º
(Responsabilidade do superior hierárquico)

1 - O superior hierárquico que autorizar ou consentir na prática, pelo seu subordinado, de tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, será punido com a pena aplicável ao autor.

2 - Na pena de prisão de 1 a 4 anos será punido o superior hierárquico que, tomando conhecimento, após a sua prática, dos factos referidos nos artigos 162. º e 163.º, não fizer a denúncia no prazo máximo de cinco dias.

SECÇÃO II
CRIMES CONTRA A HONRA

Artigo 165º
(Calúnia)

1 - Quem, com conhecimento de sua falsidade ou com manifesto desprezo pela verdade, imputar a outra pessoa a prática de um crime ou a participação nele, ou reproduzir ou propalar tal falsidade, será punido com pena de prisão de 6 a 18 meses ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A pena será de prisão de 6 meses a 3 anos ou de multa de 100 a 300 dias, se houver publicidade ou em caso de calúnia reiterada contra a mesma pessoa.

Artigo 166º
(Injúria)

1 - Quem injuriar outra pessoa imputando-lhe factos ou juízos ofensivos do seu bom nome e crédito, da sua honra, consideração ou dignidade, ou reproduzir essas imputações, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - As referências a outra pessoa efectuadas utilizando expressões ou qualificativos desnecessários e deliberadamente ofensivos ou vexatórios, ainda que sejam produzidos por ocasião de factos verdadeiros e certos, serão punidas com a pena do nº1.

3 - O agente será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias se houver publicidade ou em caso de injúria reiterada contra a mesma pessoa.

4 - À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.

Artigo 167º
(Agravação em razão da qualidade da vítima)

As penas referidas nos dois artigos antecedentes serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for uma das pessoas descritas nas alíneas c) do artigo 124º,desde que o facto tenha sido praticado no exercício das suas funções.

Artigo 168º
(Ofensa à memória de pessoa falecida)

Quem ofender a memória de pessoa falecida há menos de 30 anos, por calúnia, injúria ou qualquer outra forma, será punido com as penas referidas no artigo 166. º.

Artigo 169º
(Ofensa a pessoa colectiva)

Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar, dando-lhes publicidade, factos inverídicos que afectem de maneira grave a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos a pessoa colectiva, instituição ou serviço públicos será punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 170º
(Falta de tipicidade)

Sem prejuízo do que estiver legalmente estabelecido sobre a exclusão da ilicitude, não serão considerados crime de injúria.

    a) Os factos ou juízos imputados, entre si pelos litigantes ou seus mandatários, nas peças processuais ou intervenções orais em juízo, desde que não sejam reproduzidas ou divulgadas fora desse âmbito;

    b) A opinião desfavorável da crítica científica, literária, artística, cultural e política, salvo quando seja inequívoca a intenção de injuriar;

    c) O conceito desfavorável emitido por funcionário público, por empregado no âmbito de relação de emprego, ou, ainda, em processo de avaliação curricular ou de pessoas.

Artigo 171.º
(Meios de cometimento do facto punível)

Os crimes de calúnia, injúria e ofensa a pessoa colectiva podem ser cometidos por forma escrita, oral, através de imagem ou som, em suportes informáticos, magnéticos e eléctricos ou quaisquer outros meios mecânicos ou de transmissão de dados, imagens, palavras e sons.

Artigo 172º
(Publicidade)

Existe publicidade na calúnia, na injúria e na ofensa a pessoa colectiva sempre que a difusão ou a divulgação dos factos ou dos juízos seja efectuada por meio de papéis impressos, panfletos, tarjetas, por avisos ou comunicados afixados em locais públicos, por discursos, gritos, pregões, em reuniões públicas, por meios audiovisuais ou meios análogos, por suportes informáticos ou de transmissão de dados, imagens, palavras e sons.

Artigo 173.º
(Prova da verdade dos factos)

1 – Não será punível o agente do crime de injúria ou de ofensa a pessoa colectiva que efectuar a prova sobre a veracidade dos factos, ou tiver fundamento sério para os reputar, em boa fé, verdadeiros, desde que se verifique uma das seguintes circunstâncias:

    a) A difusão ou divulgação dos factos se refira a pessoas que tenham relevância pública ou exerçam cargos públicos e se destine a defender ou garantir um interesse público actual ou dar satisfação à liberdade de informação nos termos próprios de uma sociedade democrática;

    b) O facto imputado ao ofendido tenha sido ou possa ser objecto de um processo criminal e a imputação seja feita para realizar interesse legítimo do agente ou de terceiro;

    c) A pessoa ofendida solicite, por qualquer forma, a prova da imputação contra ela dirigida.

2 - A prova da verdade não é admitida em relação a factos protegidos pelo direito à intimidade da vida privada e familiar, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do artigo 35.º do presente código.

Artigo 174.º
(Dispensa de pena)

1 - O tribunal dispensará da pena o agente quando este der em juízo esclarecimentos ou explicações do crime de que foi acusado, desde que o ofendido ou o seu representante os aceitar como satisfatórios.

2 - O tribunal pode ainda dispensar da pena o agente, se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido.

3 - Se ofendido ripostar, no mesmo acto, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar da pena ambos os agentes ou só um deles conforme as circunstâncias.

Artigo 175.º
(Retractação pública)

O agente dos crimes de calúnia, injúria e ofensa a pessoa colectiva poderá ser ainda dispensado da pena, se se retractar publica e inequivocamente antes do início da audiência de julgamento.

Artigo 176. º
(Publicidade da sentença condenatória)

A solicitação do ofendido, ou, em caso de falecimento deste, dos ascendentes, descendentes, cônjuge ou unido de facto, o tribunal ordenará, a expensas do condenado, a publicação da sentença de condenação por crime de calúnia, injúria ou ofensa a pessoa colectiva pelos meios que considerar mais adequados ou oportunos.

SECÇÃO III
CRIMES CONTRA O RESPEITO DEVIDO AOS MORTOS

Artigo 177. º
(Atentado contra integridade de cadáver ou cinzas)

Quem atentar contra a integridade de cadáver ou cinzas de pessoa falecida, por subtracção, ocultação, destruição, profanação ou outros actos ofensivos do respeito devido aos mortos, qualquer que seja o meio e a forma, será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 178. º
(Profanação de lugar fúnebre)

Quem violar ou profanar, por qualquer meio ou forma, túmulos, sepulturas ou monumentos dedicados à memória de pessoa falecida será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 179º
(Agravação)

Se os crimes referidos na presente secção forem cometidos em razão da pertença ou não pertença, verdadeira ou suposta, a uma etnia, nação, raça, religião, ou de se ser membro ou não de uma organização determinada, as penas serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

CAPITULO VII
CRIMES CONTRA A RESERVA DA VIDA PRIVADA

Artigo 180. º
(Introdução em casa alheia)

1 - Quem, sem consentimento ou fora dos casos em que a lei o permite, se introduzir, permanecer ou persistir em ficar na habitação de outra pessoa, suas dependências ou anexos, depois de ser intimado a retirar-se será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

2 - O agente será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o facto for cometido de noite ou em lugar ermo, por meio de ameaça, coacção ou violência, com uso de arma ou por meio de arrombamento, escalamento ou chave falsa.

3 - As penas previstas no presente artigo serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se os factos forem praticados por funcionário, com abuso dos seus poderes.

4 - É correspondentemente aplicável para efeitos do n.º 2 o disposto no artigo 200.º sobre as noções de arrombamento, escalamento e chave falsa.

Artigo 181. º
(Introdução em lugar privado vedado ao público)

1 - Quem, sem consentimento ou fora dos casos em que a lei o permite, entrar, permanecer ou persistir em ficar em meios de transporte, em lugar vedado e destinado a actividades de serviços, empresas e instituições ou ao exercício de profissões, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público será punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 100 dias.

2 - Verificando-se as circunstâncias mencionadas no n.º 2 do artigo anterior, a pena será de prisão até 2 anos ou de multa de 60 a 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

Artigo 182. º
(Violação de domicílio profissional em casos especiais)

1 - O funcionário que, abusando dos seus poderes, violar o domicílio profissional de quem, pela natureza da sua actividade, estiver vinculado ao dever de sigilo, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos.

2 - Se a conduta for realizada nas condições ou através dos meios referidos no n.º 2 do artigo 180. º, a pena será de prisão de 1 a 4 anos.

Artigo 183. º
(Atentado à intimidade da vida privada)

Quem, sem consentimento ou causa justificativa, e com a intenção de devassar ou divulgar factos ou circunstâncias da intimidade da vida pessoal, familiar ou sexual de outra pessoa, interceptar, escutar, captar, gravar ou transmitir palavras proferidas a título privado ou confidencial, ou registar ou transmitir, por qualquer meio ou forma, a imagem de outra pessoa que se encontre em local privado, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

Artigo 184. º
(Gravações, fotografias e filmes ilícitos)

1 - Quem, sem consentimento, gravar as palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, sem consentimento, fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado.

3 - Se o agente proceder à divulgação da gravação ou da imagem, a pena será de prisão até 2 anos ou de multa de 60 a 150 dias.

Artigo 185. º
(Consentimento presumido)

Para efeitos do disposto nos dois artigos anteriores, considera-se presumido o consentimento de quem, sendo o visado, assiste, vê ou toma conhecimento da prática dos factos nele descritos, sem a eles se opor, podendo fazê-lo sem riscos, custos ou grave incómodo.

Artigo 186. º
(Conservação ou utilização indevida de registo ou documento)

Quem conservar, levar ao conhecimento do público ou permitir que seja levado ao conhecimento público ou de um terceiro, ou utilizar, de qualquer forma que seja, o registo ou o documento obtido por qualquer forma ou meio indicados nos artigos 183. º e 184.º, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 187. º
(Tratamento informático ilegal)

Quem proceder ou fizer proceder a tratamentos automatizados de dados ou informações individualmente identificáveis, sem que sejam respeitadas as formalidades exigidas por lei ou sem tomar as precauções, impostas por lei, com o fim de garantir segurança àqueles dados, particularmente para impedir que eles sejam alterados, destruídos, inutilizados ou comunicados ou transmitidos a terceiros não autorizados para o efeito, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 188.º
(Devassa por meio de informática)

Quem criar, mantiver ou utilizar ficheiro automatizado de dados individualmente identificáveis e referentes a convicções políticas, religiosas ou filosóficas, a filiação política, partidária ou sindical, ou a origem étnica ou racial, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 189. º
(Violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações)

1 - Quem, sem consentimento, abrir, subtrair, suprimir ou desviar de seu destino encomenda, carta, telegrama ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e que lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por qualquer processo, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja conhecido do destinatário, será punido com pena de prisão de 6 a 18 meses ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de comunicação efectuada por processos de telecomunicação ou por outros meios de transmissão, fizer seu registo ou gravação ou dele tomar conhecimento.

3 - Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo dos escritos ou outros meios de comunicação referidos nos números anteriores será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, ou com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias, consoante seja ou não o mesmo agente dos factos mencionados nos números 1 ou 2.

4 - Se os factos descritos neste artigo forem praticados por funcionário de serviços dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, a pena será agravada de um terço no limite mínimo e de metade no limite máximo.

Artigo 190.º
(Publicidade indevida de correspondência)

Quem, sem que interesse legítimo o justifique, encontrando-se na posse de correspondência não destinada ao conhecimento público, bem que dirigida a ele, a fizer publicar indevidamente, será punido com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 191.º
(Violação ou aproveitamento indevido de segredo)

1 - Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego ou arte será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Na mesma incorrerá quem, sem consentimento, se aproveitar de segredo relativo a actividade comercial, industrial, profissional ou artística alheia de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, e provocar, desse modo, prejuízo a outra pessoa ou ao Estado.

Artigo 192.º
(Violação de sigilo profissional)

Quem, com incumprimento de sua obrigação de sigilo ou reserva profissional, imposta por lei, divulgar segredo de outra pessoa, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 193.º
(Agravação)

As penas previstas nos artigos 183.º,184.º,186.º,188.º,189.º,190.º.,191 e 192 serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o facto for praticado para obter recompensa para o agente ou outra pessoa ou para prejudicar outra pessoa ou o Estado.

TITULO II
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE

SECÇÃO I
FURTO E ROUBO

Artigo 194º
(Furto)

Quem, com intenção de apropriação, para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 195.º
(Furto de coisa comum)

1 - Quem, com a intenção referida no artigo anterior, subtrair coisa móvel comum ao condómino, co-proprietário, compossuidor, co-herdeiro ou sócio será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias.

2 - Não será punível a subtracção de coisa comum fungível, cujo valor não exceda a quota a que tem direito o agente.

Artigo 196.º
(Furto qualificado)

1 - O agente será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos se furtar coisa móvel alheia:

    a) Afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;

    b) Transportada em qualquer tipo de veículo, e o furto tiver sido cometido entre o momento de seu carregamento e o de seu destino ou entrega, incluindo os períodos das escalas realizadas;

    c) Destinada a serviço público e se produzir grave perturbação no seu funcionamento;

    d) Que constitua produto de primeira necessidade, quando a subtracção tenha ocasionado uma situação grave de falta de abastecimento público;

    e) Utilizando veículo com vista a facilitar a execução do facto ou a favorecer a fuga, em caso de necessidade;

    f) Utilizando qualquer meio fraudulento;

    g) Explorando a situação de particular vulnerabilidade da vítima, devida à idade, doença ou enfermidade, deficiência física ou psíquica;

    h) Explorando situação de incêndio, explosão, inundação, naufrágio, motim, ou as facilidades provenientes de qualquer outro desastre ou acidente ou situação que envolva comoção pública;

    i) Deixando a vítima ou sua família em difícil situação económica;

    j) Usurpando título, uniforme ou insígnia de autoridade pública, ou alegando falsa ordem daquela autoridade;

    k) Enquanto titular de cargo público ou encarregado de serviço público, no exercício e por causa do exercício das suas funções;

    l) Introduzindo-se em habitação, ainda que móvel, em qualquer estabelecimento, público ou particular, ou espaço fechado, ou aí permanecer escondido com intenção de furtar;

    m) Trazendo, no momento do crime, arma ou outro instrumento igualmente perigoso, sem deles fazer alarde ou exibição, e sem que tenha havido intimidação da vítima ou de outra pessoa.

2 - O agente será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos se furtar coisa alheia:

    a) Que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico ou importante valor científico, cultural, artístico ou histórico;

    b) Que, por sua natureza, seja altamente perigosa;

    c) Causando prejuízos consideráveis à vítima.

    d) Enquanto membro de bando destinado à pratica reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando, desde que não tenha havido violência, ameaça ou intimidação de pessoas ou emprego de violência sobre coisas.

Artigo 197.º
(Furto de coisa insignificante)

Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de valor diminuto e não causar prejuízos graves à vítima.

Artigo 198º
(Roubo)

1 - Comete o crime de roubo quem, com intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a sua vida ou integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, ou, ainda, empregando violência sobre coisas.

2 - A pena será de prisão de 2 a 8 anos, salvo se houver apenas emprego de violência sobre coisas, caso em que a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

3 - As penas referidas no n.º2 serão agravadas de um terço no seu limite máximo, se se verificar qualquer das circunstâncias mencionadas no artigo 196.º salvo se se verificar o disposto no artigo antecedente.

4 - Se o agente tiver produzido perigo efectivo para a vida ou causado ofensa grave à integridade física da vítima, a pena será de prisão de 5 a 12 anos.

5 - Se da violência exercida para realizar o roubo resultar a morte de outra pessoa, o agente será punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.

Artigo 199º
(Violência depois da subtracção)

As penas previstas no artigo anterior serão, conforme os casos, aplicáveis a quem, logo depois de subtraída a coisa, utilizar violência ou ameaça grave contra pessoa, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

Artigo 200.º
(Definições)

1 - Há violência sobre coisas quando, na execução do facto, ocorra uma das seguintes circunstâncias:

    a) Escalamento;

    b) Arrombamento;

    c) Utilização de chaves falsas para aceder ao local onde a coisa se encontre.

2 - Constitui escalamento a introdução em casa ou lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente a entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas ou paredes, ou por cima de quaisquer construções, ou através de quaisquer dispositivos, que sirvam para fechar a entrada ou passagem ou, ainda, por abertura subterrânea.

3 - Há arrombamento quando o agente procede ao rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de parede, tecto, solo, porta ou janela, ou de qualquer construção ou dispositivo que sirva para fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente, ou, ainda, de armários, arcas ou outros móveis fechados ou selados destinados a guardar quaisquer objectos, seja no local do roubo ou fora dele.

4 - São chaves falsas:

    a) As imitadas, contrafeitas, alteradas ou quaisquer outras que não sejam as destinadas pelo proprietário ou possuidor para abrir a fechadura;

    b) As chaves legítimas perdidas pelo proprietário ou possuidor ou obtidas por um meio que constitua um facto punível;

    c) Os cartões magnéticos ou perfurados ou os comandos ou instrumentos de abertura à distância; e

    d) As gazuas ou quaisquer instrumentos análogos.

5 - Constituem dependência de casa os seus pátios, garagens e demais espaços ou locais fechados e contíguos ao edifício e em comunicação interior com ele, e que, com ele, formem um todo.

Artigo 201.º
(Subtracção de coisa própria)

Quem sendo dono de uma coisa móvel a subtrair, desencaminhar ou destruir, estando ela em penhor ou depósito legalmente constituídos, com prejuízo de terceiro, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

SECÇÃO II
USO NÃO AUTORIZADO DE VEICULO

Artigo 202.º
(Uso não autorizado de veículo e qualificação)

1 - Quem utilizar automóvel ou outro veículo motorizado, aeronave, barco ou bicicleta alheios, sem autorização de quem de direito, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - A pena será agravada de metade no seu limite máximo, se houver violência exercida sobre o veículo.

SECÇÃO III
ABUSO DE CONFIANÇA E APROPRIAÇÃO INDEVIDA

Artigo 203.º
(Abuso de confiança)

1 - Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade, que produza a obrigação de restituir ou apresentar ou de aplicação a certo fim, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - Se o facto causar prejuízos consideráveis à vítima a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

3 - Se o agente tiver recebido a coisa por imposição da lei, em razão de ofício, emprego ou profissão, por depósito, ou, ainda, na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.

SECÇÃO IV
DANO

Artigo 204.º
(Dano)

1 - Quem destruir, inutilizar, fizer desaparecer, ou, de qualquer modo, danificar coisa total ou parcialmente alheia, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º2 do artigo 195.º.

Artigo 205.º
(Dano qualificado)

1 - A pena será de prisão de 1 a 5 anos se:

    a) O facto for praticado para impedir o livre exercício da autoridade pública ou como reacção às suas legítimas determinações;

    b) Forem utilizadas substâncias venenosas, inflamáveis ou corrosivas;

    c) O facto for praticado em arquivo, registo, museu, biblioteca ou instituição científica ou em bens de importante valor histórico, artístico, cultural ou científico, ou, de qualquer modo, destinados ao uso e utilidade públicos;

    d) A coisa danificada possuir significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico;

    e) A coisa estiver afecta ao culto religioso ou a veneração da memória dos mortos e se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;

    f) O facto for praticado em obras, estabelecimentos, instalações, meios de transporte ou de comunicação militares ou em material, meios de aprovisionamento ou recursos pertencentes ou afectados às forças armadas do país;

    g) O facto causar prejuízos consideráveis à vítima.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 197.º.

Artigo 206.º
(Danos ao ambiente)

Quem, em violação das disposições legais ou regulamentares, provocar danos ao ambiente:

    a) Eliminando exemplares de fauna ou flora, de forma a fazer desaparecer ou a criar perigo de desaparecimento de uma ou mais espécies;

    b) Destruindo o habitat natural ou esgotando os recursos do subsolo, de forma a impedir ou a fazer perigar a renovação de um ou mais recursos será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 100 a 450 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

SECÇÃO V
USURPAÇÃO

Artigo 207º
(Usurpação de coisa imóvel)

1 - Quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direito real não tutelado por lei, sentença ou acto administrativo, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - A pena prevista no número anterior será aplicável a quem, pelos meios indicados no número anterior, desviar ou represar águas, sem que a isso tenha direito, com intenção de alcançar, para si ou para outra pessoa, benefício ilegítimo.

Artigo 208.º
(Supressão ou alteração de marco ou tapume)

Quem, com intenção de apropriação, total ou parcial, de coisa imóvel alheia, para si ou para outra pessoa, suprimir, arrancar, deslocar ou alterar marco, tapume, valado ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, será punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 80 dias.

Artigo 209.º
(Supressão ou alteração de marcas em animais)

Quem suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

CAPITULO III
CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO EM GERAL

SECÇÃO I
BURLAS E ABUSO DE INCAPAZES

Artigo 210.º
(Burla)

1 - Quem, induzindo ou mantendo outra pessoa em erro, mediante nome suposto, qualidade simulada, títulos ou escrito falsos, ou aparentando bens, crédito, comissão, empresa ou negociação, ou mediante qualquer outro artifício, ardil ou meio fraudulento, a levar a praticar acto que lhe cause, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, obtendo, desse modo, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ilícita, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Será punido com a pena prevista no n.º 1 quem vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria ou coisa própria de que não se possa dispor, inalienável, onerada ou litigiosa;

Artigo 211.º
(Burla relativa a seguros)

Será punido nos termos do artigo anterior quem receber ou fizer com que outra pessoa receba valor total ou parcialmente seguro, provocando ou agravando sensivelmente resultado causado por acidente cujo risco estava coberto, ou ficcionando acidente cujo risco não estava coberto, ou, ainda, causando, a si próprio ou a outra pessoa, lesão da integridade física ou agravando as consequências de lesão da integridade física provocada por acidente cujo risco esteja coberto.

Artigo 212.º
(Burla informática)

Será punido nos termos do artigo 210.º quem obtiver, para si ou para terceiro, vantagem ilícita, com prejuízo patrimonial para outra pessoa, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento.

Artigo 213.º
(Burla qualificada)

1 - Será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos quem praticar os factos previstos nos artigos 210.º a 212.º, desde que se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:

    a) Ter o agente causado prejuízos consideráveis à vítima;

    b) Ter ficado a pessoa prejudicada em difícil situação económica;

    c) Ter o facto sido realizado com grave abuso da situação pessoal da vítima ou aproveitando-se o agente da sua credibilidade profissional ou empresarial;

    d) Ter havido usurpação de título, uniforme ou insígnia de autoridade pública, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;

    e) Ser o agente titular de cargo público ou encarregado de serviço público, no exercício e por causa do exercício das suas funções;

    f) Ter o agente feito apelo público com vista à emissão de títulos ou a colecta de fundos para fins de ajuda humanitária ou assistência social;

    g) Ter o agente subtraído, substituído, ocultado, mutilado ou inutilizado, no todo ou em parte, algum processo, expediente, protocolo, ou documento ou outro papel público, ou ter o facto sido praticado com qualquer fraude processual.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 197.º.

Artigo 214.º
(Burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços)

Quem, com intenção de não pagar:

    a) Se fizer servir de alimentos ou bebidas em estabelecimento que faça do seu fornecimento comércio ou indústria;

    b) Utilizar quarto ou serviço de hotel ou estabelecimento análogo;

    c) Utilizar meio de transporte ou entrar em qualquer recinto público sabendo que tal supõe o pagamento de um preço;

    d) Se fizer servir de combustíveis ou lubrificantes enchendo parcial ou totalmente os reservatórios do veículo pelas empresas ou profissionais da distribuição, e se negar a solver a dívida contraída, será punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 150 dias.

Artigo 215.º
(Burla de outros bens)

Quem obtiver ilegitimamente o fornecimento de energia eléctrica, água, telefone ou qualquer outro elemento, energia ou fluídos alheios por instalação de instrumentos mecânicos ou aparelhos para a sua utilização, pela utilização dos instrumentos ou aparelhos, ou procedendo a alteração das indicações constantes dos instrumentos ou aparelhos de medição, será punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 150 dias.

Artigo 216.º
(Abuso de incapazes)

1 - Quem, com intenção de alcançar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial, e fora das situações previstas no artigo 210.º, abusando da situação de inexperiência, de necessidade, dependência ou fraqueza de carácter de menor, pessoa incapaz ou portadora de anomalia psíquica, os induzir à prática de acto jurídico que lhes acarrete, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A pena será de prisão de 1 a 5 anos, se o facto colocou a vítima em difícil situação económica ou lhe causou prejuízos consideráveis.

SECÇÃO II
EXTORSÃO E CHANTAGEM

Artigo 217.º
(Extorsão)

1 - Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro indevida vantagem económica, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a praticar, a tolerar ou a deixar de praticar qualquer acto, que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo patrimonial será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2 - A pena será de prisão de 2 a 8 anos, se:

    a) O agente explorou a situação de particular vulnerabilidade da vítima, devida a idade, doença ou enfermidade, deficiência física ou psíquica;

    b) O facto deixou a vítima em situação económica difícil ou lhe causou prejuízos consideráveis;

    c) O agente praticou o facto enquanto titular de cargo público ou encarregado de serviço público, no exercício e por causa do exercício das suas funções;

    d) O agente utilizou ou ameaçou a vítima com o uso de arma;

    e) O facto foi praticado por bando em que se integravam o agente e, pelo menos, outro membro do bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património.

3 - A pena será de prisão de 5 a 12 anos, se o agente, com os actos de violência, produziu perigo efectivo para a vida ou causou ofensa grave à integridade física ou psíquica da vítima, ou, ainda, se resultar do facto o suicídio da vítima.

4 - A pena será de prisão de 8 a 15 anos, se dos actos de violência resultar a morte da vítima.

Artigo 218.º
(Chantagem)

1 - Quem, com a intenção mencionada no artigo anterior, constranger outra pessoa a praticar, a tolerar ou a deixar de praticar actos dos indicados naquele artigo, através da ameaça de revelação, por meio da comunicação social, ou de sua publicitação, de factos que possam ofender gravemente o bom-nome e o crédito, a honra e a consideração da vítima ou de outra pessoa, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

2 - Se se verificar qualquer das circunstâncias mencionadas nas alíneas a), b) e c) do n.º2 do artigo anterior, a pena será de prisão de 2 a 6 anos.

3 - A pena será de prisão de 4 a 10 anos, se do facto resultar o suicídio da vítima.

Artigo 219.º
(Extorsão indirecta)

Quem, abusando da situação de necessidade de outra pessoa, exigir, como garantia de dívida, documento que possa dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

SECÇÃO III
OUTRAS FRAUDES

Artigo 220.º
(Infidelidade)

1 - Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Se os interesses forem relativos ao sector público da economia, a pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 221.º
(Adulteração de contas ou de inventário)

Quem, sendo administrador, de facto ou de direito, de uma sociedade comercial, falsificar as contas anuais, inventários ou outros documentos que devam reflectir a situação jurídica, económica ou financeira da sociedade, com intenção de causar prejuízo à mesma, a algum de seus sócios ou a terceiro, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

Artigo 222.º
(Publicitação de falsidades sobre situação de sociedade)

1 - Quem, com intenção de causar prejuízo à sociedade ou a qualquer de seus sócios, ou, ainda, a terceiro, publicar ou autorizar a publicação de elementos falsos sobre a situação de uma sociedade comercial ou fizer crer que tem nela uma participação distinta da real, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - Se o agente for administrador, de facto ou de direito, da sociedade, a pena será agravada de um terço no seu limite máximo.

Artigo 223.º
(Pacto contra interesses societários)

Quem, sendo administrador, de facto ou de direito, de sociedade comercial, ou tendo nela posição maioritária, utilizando uma tal condição, e maliciosamente, adopte ou apoie com o seu voto, acordo ou contrato contrário ao interesse social, causando grave prejuízo económico à sociedade, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 224.º
(Abuso de cartão de garantia ou de crédito)

1 - Quem, abusando da possibilidade, conferida pela posse de cartão de garantia ou de crédito, de levar o emitente a fazer um pagamento, causar prejuízo a este ou a terceiro, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A pena será de prisão de 2 a 6 anos, se a vítima tiver prejuízos consideráveis.

Artigo 225.º
(Usura)

1 - Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele conceda, se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem económica que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A pena será de prisão de 1 a 5 anos:

    a) Se o agente causar prejuízos consideráveis à vítima ou a deixar em difícil situação económica;

    b) Se o agente for prestamista ou agente usurário profissional ou habitual.

3 - O tribunal poderá atenuar livremente as penas referidas nos números anteriores, ou delas isentar o agente, se este, até ao início da audiência de julgamento em 1a instância:

    a) Renunciar à entrega da vantagem pecuniária pretendida;

    b) Entregar o excesso pecuniário recebido, acrescido da taxa legal desde o dia do recebimento;

    c) Modificar o negócio, de acordo com a outra parte, em harmonia com as regras da boa fé.

Artigo 226.º
(Adulteração de arrematação ou concurso públicos)

1 - Quem, com intenção de obter vantagem patrimonial, para si ou para terceiro, impedir, adulterar ou prejudicar os resultados de venda ou arrematação judicial ou de outra venda ou arrematação pública autorizada ou imposta por lei, bem como de concurso regido pelo direito público, conseguindo, por meio de dádiva, promessa, ameaça com mal importante, entendimentos ou qualquer artifício ou meio fraudulento, que alguém não lance ou não concorra, ou que de alguma forma se prejudique a liberdade dos respectivos actos, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, com a intenção referida no número anterior, aceite dádiva, promessa ou qualquer benefício ou vantagem patrimonial.

CAPITULO IV
CRIMES CONTRA DIREITOS PATRIMONIAIS

Artigo 227.º
(Frustração de execução)

1 - O devedor que, com intenção de impedir execução já iniciada ou cuja iniciação é previsível, realizar qualquer acto de disposição patrimonial ou que gere obrigações, ou, ainda, destruir, danificar, ocultar, fizer desaparecer bens de seu património ou diminuir artificial ou fraudulentamente o seu valor, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, se vier a ser declarado insolvente.

2 - Se o agente do facto descrito no n.º1 for um terceiro, com o conhecimento ou a favor do devedor, a pena será reduzida de um terço no seu limite máximo.

3 - O disposto no presente artigo é aplicável seja qual for a natureza ou a origem da obrigação ou dívida, cuja satisfação ou pagamento se tenta iludir, incluindo-se os direitos económicos dos trabalhadores e a responsabilidade civil decorrente da prática de facto punível, e independentemente do facto de o credor ser pessoa singular ou colectiva, pública ou privada.

4 – Para efeitos do disposto neste artigo, a iniciação é previsível quando a obrigação conste já de sentença ou de outro título executivo.

Artigo 228.º
(Falência fraudulenta)

1 - O devedor comerciante que, com intenção de prejudicar os credores:

    a) Destruir, danificar, ocultar, inutilizar, fizer desaparecer parte do seu património ou artificial ou fraudulentamente fizer diminuir o seu valor, nomeadamente, simulando ou supondo dívidas, alienações, gastos ou perdas;

    b) Para retardar falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente; será punido, se vier a ser declarado em estado de falência, com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa de 200 a 500 dias.

2 - A mesma pena será aplicada ao concordado que não justificar a regular aplicação dada aos valores do activo existentes à data da concordata.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.

Artigo 229.º
(Favorecimento de credores)

O devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência ou prevendo a sua iminência e com intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros, solver dívidas ainda não vencidas ou as solver de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, ou der garantias para suas dívidas a que não era obrigado, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, ou com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias, conforme venha a ser declarado em estado de falência ou de insolvência.

Artigo 230.º
(Receptação)

1 - Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, adquirir, receber, conservar ou ocultar coisa que sabe ser objecto ou produto de crime contra o património, ou, ainda, contribuir ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba, conserve ou oculte, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos ou com pena de multa de 100 a 400 dias.

2 - Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade, natureza ou pela desproporção entre o seu valor e o preço, ou, ainda, pela condição de quem lhe oferece, deva fazer razoavelmente suspeitar que provém de crime contra o património, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 200 dias.

3 - A receptação é punível, ainda que desconhecido, insusceptível de culpa, isento ou dispensado da pena o agente do facto de que proveio a coisa.

CAPITULO V
DISPOSIÇÕES COMUNS

Artigo 231.º
(Restituição ou reparação)

Quando a coisa objecto dos crimes previstos no presente Título, à excepção daqueles em que tenha havido violência ou ameaça grave, for restituída, ou tiver lugar a reparação do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em primeira instância, poderá o tribunal atenuar livremente a pena.

TITULO III
CRIMES CONTRA A FÉ PUBLICA

CAPITULO I

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS

Artigo 232.º
(Definição)

Para efeitos deste título constitui documento todo o papel ou suporte material que contenha ou incorpore uma declaração, dados ou factos, ou que seja emitido pela administração pública para reconhecer facto ou direito, identidade ou qualidade, para isentar de encargo ou dever, para conceder uma autorização ou licença, bem como o sinal aposto numa coisa para demonstrar a sua natureza e qualidade, desde que, em qualquer dos casos, tenha relevância jurídica e eficácia probatória.

Artigo 233.º
(Falsificação ou alteração de documento)

1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter benefício para si ou para outra pessoa, ou de alterar facto juridicamente relevante, fabricar documento falso, falsificar documento ou alterar documento verdadeiro será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

2 - Tratando-se de documento público, a pena será de prisão de 2 a 6 anos.

Artigo 234.º
(Omissão de declaração ou inserção de falsidade em registo ou documento)

1 - Quem, com a intenção referida no artigo anterior, omitir, em registo, em documento público ou particular, declaração ou facto que dele devia constar, nele inserir ou fizer inserir declaração falsa ou facto falso ou diverso do que devia ser escrito ou constar será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou de 6 meses a 4 anos, consoante o instrumento objecto da falsificação seja público ou particular.

2 - A pena será reduzida de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o agente não for funcionário no exercício de suas funções.

Artigo 235.º
(Uso de documento ou registo falsos)

Quem, com a intenção referida no artigo 233.º, fizer uso de documento ou de registo referidos nos artigos anteriores será punido com a pena aplicável ao agente da correspondente falsificação ou da alteração reduzida de um terço no seu limite máximo, desde que não seja ele próprio agente da falsificação ou alteração.

Artigo 236.º
(Destruição ou subtracção de documento)

Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter, para si ou para outra pessoa, benefício ilegítimo, fizer desaparecer, destruir, no todo ou em parte, subtrair ou dissimular documento de que não podia dispor, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias, ou de 1 a 4 anos, consoante o documento seja particular ou público.

Artigo 237.º
( Reconhecimento de assinatura ou letra não verdadeiras)

Quem, no exercício de função pública, reconhecer como verdadeira assinatura ou letra que sabe não o ser, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos, ou de 6 meses a 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias, consoante se trate de documento público ou particular.

Artigo 238.º
(Declaração falsa para obtenção de cargo público)

1 - Quem atestar ou certificar falsamente, no exercício de função pública, facto ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de deveres, encargos ou serviço de carácter público, ou qualquer outra vantagem será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá quem praticar os factos referidos no nº1, arrogando-se falsamente a qualidade de titular de função pública.

Artigo 239.º
(Falsificação de atestado para obtenção de cargo público)

1 - Quem fabricar ou falsificar, no exercício de função pública, total ou parcialmente, atestado, certificado ou certidão, ou alterar o teor de atestado, certidão ou certificado verdadeiros, para prova de facto ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de encargos, deveres ou serviço de carácter público, ou qualquer outra vantagem, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem praticar os factos descritos no n.º1, arrogando-se falsamente a qualidade de titular de função pública.

Artigo 240.º
(Atestado médico falso)

1 - Quem, sendo médico, enfermeiro, empregado de laboratório ou instituição de fins médicos ou pessoa encarregada de fazer autópsias, que, no exercício da profissão, passar atestado, certidão ou certificado que sabe não corresponder à verdade, sobre o estado do corpo ou da saúde física ou mental, o nascimento ou a morte de uma pessoa, destinados a fazer fé perante autoridade pública ou a prejudicar outra pessoa, será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá o médico veterinário que passar atestados relativos a animais nos termos e para os fins mencionados no número anterior.

3 - Na mesma pena incorrerá quem praticar os factos descritos nos n.ºs 1 e 2, arrogando-se falsamente a qualidade neles mencionada.

Artigo 241.º
(Uso de atestados ou certidões falsos)

Quem, com a consciência da falsificação, fizer uso dos atestados, certificados ou certidões falsos referidos nos artigos 238º, 239.º e 240.º, será punido com a pena cominada ao agente da respectiva falsificação reduzida de um terço no seu limite máximo, desde que não seja ele próprio agente da falsificação.

Artigo 242.º
(Agravação)

As penas referidas nos artigos 233.º, 236.º e 240.º serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se os factos forem praticados por funcionário no exercício das suas funções ou por causa delas.

CAPITULO II
FALSIFICAÇÃO DE MOEDA E TÍTULOS DE CRÉDITO

Artigo 243.º
(Falsificação de moeda)

1 - Quem fabricar moeda falsa, falsificar ou alterar moeda metálica ou papel-moeda com curso legal no país ou no estrangeiro será punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

2 - A pena será agravada de um terço no seu limite máximo, se o agente colocar efectivamente em circulação a moeda falsificada ou alterada.

Artigo 244.º
(Falsificação de cédula, nota ou bilhete)

1 - Quem:

    a) Formar cédula, nota ou bilhete representativo de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros;

    b) Suprimir sinal indicativo de inutilização em cédula, nota ou bilhete recolhidos, com o fim de os passar ou pôr em circulação;

    c) Colocar em circulação cédula, nota ou bilhete referidos nas alíneas anteriores apreendidos ou recolhidos para o fim de inutilização; será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - Se o agente dos factos referidos nas alíneas a) e b) passar ou puser efectivamente em circulação a cédula, nota ou bilhete falsificados ou alterados, a pena será agravada de um terço no seu limite máximo.

Artigo 245.º
(Falsificação de títulos de crédito e outros documentos comerciais)

1 - Quem fabricar, falsificar ou alterar títulos de crédito, nacionais ou estrangeiros, cartões de crédito ou de garantia, bilhetes ou fracções de lotaria nacional ou qualquer documento comercial transmissível por endosso será punido com pena de prisão de 4 a 10 anos.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º2 do artigo 243.º.

Artigo 246.º
(Passagem de moeda ou títulos falsos)

1 - Quem, em concertação com o falsificador, passar ou puser em circulação moeda falsa, ou os títulos, cartões ou outros documentos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos no artigo 245.º, será punido com a pena cominada ao agente da correspondente falsificação ou alteração.

2 - Não havendo concertação com o falsificador, a pena será a correspondente à do agente da falsificação ou alteração reduzida de um terço nos seus limite mínimo e máximo.

Artigo 247.º
(Passagem de moeda ou títulos falsos recebidos de boa-fé)

Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeiros, moeda falsa ou os títulos de crédito, cartões e outros documentos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos no artigo 245.º, os restituir à circulação, depois de conhecer a sua contrafacção ou falsidade, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias.

Artigo 248.º
(Aquisição, venda ou cedência de moeda ou títulos falsos)

Quem, com intenção de passar ou pôr em circulação, por conta própria ou de outrem, adquirir, importar ou introduzir no país, exportar, transportar, comprar, vender, emprestar, ceder, guardar, receber em depósito ou expuser à venda moeda falsa ou alterada, ou os títulos de crédito, cartões ou outros documentos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos no artigo 245.º será punido com a pena cominada ao agente da correspondente falsificação ou alteração reduzida de um terço no seu limite mínimo e de metade no seu limite máximo.

Artigo 249.º
(Emissão ilegal de moeda)

Quem, sendo funcionário, director, gerente ou fiscal de banco emissor, fabricar, emitir ou autorizar o fabrico ou a emissão de moeda com título ou peso inferior ao determinado por lei, ou de papel-moeda em quantidade superior à autorizada, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Artigo 250.º
(Circulação não autorizada de moeda)

Quem desviar e fizer circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Artigo 251.º
(Detenção de equipamentos de falsificação)

Quem detiver equipamentos ou materiais destinados ao fabrico de moedas falsas será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

CAPITULO III
FALSIFICAÇÕES DE VALORES E TÍTULOS PÚBLICOS

Artigo 252.º
(Falsificação de valores selados, selos postais e títulos públicos)

1 - Quem fabricar, falsificar ou alterar:

    a) Valores selados ou timbrados ou qualquer papel de emissão legal, destinado à arrecadação de imposto ou taxa;

    b) Selo postal;

    c) Papel de crédito público que não seja moeda de curso legal;

    d) Talão, guia, recibo, alvará ou qualquer outro documento relativo a arrecadação de rendimentos públicos ou a depósito ou caução por que seja responsável entidade pública será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos

2 - A pena será agravada de um terço no seu limite máximo se o agente usar ou puser em circulação como legítimos os valores ou papéis contrafeitos, falsificados ou alterados referidos no número anterior.

Artigo 253.º
(Supressão de carimbo em valores e títulos públicos)

1 - Quem suprimir carimbo ou sinal indicativo de inutilização apostos nos valores, papéis ou títulos referidos no artigo anterior, quando sejam legítimos, com o fim de torná-los novamente utilizáveis, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.

Artigo 254.º
(Circulação de valores e títulos falsificados)

1 - Quem, em concertação com os agentes dos factos referidos nos artigos 252.º e 253.º, puser em circulação os valores, papéis ou títulos públicos contrafeitos, falsificados ou alterados neles descritos, será punido com a pena cominada ao agente da correspondente falsificação ou alteração.

2 - Se não houver concertação com o falsificador, a pena será a cominada ao agente da correspondente falsificação ou alteração reduzida de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 255.º
(Uso de valores e títulos recebidos de boa-fé)

Quem, tendo recebido de boa-fé como verdadeiro qualquer dos valores, papéis ou títulos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos nos artigos 252º e 253º fizer uso deles ou restitui-los à circulação, depois de conhecer da sua contrafacção, falsificação ou alteração, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 256.º
(Aquisição, venda ou cedência de valores ou títulos falsificados)

Quem, com intenção de os utilizar ou pôr em circulação, por conta própria ou de outrem, adquirir, importar ou introduzir no país, exportar, transportar, comprar, vender, emprestar, ceder, guardar, receber em depósito ou expuser à venda os valores, papéis ou títulos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos nos artigos 252 e 253.º, será punido com a pena cominada ao agente da correspondente falsificação ou alteração reduzida de um terço no seu limite mínimo e de metade no seu limite máximo.

CAPITULO IV
FALSIFICAÇÃO DE SELOS, CUNHOS, PESOS E MEDIDAS

Artigo 257.º
(Falsificação de selo, cunho, marca ou chancela)

1 - Quem fabricar, falsificar ou alterar selos, cunhos, marcas, chancelas ou sinais de qualquer autoridade ou repartição pública será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2 - A pena será agravada de um terço no seu limite máximo se o agente fizer uso dos objectos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos no número anterior.

Artigo 258.º
(Utilização de selo, cunho, marca ou chancela falsos)

Quem fizer uso, ou, com intenção de os utilizar como autênticos ou intactos, adquirir, importar, introduzir no país, receber em depósito, comprar, vender, emprestar ou ceder os objectos contrafeitos, falsificados ou alterados referidos no artigo anterior será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 259.º
(Utilização indevida de selo, cunho, marca ou chancela)

Quem utilizar sem autorização de quem de direito selo, cunho, marca, chancela ou sinal verdadeiros em prejuízo de outra pessoa ou do Estado ou em proveito próprio ou alheio, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 260.º
(Agravação)

As penas previstas nos artigos 257.º, 258.º e 259.º serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se os factos descritos nesses artigos forem realizados por funcionário no exercício de funções ou por causa delas.

Artigo 261.º
(Falsificação de pesos e medidas)

1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter proveito próprio ou para outra pessoa :

    a) Apuser sobre pesos, medidas, balanças ou outros instrumentos de medida uma punção falsa ou tiver falsificado a existente; ou

    b) Alterar, qualquer que seja a sua natureza, pesos, medidas, balanças ou outros instrumentos de medida, que estejam legalmente sujeitos à existência de uma punção; será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - A pena será agravada de um terço no seu limite máximo se o agente fizer uso dos objectos falsificados referidos no número anterior.

Artigo 262.º
(Utilização de pesos e medidas falsificados)

Quem, fora dos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior, utilizar pesos, medidas, balanças ou outros instrumentos de medida falsos ou falsificados, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

CAPITULO V
OUTRAS FALSIFICAÇÕES

Artigo 263º
(Assunção ou atribuição de falsa identidade)

Quem assumir ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outra pessoa, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 264.º
(Uso de documento de identificação alheio)

Quem usar, como próprio, documento de identificação emitido a favor de outra pessoa ou ceder a outrem para que dele se utilize, documento dessa natureza, próprio ou de terceiro, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

TITULO IV
CRIMES CONTRA A COMUNIDADE INTERNACIONAL

Artigo 265.º
(Atentado contra entidades estrangeiras)

1 - Quem atentar contra a vida, a integridade física ou a liberdade de Chefe de Estado, Chefe do Governo ou Ministro encarregado das relações externas estrangeiros no desempenho de funções oficiais em Cabo Verde, ou, ainda, de representante ou funcionário de Estado estrangeiro ou de organização internacional que, no momento do crime, gozem de protecção especial segundo o direito internacional, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - É igualmente aplicável o disposto no número anterior se os factos forem praticados contra membros da família que, consoante os casos, acompanhem ou vivam com as entidades nele mencionadas.

3 - Para efeitos do disposto neste artigo, atentado constitui tanto a tentativa quanto a consumação do facto respectivo.

Artigo 266.º
(Ultraje de símbolos estrangeiros)

Quem, publicamente, por palavras, gestos, divulgação de escrito, imagem ou som, ou qualquer outro meio de comunicação com o público, ultrajar bandeira oficial ou outro símbolo de Estado ou Território estrangeiros, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias, desde que tal facto seja considerado crime naquele Estado ou Território.

Artigo 267.º
(Incitamento à guerra ou ao genocídio)

1 - Quem, pública e repetidamente, por qualquer meio incitar ao ódio contra um povo, um grupo étnico, racial ou religioso, com a intenção de destruir, total ou parcialmente, esse povo ou grupo ou de desencadear uma guerra, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem recrutar elementos das Forças Armadas cabo-verdianas para uma guerra contra Estado ou Território estrangeiros ou para derrubar, por meios violentos, o governo legítimo doutro Estado ou Território.

Artigo 268.º
(Genocídio)

Quem, em execução de um plano concertado, e com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial, religioso ou outro, determinado a partir de qualquer critério arbitrário, praticar em relação a membros desse grupo um dos actos seguintes, será punido com pena de prisão de 15 a 25 anos:

    a) Homicídio ou grave ofensa à integridade física ou psíquica;

    b) Deportação, redução à escravidão ou sequestro seguido de desaparecimento;

    c) Sujeição a práticas sistemáticas e maciças de tortura ou tratamentos cruéis, degradantes e desumanos, susceptíveis de virem a provocar a destruição, total ou parcial, do grupo;

    d) Medidas que impeçam a procriação ou nascimentos;

    e) Transferência forçada de crianças de um grupo para outro.

Artigo 269.º
(Recrutamento de mercenários)

1 - Quem recrutar mercenários para qualquer organização ou grupo armado, nacional ou estrangeiro, que se proponha, por meios violentos, derrubar o governo legítimo ou atentar contra a soberania, a independência ou a integridade territorial de outro Estado, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2 - É mercenário quem como tal for considerado pelo direito internacional.

Artigo 270.º
(Organização para a discriminação racial)

1 - Quem fundar ou dirigir organização que desenvolva actividades de incitamento à discriminação, ao ódio ou à violência raciais será punido com pena de prisão de 3 a 8 anos.

2 - Quem fizer parte da organização referida no número anterior ou desenvolver ou participar, de forma organizada, nas actividades nele descritas, ou, ainda, quem lhes prestar assistência, nomeadamente, através de seu financiamento, será punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

3 - Na mesma pena do n.º 2 incorrerá quem, em reunião pública, ou através de qualquer meio de comunicação com o público, provocar actos de violência ou difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça ou origem étnica, com a intenção de provocar actos de discriminação , de ódio ou de violência raciais, se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição legal.

4 - Se o agente praticar os factos descritos nos n.ºs 1 e 2 usando de meios violentos, a pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se pena mais grave lhes não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 271.º
(Escravidão)

Quem reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo, alienar, ceder ou adquirir outra pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação de escravo será punido com pena de prisão de 6 a 12 anos.

Artigo 272.º
(Crimes contra pessoas protegidas em caso de conflito armado)

Quem, em violação das normas de direito internacional, em caso de conflito armado, praticar sobre qualquer pessoa objecto de protecção:

    a) Homicídio ou grave ofensa à integridade física ou psíquica;

    b) Tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano, incluindo experiências biológicas;

    c) agressão sexual

    d) Deportação, sujeição a escravidão ou raptos e sequestros;

    e) Constrangimento a serviço em forças armadas inimigas;

    f) Destruição ou subtracção de bens patrimoniais de grande valor;

será punido com pena de prisão de 10 a 20 anos, se pena mais grave não resultar da aplicação de outra disposição legal.

Artigo 273.º
(Meios de combate proibidos)

Quem, em caso de conflito armado, empregar ou ordenar o emprego de métodos ou meios proibidos de combate, ou destinados a causar sofrimentos desnecessários, ou concebidos para causar danos extensos, graves e duradouros ao meio ambiente natural, pondo em perigo a saúde ou a sobrevivência das populações, será punido com pena de prisão de 10 a 15 anos.

Artigo 274.º
(Represálias e ameaças de violência à população civil)

Quem, por ocasião de conflito armado, ou ocupação, realizar ou ordenar a realização de ataques indiscriminados ou excessivos ou a submissão da população civil a ataques, represálias, actos ou ameaças de violência, com o fim de a aterrorizar, será punido com pena de prisão de 8 a 15 anos, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 275.º
(Destruição de navio ou aeronave civis)

Quem, em tempo de guerra ou conflito armado, destruir ou danificar gravemente, em violação de normas de direito internacional aplicáveis, navio ou aeronave civis de uma potência inimiga ou neutral, de forma desnecessária e sem dar tempo ou sem adoptar as medidas indispensáveis para promover a segurança das pessoas e a conservação da documentação a bordo, será punido com pena de prisão de 8 a 15 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 276.º
(Destruição de monumentos, lugares de culto e estabelecimentos)

1 - Quem, em tempo de guerra, conflito armado ou ocupação, violando normas de direito internacional aplicáveis, destruir ou danificar gravemente, de forma desnecessária em termos militares, bens ou monumentos culturais, históricos ou científicos, ou ainda lugares de culto, que constituam património cultural ou espiritual dos povos, será punido com pena de prisão de 3 a 8 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, em idênticas circunstâncias, destruir ou danificar gravemente estabelecimentos de saúde ou destinados a fins humanitários.

Artigo 277.º
(Destruição de alvos civis)

1 - Quem, em tempo de guerra ou conflito armado, atacar bens ou alvos civis, causando a sua destruição ou inutilização, sem que uma tal operação ofereça vantagem militar definida ou que tais bens ou alvos contribuam eficazmente para a acção militar do adversário, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, nas mesmas circunstâncias, destruir, inutilizar ou subtrair bens indispensáveis à sobrevivência da população civil, desde que eles não sejam utilizados pela parte adversária em apoio directo a acções militares ou como meio de subsistência para os membros de suas forças armadas.

Artigo 278.º
(Outros crimes contra a comunidade internacional)

Quem, em tempo de guerra, conflito armado ou ocupação, realizar ou ordenar a realização de quaisquer outras infracções ou actos contrários às prescrições constantes de convenções internacionais a que Cabo Verde se obrigou a respeitar e que se refiram a condução das hostilidades, protecção dos feridos, doentes, náufragos, tratamento de prisioneiros de guerra, protecção de civis e de bens em caso de guerra, conflito armado ou ocupação, será punido com pena de prisão de 1 a 3 anos.

TITULO V
CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

Artigo 279.º
(Bigamia)

1 - Quem, sendo casado, contrair outro casamento, ou quem contrair casamento com pessoa casada, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, tendo para tal competência, realizar ou autorizar a realização de casamento nas condições referidas no número anterior.

Artigo 280.º
(Falsificação de estado civil)

1 - Quem, de forma a pôr em perigo a verificação oficial de estado civil ou de posição jurídica familiar, fizer ou omitir declarações que se traduzam em usurpar, tornar incerto, falsear, alterar, supor, ocultar ou encobrir o estado civil ou a posição jurídica familiar seus ou de outra pessoa, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, quem fizer figurar no registo civil nascimento ou outro acto inexistente.

Artigo 281.º
(Subtracção ou recusa de entrega de menor)

Quem subtrair menor, ou, por meio de violência, ameaça de violência ou de grave mal, determinar menor a fugir ou a abandonar o domicílio familiar ou o lugar onde reside com anuência de quem tem a responsabilidade de sua guarda, ou, ainda, quem se recusar a entregar menor à pessoa a quem ele esteja legitimamente confiado, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 282 º
(Substituição fraudulenta de recém-nascido)

Quem, mediante fraude ou qualquer outro artifício, proceder à substituição de um recém-nascido por outro, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Artigo 283.º
(Divulgação de falsa paternidade)

1 - Quem, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se atribuir publica e falsamente a paternidade de outra pessoa com a intenção de causar prejuízos a ela ou a terceiro, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá quem se assumir, pública e falsamente, como filho de outra, com a intenção referida no número anterior.

Artigo 284.º
(Não cumprimento de obrigação de prestar alimentos)

1 - Quem estiver obrigado a prestar alimentos, tenha condições de o fazer e não cumprir a obrigação, pondo efectivamente em perigo a satisfação das necessidades fundamentais do alimentando, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Se a obrigação vier a ser cumprida, o tribunal, atendendo às circunstâncias concretas do caso, poderá isentar o agente da pena ou declarar extinta a pena ainda não cumprida.

TITULO VI
CRIMES CONTRA A ORDEM PUBLICA E A SEGURANÇA COLECTIVA

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A ORDEM E A TRANQUILIDADE PUBLICAS

Artigo 285.º
(Impedimento ou perturbação de cerimónia fúnebre)

Quem impedir ou perturbar a realização de cortejo ou cerimónia fúnebre, por meio de actos violentos, ameaças de violência ou por qualquer outra forma que leve à perturbação da paz pública, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com multa até 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 286.º
(Profanação de lugar ou objecto de culto)

1 - Quem, de forma a perturbar a paz pública, profanar lugar ou objecto de culto ou de veneração religiosa, será punido com pena de prisão até 18 meses anos ou com pena de multa até 150 dias.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, de forma a perturbar a paz pública, ofender pessoa ou dela escarnecer em razão de sua crença ou função religiosa.

Artigo 287.º
(Impedimento ou perturbação de acto de culto)

Quem, por meio de violência ou ameaça de violência, impedir ou perturbar o exercício de culto de religião, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 288.º
(Instigação pública à prática de crime)

1 - Quem, publicamente, ou através de meio de comunicação com o público, instigar à prática de um crime determinado contra uma pessoa ou instituição, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - A pena nunca poderá ser superior à que corresponde ao crime a cuja prática se incita.

Artigo 289.º
(Apologia pública de crime)

1 - Quem, publicamente, ou através de qualquer meio de comunicação com o público, louvar ou recompensar outra pessoa por ter praticado um crime, de forma adequada a criar perigo efectivo da realização de outro crime da mesma espécie, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.

Artigo 290.º
(Intimidação pública)

Quem causar alarme ou inquietação entre a população, através de emissão de sinais ou vozes de alarme, ou de ameaça com a prática de um crime de perigo comum ou de outros meios normalmente idóneos à produção daqueles efeitos, ou, ainda, fazendo crer que vai ser cometido um crime, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 150 dias.

Artigo 291.º
(Organização criminosa)

1 - Quem fundar organização ou grupo cuja finalidade seja dirigida à prática de crimes será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.

2 - Quem chefiar ou dirigir organização ou grupo criminosos será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

3 - Quem aderir a organização ou grupo criminosos, passando a ser seu membro, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

4 - Quem apoiar ou colaborar com organização ou grupo criminosos, sem deles ser membro, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos, salvo se pena mais grave resultar da aplicação das disposições deste código à prática dos factos puníveis em que se traduza a actuação da organização ou grupo.

5 - Sem prejuízo do disposto no artigo 24.º, o tribunal poderá atenuar livremente a pena ou isentar dela o agente que impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação de organização ou grupo criminosos, ou comunicar a sua existência às autoridades competentes de modo a estas poderem evitar a prática de factos puníveis.

Artigo 292.º
(Motim)

1 - Quem, actuando em grupo, e com a finalidade de atentar contra a paz pública, tomar parte em actos de violência contra pessoas ou bens, ou em actos de obstrução de vias públicas ou de seus acessos, ou, ainda, de ocupação de instalações ou edifícios, será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias , se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição legal.

2 - Se o agente tiver dirigido ou iniciado o motim, a pena será de prisão de 6 meses a 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias.

3 - A pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se durante o motim forem utilizadas armas de fogo ou houver ameaça de sua utilização.

Artigo 293.º
(Briga)

Quando duas pessoas se ofendem, reciprocamente, no corpo ou na saúde, não se provando qual deles agrediu primeiro, a pena será de prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.

CAPITULO II
CRIMES CONTRA A SEGURANÇA COLECTIVA

Artigo 294.º
(Armas proibidas e explosivos)

1 - Quem detiver armas proibidas ou armas que sejam resultado da modificação substancial das características de fabrico de armas regulamentadas será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - Quem detiver engenho ou substância explosivos, inflamáveis, incendiários, tóxicos ou asfixiantes, ou seus componentes, fora das condições legais ou em violação das prescrições da autoridade competente, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

3 - Quem fabricar, comercializar, transportar, detiver ou estabelecer depósito de armas ou munições de guerra será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.

4 - Quem fabricar, comercializar, transportar ou estabelecer depósito dos engenhos ou substâncias referidos no n.º 2 deste artigo, fora das condições legais ou em violação das prescrições da autoridade competente, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Artigo 295.º
(Outras armas)

1 - Quem detiver arma de fogo regulamentada, ou ainda suas peças ou componentes essenciais sem possuir a autorização ou licença necessários, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Quem fabricar, comercializar, transportar ou estabelecer depósito das armas mencionadas no número anterior, será punido com pena de prisão de 1 a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

3 - Na pena de prisão até 1 ano ou de pena de multa de até 100 dias incorrerá quem detiver ou trouxer consigo arma branca ou outro instrumento, com o fim de serem usados como arma de agressão.

Artigo 296.º
(Incêndio, inundação e outras condutas especialmente perigosas)

1 - Quem provocar incêndio, nomeadamente pondo fogo a edifício, construção, meio de transporte, mata ou arvoredo, e, dessa forma, criar perigo efectivo para a vida, perigo grave para a integridade física de outrem ou perigo efectivo para bens patrimoniais alheios de elevado valor, será punido com pena de prisão de 4 a 10 anos.

2 - Na mesma incorrerá quem provocar explosão, libertar gases tóxicos ou asfixiantes, emitir radiações ou libertar substâncias radioactivas, provocar inundação ou desmoronamento ou desabamento de construção, e, dessa forma, criar o perigo descrito no número anterior.

3 - Se o perigo descrito nos nºs 1 e 2 for criado por negligência, a pena será de prisão de 2 a 6 anos.

4 - Se a conduta descrita nos n.ºs 1 e 2 deste artigo for realizada com negligência, a pena será de prisão de 6 meses a 4 anos.

Artigo 297.º
(Poluição)

1 - Quem, contrariando prescrições ou restrições ou limitações impostas por lei ou regulamento, poluir águas ou solos, ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades, poluir o ar ou provocar poluição sonora, criando, dessa forma, perigo efectivo para a vida, perigo grave para a integridade física de outrem, ou, ainda, para bens patrimoniais alheios de elevado valor, será punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Se o perigo for criado por negligência, a pena será de prisão de 6 meses a 4 anos.

3 - Se a conduta referida no n.º1 do presente artigo for realizada com negligência, a pena será de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

Artigo 298.º
(Adulteração de substâncias alimentícias ou medicinais)

1 - Quem adulterar ou falsificar substâncias alimentícias, água potável, bebidas ou substâncias medicinais, destinadas ao uso público ou ao consumo de uma generalidade de pessoas, criando, assim, perigo efectivo para a vida ou perigo grave para a integridade física de outrem, será punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem importar, vender, puser à venda, dissimular, entregar ou distribuir as substâncias adulteradas ou falsificadas mencionadas no número anterior ou as que estiverem fora do prazo de validade ou alteradas, adulteradas ou avariadas em virtude da acção do tempo, criando, desse modo, o perigo descrito no número anterior.

3 - Se o perigo for criado por negligência, a pena será de prisão de 6 meses a 4 anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias.

4 - Se a conduta descrita nos nºs 1 e 2 deste artigo for realizada com negligência, a pena será de prisão até 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 299.º
(Propagação de doença contagiosa)

1 - Quem propagar doença contagiosa, criando perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física de outrem, será punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Se o perigo for criado ou a conduta for levada a cabo por negligência, a pena será, respectivamente, a prevista no n.º 3 ou no n.º 4 do artigo antecedente.

Artigo 300º
(Alteração ou falsificação de análise ou de receituário)

1 - Quem, sendo médico, enfermeiro, técnico de saúde ou de laboratório, ou seus empregados, ou, ainda, pessoa legalmente autorizada a elaborar exame ou registo auxiliar de diagnóstico ou tratamento médico ou curativo, fornecer dados ou resultados falsos ou inexactos, criando, desse modo, perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física de outrem, será punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, sendo farmacêutico ou empregado de farmácia, fornecer substâncias medicinais em desacordo com o prescrito em receita médica, ou sem receita médica, quando tal for exigido por lei ou regulamento, criando, desse modo, o perigo descrito no número anterior.

3 - Se o perigo for criado ou a conduta referida nos n.ºs 1 e 2 deste artigo for realizada com negligência, a pena será, respectivamente, a prevista no n.º 3 ou no n.º 4 do artigo 298.º

Artigo 301.º
(Desvio ou tomada de navio ou aeronave)

Quem se apoderar ou desviar de sua rota normal navio em curso de navegação ou aeronave em voo será punido com pena de prisão de 5 a 12 anos ou de 2 a 8 anos, consoante haja ou não passageiros no momento da prática do facto.

Artigo 302.º
(Atentado contra a segurança dos transportes)

1 - Quem praticar qualquer facto adequado a provocar a falta ou a séria diminuição da segurança em meio de transporte, de modo a criar perigo efectivo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência a pena será de prisão 1 a 4 anos.

3 - Se a conduta mencionada no n.º 1 for levada a cabo com negligência, a pena será de prisão até 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 303.º
(Condução perigosa de meio de transporte)

1 - Quem conduzir veículo destinado a transporte por ar ou água, não estando em condições de o fazer em segurança, nomeadamente por estar sob a influência de drogas tóxicas, bebidas alcoólicas, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, ou violando grosseiramente as regras de condução, criando, por esse facto, perigo efectivo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de elevado valor, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos.

2 - A pena será de prisão de 1 a 4 anos, se o perigo referido no número anterior for criado por condução de veículo em via pública.

3 - Se o perigo for causado por negligência, a pena será de prisão de 1 a 4 anos, no caso do nº1, e de prisão até 2 anos ou multa de 60 a 150 dias, no caso do n.º2.

4 - Se a conduta for realizada com negligência, a pena será de prisão até 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias, no caso do n.º1, e de prisão até 1 ano ou multa até 100 dias, no caso do n.º2.

Artigo 304.º
(Atentado contra comunicações e outros serviços essenciais)

1 - Quem destruir, danificar ou inutilizar, subtrair ou desviar coisa ou energia, impedindo ou perturbando, desse modo, a exploração de serviços de comunicações ou de fornecimento ao público de água, electricidade ou energia, e criando perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou, ainda, para bens patrimoniais alheios de elevado valor, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem criar o perigo referido no número anterior, destruindo, danificando ou inutilizando instalações para aproveitamento, produção, armazenamento, condução ou distribuição de água, electricidade, gás, óleo, gasolina ou energia.

3 - Se o perigo for causado por negligência, a pena será de prisão de 1 a 4 anos.

4 - Se a conduta mencionada nos n.ºs 1 e 2 for levada a cabo com negligência, a pena será de prisão até 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 305.º
(Violação de regras de construção e danos em instalações)

1 - Quem destruir, danificar ou inutilizar aparelhos ou quaisquer outros instrumentos existentes em local de trabalho e destinados a prevenir acidentes, ou omitir a instalação de tais aparelhos ou instrumentos, em violação de disposições legais, regulamentares ou técnicas, causando, desse modo, perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou, ainda, para bens patrimoniais alheios de elevado valor, será punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem criar o perigo mencionado no número anterior, ao infringir ou não observar, no âmbito da sua actividade profissional, disposições legais, regulamentares ou técnicas relativas ao planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação.

3 - Se o perigo for causado por negligência, a pena será de prisão de 6 meses a 4 anos.

4 - Se a conduta referida nos n.ºs 1 e 2 for levada a cabo com negligência, a pena será de prisão até 2 anos ou de multa de 60 a 150 dias.

TITULO VII
CRIMES CONTRA O ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

CAPITULO I
CRIMES CONTRA A SOBERANIA E A INDEPENDÊNCIA NACIONAIS

Artigo 306.º
(Traição)

1 - Será punido por traição:

    a) Quem, por meio de violência, ameaça de violência ou usurpação de funções de soberania, ofender ou puser efectivamente em perigo a independência do país ou praticar algum acto de execução dirigido à submissão de Cabo Verde, total ou parcialmente, ao domínio de um país estrangeiro;

    b) Quem, sendo cabo-verdiano, servir debaixo de bandeira de país estrangeiro durante guerra ou acção armada contra Cabo Verde;

    c) Quem recrute em Cabo Verde gente, ou forneça armas, para o serviço de potência estrangeira ou tiver inteligências com governo, partido, associação ou agentes estrangeiros, com a intenção de promover ou provocar uma guerra ou acção armada contra Cabo Verde;

    d) Quem tiver entendimentos com governo, partido, associação ou grupo estrangeiros, ou seus agentes, com a intenção de constranger o Estado de Cabo Verde a declarar a guerra, a manter ou a não manter a neutralidade, ou, ainda, a sujeitar-se a ingerência de Estado estrangeiro em termos tais que seja posta efectivamente em perigo a independência ou a integridade territorial do país;

    e) Quem, sendo cabo-verdiano, ou estrangeiro ou apátrida residindo ou encontrando-se em Cabo Verde, em tempo de guerra ou acção armada contra Cabo Verde, tiver entendimentos com o estrangeiro ou, por qualquer forma, praticar actos com a intenção de favorecer ou ajudar a execução de operações militares contra Cabo Verde.

2 - Os factos descritos no número anterior serão punidos com pena de prisão de 10 a 20 anos, no caso da alínea a), de 8 a 15 anos, nos casos das alíneas b), c) e e), e de 3 a 8 anos, no caso da alínea d).

3 - Nos casos previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º 1, a pena será reduzida de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se não for concretizado o intento do agente do facto punível.

Artigo 307.º
(Sabotagem contra a defesa nacional)

1 - Quem prejudicar ou puser efectivamente em perigo a defesa nacional, destruindo ou danificando, no todo ou em parte, obras ou outros materiais ou meios militares, ou, ainda, vias de comunicação, transmissão ou transporte, estaleiros, instalações portuárias, fábricas ou depósitos, será punido com pena de prisão de 4 a 10 anos.

2 - Quem, com o propósito de praticar os actos referidos no número anterior, fabricar, importar, comprar, vender, ceder ou adquirir por qualquer título, distribuir, guardar ou armazenar, detiver ou usar armas proibidas, explosivos ou produtos próprios para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Artigo 308.º
(Provocação à guerra ou à represália)

1 - Quem, sendo cabo-verdiano, ou estrangeiro ou apátrida residindo ou encontrando-se em Cabo Verde, praticar actos não autorizados por entidade competente adequados a provocar uma declaração de guerra ou uma acção armada contra Cabo Verde, ou a expor cabo-verdianos a represálias em suas pessoas ou bens, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - Se os actos forem apenas adequados a expor Cabo Verde a represálias que afectem os seus interesses vitais nos domínios diplomático, económico ou social, a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 306

4 - Se o agente que praticar os factos descritos no presente artigo violou dever específico que lhe era imposto pelo estatuto da sua função, missão conferida ou serviço, a pena será aumentada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 309.º
(Violação de segredo de Estado)

1 - Quem, pondo em perigo os interesses de Cabo Verde relativos à independência nacional, à preservação da sua integridade territorial ou à sua defesa em situações de guerra ou de acção armada contra Cabo Verde, transmitir ou tornar acessível, ao público ou a pessoas não autorizadas para o efeito, documento, objecto, facto ou informação que devessem, em atenção à sua natureza e àqueles interesses, manter-se secretos, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - Na mesma pena incorrerá quem, com o propósito de praticar os actos mencionados no número anterior, colaborar com governo, serviço, grupo ou associação estrangeiros, ou seus agentes, ou recrutar ou auxiliar agente que se encarregue de praticar aqueles actos.

3 - Se os factos referidos nos números antecedentes apenas puserem em perigo os interesses de Cabo Verde relativos à condução da sua política externa, a pena será reduzida de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

4 - É aplicável o disposto no n.º4 do artigo 308.º.

Artigo 310.º
(Violação negligente de segredo de Estado)

Quem, por negligência, praticar os factos referidos no n.º 1 do artigo anterior, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 311.º
(Infidelidade diplomática)

1 - Quem, representando oficialmente o Estado de Cabo Verde, conduzir negócio de Estado, ou assumir, sem para tal estar devidamente autorizado, compromissos em nome de Cabo Verde, com a intenção de prejudicar direitos ou interesses nacionais, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos, se efectivamente se verificarem tais prejuízos.

2 - Não se verificando os prejuízos referidos no número antecedente, a pena será reduzida de metade no limite mínimo e de um terço no limite máximo.

Artigo 312.º
(Usurpação de autoridade cabo-verdiana)

Quem, com usurpação de funções, praticar, a favor de Estado estrangeiro ou seu agente, acto privativo de autoridade pública cabo-verdiana, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

CAPITULO II
CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES E OS VALORES DO ESTADO DEMOCRÁTICO

SECÇÃO I
REBELIÃO, COACÇÃO E TERRORISMO

Artigo 313.º
(Rebelião)

1 - Será punido com pena de prisão de 5 a 15 anos, se ao facto não couber pena mais grave por força de outra disposição legal, quem, por meio de violência ou ameaça de violência, praticar acto de execução dirigido a destruir, subverter ou alterar o Estado de direito democrático constitucionalmente consagrado, nomeadamente através de:

    a) Derrogação, suspensão ou modificação, total ou parcial, da Constituição vigente;

    b) Declaração de independência de parte do território nacional;

    c) Deposição do Chefe de Estado, do Governo ou dos órgãos do poder local, ou supressão de tribunais legalmente constituídos;

    d) Dissolução da Assembleia Nacional;

    e) Impedimento a que se reúnam, funcionem ou decidam livremente os órgãos de soberania ou outros órgãos do poder político constitucionalmente estabelecidos;

    f) Impedimento à realização de eleições para cargos públicos;

    g) Atentado contra a vida, a integridade física ou a liberdade de titular de órgão de soberania;

    h) Destruição, danificação ou inutilização, total ou parcial, de vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento das populações.

2 - Se os factos referidos no número anterior forem cometidos por meio de violência armada, a pena de prisão será de 10 a 18 anos.

3 - O incitamento público ou a distribuição de armas com vista à prática dos factos referidos neste artigo, ou, ainda, o incitamento público à desobediência colectiva às leis de ordem pública ou à luta política violenta, com a intenção mencionada no n.º1 deste artigo, será punido com a pena correspondente reduzida, respectivamente, de um terço ou de metade.

Artigo 314.º
(Coacção ou perturbação do funcionamento de órgão constitucional)

1 - Quem, fora dos casos mencionados no artigo anterior, por meio de violência ou ameaça de violência, impedir ou constranger o livre exercício de funções de órgão de soberania ou de autarquia local, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos ou de 2 a 5 anos, consoante se tratar daquele ou deste órgão, se pena mais grave não couber ao facto em virtude de outra disposição legal.

2 - Se os factos referidos no número anterior forem praticados contra membro de um dos órgãos nele mencionados, a pena será correspondente à referida no número anterior, reduzida de metade no limite mínimo e de um terço no limite máximo.

Artigo 315.º
(Organização terrorista)

1 - Quem fundar organização ou grupo terrorista será punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.

2 - Quem chefiar ou dirigir organização terrorista será punido com pena de prisão de 10 a 15 anos.

3 - Quem aderir a organização ou grupo terrorista, passando a ser seu membro, será punido com pena de prisão de 6 a 12 anos.

4 - A qualificação de um agrupamento como organização ou grupo terrorista exige a verificação dos seguintes requisitos:

    a) Actuação concertada de duas ou mais pessoas;

    b) Propósito de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito democrático constitucionalmente consagrado ou as suas instituições, ou de ofender ou pôr em perigo a independência ou a integridade territorial do país, ou, ainda, de criar um clima de agitação ou perturbação social;
    Utilização, como meios de actuação, da prática de crimes contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas; contra a segurança dos transportes e das comunicações; de produção dolosa de perigo comum, nomeadamente através de incêndio, libertação de gases tóxicos ou asfixiantes, contaminação de alimentos e água destinada a consumo humano, difusão de doenças e pragas; de sabotagem ou, ainda, de crimes que envolvam o emprego de armas de fogo, bombas, explosivos, substâncias inflamáveis, encomendas ou cartas armadilhadas ou meios incendiários de qualquer espécie.

Artigo 316.º
(Colaboração com organização terrorista)

Será punido com pena de prisão de 5 a 10 anos quem apoiar ou colaborar com organização ou grupo terrorista, sem deles ser membro, salvo se pena mais grave resultar da aplicação das disposições deste código à prática dos factos puníveis em que se traduza a actuação da organização ou grupo.

SECÇÃO II
ULTRAJE DE SÍMBOLOS NACIONAIS E IMPEDIMENTO AO LIVRE EXERCÍCIO DE DIREITOS POLÍTICOS

Artigo 317.º
(Ultraje de símbolos nacionais)

Quem, publicamente, por palavras, gestos, divulgação de escrito, imagem ou som, ou por qualquer outro meio de comunicação com o público, ultrajar a bandeira nacional, o hino nacional ou outro símbolo da soberania cabo-verdiana, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

Artigo 318.º
(Impedimento a livre exercício de direitos políticos)

Quem, por meio de violência ou ameaça de grave mal, impedir outrem de exercer os seus direitos políticos constitucionalmente consagrados, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, se pena mais grave não resultar da aplicação de outra disposição legal.

SECÇÃO III
CRIMES ELEITORAIS

Artigo 319.º
(Falsificação do recenseamento eleitoral)

1 - Quem proceder à falsificação do recenseamento eleitoral, nomeadamente:

    a) Provocando a sua inscrição, através de entrega ou indicação de elementos falsos, ou inscrição plúrima;

    b) Inscrevendo pessoa que sabe não ter o direito de aí se inscrever, ou impedindo a inscrição de quem sabe ter direito a fazê-lo; é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - A pena será de prisão de 1 a 4 anos se o agente, com intuito fraudulento, substituir, destruir, suprimir, violar, viciar ou compuser falsamente os cadernos eleitorais.

Artigo 320.º
(Obstrução violenta ou fraudulenta à inscrição)

Quem, por meio de violência, ameaça de violência ou artifício fraudulento, determinar eleitor a não se inscrever no recenseamento eleitoral ou a inscrever-se fora do local ou do prazo devidos, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 321.º
(Perturbação de assembleia de voto)

Quem, por meio de violência, ameaça de violência ou participando em tumulto, impedir ou perturbar gravemente a realização ou o funcionamento de assembleia destinada à eleição de órgão de soberania, de autarquia local ou de outro órgão constitucional, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 322.º
(Coacção ou artifício fraudulento sobre eleitor)

1 - Quem, com violência, ameaça de violência ou de grave mal, coagir eleitor a algum dos órgãos referidos no artigo anterior a votar ou não votar, ou a votar num certo sentido, será punido com pena de prisão até 1 ano, se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição legal.

2 - Se a prática dos factos referidos no número anterior for determinada por meio de notícias falsas, engano, ou outro artifício fraudulento, a pena será de prisão até 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 323.º
( Corrupção activa e passiva de eleitor)

1 - Quem, através da concessão de dinheiro ou de qualquer compensação ou vantagem de natureza patrimonial, levar eleitor a votar em certo sentido ou a não votar, será punido com pena de prisão de até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - O eleitor que receber dinheiro ou qualquer compensação ou vantagem de natureza patrimonial para votar em certo sentido ou não votar será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

Artigo 324.º
(Voto plúrimo)

Quem, nas eleições para os órgãos a que se referem os artigos antecedentes, votar mais de uma vez para o mesmo órgão será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

Artigo 325.º
(Falsificação de boletins de voto, actas ou documentos)

Quem, nas eleições mencionadas no artigo anterior, com intuito fraudulento, substituir, destruir, suprimir, violar, viciar ou falsear boletins de voto, actas da assembleia de voto ou de apuramento, ou documentos respeitantes à eleição, será punido com pena de prisão até 3 anos.

Artigo 326.º
(Agravação)

As penas previstas nos artigos desta secção serão agravadas de um terço no seu limite máximo, se o agente for membro de comissão eleitoral ou de recenseamento, ou de mesa de assembleia de voto, ou ainda se for mandatário de lista ou seu representante.

Artigo 327.º
(Atenuação livre ou isenção da pena)

Sem prejuízo do disposto no artigo 24.º, o tribunal poderá atenuar livremente a pena ou, mesmo, dela isentar o agente de um dos crimes previstos nos Capítulos I e II do presente Título, quando ele supuser a produção de um perigo e o agente voluntariamente fizer diminuir consideravelmente o perigo produzido pela sua conduta, ou o afastar.

CAPITULO III
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO E A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA

Artigo 328.º
(Prevaricação de magistrado)

1 - O juiz que, contra o direito e com a intenção ou a consciência de prejudicar ou beneficiar alguém, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos em processo criminal, proferir despacho ou sentença que tenha por consequência a privação da liberdade de uma pessoa ou a sua manutenção de forma ilegal, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2 - A pena será de 1 a 6 anos, se o despacho ou sentença proferidos não tiverem o efeito referido no número anterior ou se forem proferidos em outro tipo de processo.

3 - O magistrado do Ministério Público que, contra o direito e com a intenção ou a consciência de prejudicar ou beneficiar alguém, promover acto conducente à verificação da consequência referida no n.º1, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos, sendo a pena de prisão de 1 a 5 anos em caso de prática de qualquer outro acto processual, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos por lei.

Artigo 329.º
(Denegação de justiça)

1 - O magistrado que se negar a administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabe e lhe foram requeridos, ou que, com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, provocar demora ou retardamento na administração da justiça ou na aplicação do direito será punido com pena de prisão até 2 anos.

2 - Se a conduta descrita no número anterior for praticada por funcionário a pena será de prisão até 1 ano ou de multa até 100 dias.

Artigo 330.º
(Prevaricação de funcionário)

1 - O funcionário que, contra o direito e com a intenção ou a consciência de prejudicar ou beneficiar alguém, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar ou não praticar acto, em inquérito processual, processo jurisdicional, disciplinar ou por contra-ordenaçäo, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

2 - Se da conduta referida no número anterior resultar a privação da liberdade de alguém, a pena será de prisão de 2 a 6 anos.

3 - Na pena referida no número anterior incorrerá o funcionário que ordene ou execute medida privativa da liberdade, sem para tal ter competência, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 331.º
(Subtracção ou desvio de processo)

1 - Quem subtrair, destruir, fizer desaparecer ou desviar algum processo ou parte dele, livro de registo ou qualquer documento a eles relativo, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

2 - Se o facto descrito no número antecedente for praticado por funcionário ou magistrado , a pena será de prisão de 2 a 6 anos.

Artigo 332.º
(Execução ou não execução ilegais de medida privativa da liberdade)

O funcionário que, sendo para tal competente, de forma ilegal ordenar ou executar medida privativa da liberdade, ou se abstiver de a ordenar ou executar nos termos da lei, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Artigo 333.º
(Patrocínio infiel de advogado ou de solicitador)

O advogado ou solicitador que intencionalmente prejudicar causa entregue ao seu patrocínio, ou que, na mesma causa, advogar ou exercer solicitadoria relativamente a pessoas cujos interesses sabe serem conflituosos, com intenção de beneficiar ou prejudicar uma delas, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias.

Artigo 334.º
(Destruição ou sonegação de documento ou objecto de valor probatório)

O advogado ou solicitador que destruir, inutilizar, sonegar ou deixar de restituir autos, documento ou objecto probatório que recebeu naquela qualidade, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 335.º
(Violação de segredo de justiça)

Quem, de forma não permitida por lei, der conhecimento do teor de acto processual que se encontre coberto por segredo de justiça ou em que tenha sido decidido excluir a publicidade, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos, se se tratar de processo criminal, ou com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 80 dias, em caso de processo por contra- ordenaçäo ou disciplinar.

Artigo 336.º
(Encobrimento)

1 - Quem, tendo conhecimento da prática de um facto punível, e após a sua realização, prestar auxílio, sem intenção de obter benefício patrimonial, de forma a que os seus agentes possam dele, por qualquer forma, tirar proveito, ou quem ocultar ou inutilizar, total ou parcialmente, elementos probatórios, com a intenção de impedir que se descubra o facto punível, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - A mesma pena será aplicável se o favorecedor prestar auxílio com o objectivo de iludir a actividade de investigação da autoridade ou dos seus agentes, ou de se evitar a detenção ou prisão, desde que se verifique uma das seguintes circunstâncias:

    a) Ser o facto favorecido crime punível com pena cujo limite máximo seja superior a 8 anos de prisão;

    b) Ter o favorecedor actuado com abuso ou violação dos deveres inerentes ao exercício de funções públicas.

3 - A pena a que o agente venha a ser condenado não poderá nunca ser superior à prevista na lei para o facto punível objecto do encobrimento.

4 - Não são puníveis pelas disposições deste artigo o agente que, com o facto, procurar ao mesmo tempo evitar que contra si seja aplicada ou executada sanção criminal, e o cônjuge, o unido de facto, os parentes ou afins até ao segundo grau, o adoptante ou o adoptado da pessoa em benefício do qual actuaram.

Artigo 337.º
(Agravação)

Quando o facto referido no n.º 1 do artigo anterior for praticado com abuso ou violação dos deveres inerentes ao exercício de funções públicas, o agente será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos.

Artigo 338.º
(Denúncia falsa)

1 - Quem, com conhecimento de sua falsidade ou com manifesto desprezo pela verdade, imputar a pessoa determinada a prática de ilícito criminal, contra- ordenacional ou disciplinar perante autoridade ou em público, com a intenção de que contra ela seja instaurado procedimento , será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou pena de multa de 60 a 150 dias, se se tratar de imputação de crime punível com pena de prisão superior a 6 anos, com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 100 dias, em caso de imputação de outros crimes, ou com pena de multa até 80 dias nos restantes casos.

2 - Se do facto resultar efectiva privação de liberdade do ofendido, a pena será de prisão de 1 ano a 5 anos.

3 - Não poderá proceder-se criminalmente contra o agente do facto punível previsto no presente artigo, sem sentença ou despacho judicial que, sobre a infracção falsamente imputada, se tenha pronunciado.

4 - O tribunal, em caso de condenação, a requerimento do ofendido, ordenará a publicação da sentença nos termos do artigo 176.º.

Artigo 339.º
(Simulação de crime)

Quem, sem o imputar a pessoa determinada, denunciar crime que sabe ser inexistente, provocando, com tal facto, uma actuação processual, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

Artigo 340º
(Obstrução à actividade jurisdicional)

1 - Quem se opuser, dificultar ou impedir, de forma não permitida por lei, o cumprimento ou a execução de decisão judicial transitada em julgado, será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Se a conduta for levada a cabo por meio de violência ou ameaça de violência, a pena será de prisão de 1 a 4 anos, se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição legal.

3 - Se a conduta for realizada por funcionário para tal competente, a pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 341.º
(Realização arbitrária de direito próprio)

Quem, para afirmação, defesa ou realização de direito próprio, em vez de se socorrer dos procedimentos administrativos ou judiciais admitidos por lei, intimida séria e gravemente ou utiliza violência contra outrem ou sobre coisas, será punido com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição legal.

Artigo 342.º
(Falsidade por parte de interveniente em acto processual)

1 - Quem, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, declaração, informações, relatório ou tradução, prestar depoimento de parte, intervier como assistente ou parte civil em processo penal, testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, fazendo declarações e dando informações falsas, ou apresentando relatórios ou traduções falsos, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - Na mesma pena incorre o arguido que prestar falsa declarações sobre a sua identidade.

3 - Se, em consequência das condutas descritas neste artigo, alguém for privado da liberdade, o agente será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

4 - As penas previstas neste artigo são igualmente aplicáveis a quem conscientemente apresentar testemunhas, peritos ou intérpretes falsos.

Artigo 343.º
(Apresentação e elaboração de documentos falsos)

1 - Quem conscientemente apresentar documentos falsos perante as entidades referidas no artigo antecedente será punido nos termos e com as penas nele mencionadas.

2 - Se o agente for igualmente o autor da falsificação, será punido com a pena correspondente ao crime mais grave, agravada de um terço no seu limite máximo, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 344.º
(Recusa de colaboração)

Quem, sem justa causa, se recusar a depor, a prestar declaração ou informação, ou a apresentar relatório ou tradução, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

Artigo 345.º
(Retractação)

A retractação do agente que tiver praticado algum dos factos referidos nos artigos 342.º, 343º e 344º tem por efeito a isenção da pena, se ela for feita a tempo de poder ser tomada em consideração na decisão, desde que não tenham sido já causados prejuízos a terceiro.

Artigo 346.º
(Suborno)

Quem, por meio de dádiva ou promessa de vantagem patrimonial ou outra, convencer outra pessoa a praticar qualquer dos factos referidos nos artigos 342º, 343.º e 344.º, será punido como instigador daqueles factos, se eles forem efectivamente realizados, e com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, se eles não forem praticados.

Artigo 347.º
(Atenuação livre ou isenção da pena)

1 - O tribunal poderá, tendo em consideração a concreta gravidade dos factos e a relevância das circunstâncias a que disserem respeito a falsidade ou a recusa, atenuar livremente a pena ou, mesmo, dela isentar o agente dos crimes previstos nos artigos 342.º, 343.º, 344.º e 346.º.

2 - É correspondentemente aplicável aos crimes mencionados no número anterior o disposto na segunda parte do n.º 4 do artigo 336.º.

Artigo 348.º
(Coacção para obstrução à justiça)

1 - Quem, por meio de violência, ameaça de violência ou séria e grave intimidação, coagir advogado, solicitador, participante ou denunciante, perito, testemunha, tradutor ou intérprete a deixar a defesa, a não apresentar ou desistir de representação, denúncia, participação, declaração ou depoimento, informações ou relatórios, ou a apresentá-los de forma falsa, deficiente ou indevida, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos, se o objectivo não foi alcançado, e de 1 a 5 anos, caso ele seja atingido, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

2 - Se os factos forem praticados por funcionário em processo judicial, disciplinar ou por contra-ordenaçäo, a pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 349.º
(Obstrução à assistência de detido ou preso)

A autoridade ou o funcionário público que, ilegitimamente, impedir ou criar sérios obstáculos à assistência de advogado ou defensor de arguido detido ou preso, ou procurar ou favorecer a renúncia daquele à dita assistência, será punido com pena de multa até 150 dias.

Artigo 350.º
(Evasão violenta)

Quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir com o uso de meios violentos, ameaça de violência ou mediante arrombamento, será punido com a pena de 1 a 4 anos , se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 351.º
(Auxílio à evasão)

1 - Quem, por meios ilegais, libertar, promover, ou, de qualquer forma, auxiliar a evasão de pessoa legalmente privada da liberdade será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 – Se for utilizada violência ou intimidação sobre pessoas, ou ainda se for empregue violência sobre coisas, a pena será de prisão de 6 meses a 4 anos.

3 - Se a conduta mencionada nos números antecedentes for realizada por funcionário encarregado da guarda da pessoa legalmente privada da liberdade, a pena será de prisão de 1 a 6 anos, no caso do nº 1, e de 2 a 8 anos, no caso do nº 2 deste artigo.

4 - Se a conduta for realizada por funcionário que, não sendo encarregado da guarda, estiver obrigado a exercer vigilância sobre a pessoa legalmente privada da liberdade ou a impedir a sua evasão, em virtude da função que desempenha, a pena será, conforme os casos, de prisão de 1 a 5 anos ou de 1 a 6 anos.

Artigo 352 º
(Negligência grosseira)

1 - O funcionário encarregado da guarda de pessoa legalmente privada da liberdade que, por negligência grosseira, permitir a sua evasão, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - Se o agente do facto for o funcionário referido no n.º4 do artigo anterior a pena será de prisão até 1 ano ou de multa até 100 dias.

Artigo 353.º
(Motim de presos)

Os presos, detidos ou internados que se amotinarem e, concertando as suas forças, atacarem funcionário legalmente encarregado da sua guarda, vigilância ou tratamento, ou o constrangerem, por meio de violência ou ameaça de violência, a praticar ou a abster-se de praticar um acto, ou, ainda, que, por aqueles meios, promoverem a sua evasão ou a de terceiro, serão punidos com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Artigo 354.º
(Violação de outras restrições impostas em processo criminal)

Quem violar as proibições ou restrições impostas por decisão judicial proferida em processo criminal, a título de pena acessória ou medida de segurança não privativa da liberdade, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

CAPITULO IV
CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA

Artigo 355.º
(Atentado ou resistência contra autoridade)

Quem, por meio de violência ou ameaça grave contra funcionário, membro de forças militares, militarizadas ou policiais, se opuser à realização de acto relativo ao exercício de suas funções, ou constranger à prática de acto contrário aos seus deveres, será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Artigo 356.º
(Desobediência)

1 - Quem faltar à obediência, legalmente devida, a ordem ou a mandado legítimos de autoridade ou funcionário competente, comunicados da forma legalmente prescrita, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa de até 100 dias, sempre que, no caso concreto, existir disposição legal que comine a punição por desobediência ou desobediência simples.

2. A mesma pena será aplicável, quando, independentemente da existência de disposição legal, a ordem ou mandado se destinarem a dar cumprimento a decisão judicial, ou o agente seja advertido de que a sua conduta é susceptível de gerar responsabilidade criminal, ou ainda, quando a desobediência implicar perigo para a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.

3. A pena será de prisão até 2 anos ou de multa de 60 a 200 dias, nos casos em que existir disposição legal que comine a punição por desobediência qualificada.

Artigo 357.º
(Usurpação de funções)

1 - Quem exercer funções ou praticar acto próprios de funcionário, de comando militar, de força militarizada ou de ordem pública, sem para tal estar legalmente autorizado e arrogando-se essa qualidade, expressa ou tacitamente, será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

2 - A mesma pena será aplicável a quem continuar no exercício de funções públicas, depois de lhe ter sido legal e oficialmente comunicada suspensão, demissão ou proibição de exercício de funções.

Artigo 358.º
(Exercício ilegal de profissão sem perigo para a vida ou a integridade de outrem)

Quem, fora dos casos previstos no artigo 160.º, exercer profissão, para a qual lei ou regulamento exige título ou 60.5. o preenchimento de determinadas condições, arrogando-se, falsamente, essa qualidade, será punido com pena de prisão até 18 meses ou com pena de multa até 150 dias.

Artigo 359.º
(Uso ilegal de designação, sinal ou uniforme)

Quem, contra lei ou regulamento, e com a intenção de fazer crer que lhe pertencem, usar designação, sinal, uniforme ou traje próprios de função do serviço público, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.

Artigo 360.º
(Destruição ou danificação de objectos sob poder público)

Quem destruir, ocultar, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público, a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido objecto de arresto, apreensão ou providência cautelar, será punido com pena de prisão de 1 a 4 anos, se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição legal.

Artigo 361.º
(Quebra de marcas e selos)

Quem abrir, romper ou inutilizar, total ou parcialmente, marcas ou selos, apostos legitimamente por funcionário competente para identificar ou manter inviolável qualquer coisa, ou para certificar que sobre ela recaiu arresto, apreensão ou providência cautelar, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias.

CAPITULO V
ALGUNS CRIMES RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS

SECÇÃO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Artigo 362.º
(Conceito e equiparação a funcionário)

1 - Para o efeito do disposto no presente Código, a expressão funcionário abrange:

    a) Os agentes da Administração Pública central e local;

    b) Os agentes dos serviços personalizados do Estado e de outras pessoas colectivas públicas;

    c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.

2 - Ao funcionário são ainda equiparados:

    a) Os gestores e titulares dos órgãos de fiscalização e os trabalhadores das empresas públicas e das empresas de capitais públicos;

    b) Os Magistrados judiciais e os do Ministério Público.

Artigo 363.º
(Corrupção passiva)

1 - O funcionário que, directamente ou por interposta pessoa, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, dinheiro ou qualquer outra dádiva, ou a sua promessa, para praticar ou abster-se de praticar acto contrário aos deveres do cargo, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, se se concretizar o seu intento, e de prisão de seis meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, no caso contrário.

2 - Se os factos descritos no número anterior forem realizados como contrapartida ou recompensa de acto ou omissão lícitos, o funcionário será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

3 – As penas previstas nos números anteriores serão agravadas de metade dos seus limites mínimo e máximo, se os factos forem praticados por magistrado judicial ou do Ministério Público.

Artigo 364.º
(Corrupção activa)

1 - Quem, directamente ou por interposta pessoa, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra dádiva a funcionário ou a terceiro com conhecimento daquele, com o fim indicado no nº1 do artigo antecedente, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos.

2 - Se o fim for o indicado no n.º2 do artigo anterior, a pena será de prisão até 6 meses ou de multa até 80 dias.

Artigo 365.º
(Tráfico de influência)

1 - Quem obtiver, para si ou para terceiro, dinheiro ou outra vantagem patrimonial, ou a sua promessa, para, usando da sua influência, conseguir de entidade pública decisão sobre adjudicações, contratos, emprego, subsídios, encomendas ou outros benefícios, será punido com pena de prisão até 3 anos.

2 – Se a decisão que se pretender da entidade pública for contrária à lei ou a regulamentos, a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

3 - Se o agente for funcionário, a pena será de 2 a 8 anos.

4- Quem, directamente ou por interposta pessoa, oferecer ou prometer dinheiro ou outra vantagem patrimonial a terceiro com o fim indicado no n.º 1, será punido com pena de prisão até 1 ano ou de multa até 90 dias.

5 – Se a decisão que se pretender da entidade pública for a referida no n.º2, a pena será de prisão até 3 anos.

Artigo 366.º
(Peculato)

O funcionário que, em proveito próprio ou de terceiro, se apropriar ilegitimamente de dinheiro ou outra coisa móvel que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão do exercício das suas funções, será punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, se pena mais grave não couber em virtude de outra disposição legal.

Artigo 367.º
(Peculato de oneração)

Se o funcionário, com intenção de obter lucro ou outra vantagem ou compensação patrimonial, der de empréstimo, empenhar, ceder a título oneroso, ou, de qualquer forma, onerar valores ou objectos mencionados no artigo anterior, a pena será de prisão de 6 meses a 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 368.º
(Concussão)

1 - O funcionário que, abusando do cargo, ou mediante indução em erro ou aproveitamento de erro da vítima, exigir ou fizer pagar ou entregar indevidamente contribuição, taxa, emolumento, direito, multa ou coima, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias.

2 - Se o facto for praticado em proveito do agente, a pena será de prisão de 1 a 5 anos.

3 - Se o facto for praticado por meio de violência, ameaça de violência ou de grave mal, a pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 369.º
(Participação ilícita em negócios)

1 - O funcionário que, em razão do exercício do cargo, tenha que intervir em contrato ou outra operação ou actividade, e se aproveitar dessa qualidade para neles ter participação, directamente ou por interposta pessoa, com intenção de obter lucro ou vantagem patrimonial para si ou para terceiro, será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 100 a 200 dias.

2 - Se da conduta referida no número anterior resultarem prejuízos elevados para a Administração, a pena será de prisão de 1 a 4 anos.

Artigo 370º
(Defraudação de interesses patrimoniais públicos)

1 - O funcionário que, intervindo, por causa e em razão do exercício das suas funções, em leilão, arrematação ou venda pública, contratação ou recepção de mercadorias, certificação, inspecção ou recepção de obras, ou em operação de liquidação de bens ou haveres públicos, concertar-se com os interessados ou usar de qualquer artifício para defraudar um ente público, será punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou pena de multa de 60 a 150 dias, ou de prisão de 1 a 3 anos ou de multa de 80 a 200 dias, consoante se verificar efectivamente ou não a defraudação, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.

2 - Se a conduta for levada a cabo com efectivo benefício patrimonial do agente, a pena será de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber em virtude de outra disposição da lei.

Artigo 371.º
(Emprego ilegal de força pública)

O funcionário que, tendo competência para requisitar ou ordenar emprego de força pública, o fizer para impedir execução de lei, de mandado ou ordem legítimos de autoridade pública, será punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos ou com pena de multa de 100 a 300 dias.

Artigo 372.º
(Recusa de colaboração devida)

O funcionário que ilegitimamente se recusar a prestar colaboração à administração da justiça ou a qualquer serviço público, ou não a prestar, depois de ter recebido requisição legal de autoridade competente, será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 80 a 200 dias, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.

TITULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS E GENÉRICAS

CAPITULO I
PUNIÇÃO EXCEPCIONAL DE ACTOS PREPARATÓRIOS E TENTATIVA

SECÇÃO I
ACTOS PREPARATÓRIOS EXCEPCIONALMENTE PUNÍVEIS

Artigo 373.º
(Actos preparatórios não tipificados)

São punidos os actos preparatórios dos crimes previstos nos artigos 268.º, 306.º, 307.º, 308.º n.º1, 309.º nºs 1 e 2, 313.º e 315.º n.º1.

Artigo 374.º
(Actos preparatórios de falsificação tipificados)

São punidos, enquanto actos preparatórios, os actos que consistam em fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir, transportar, depositar ou guardar máquinas, aparelho, instrumento ou qualquer objecto especialmente destinado à falsificação ou alteração de moeda, de valores e títulos públicos ou de quaisquer outros objectos referidos nos Capítulos II, III e IV do Título III do Livro II do presente Código.

SECÇÃO II
PUNIÇÃO EXCEPCIONAL DA TENTATIVA

Artigo 375.º
(Enumeração de casos)

É excepcionalmente punível a tentativa dos crimes previstos nos artigos 177.º, 178.º, 179º,194.º, 202.º, 204.º, n.º1, 224.º,n.º1, 247.º, 254.º,nº 2, 255.º, 285.º, 287.º, 318.º, 319.º, n.º1, 320.º ,321.ºe 323.º, n.º 1.

CAPITULO II
PROCEDIMENTO CRIMINAL DEPENDENTE DE QUEIXA, PARTICIPAÇÃO OU DE ACUSAÇÃO PARTICULAR

SECÇÃO I
CRIMES SEMI-PÚBLICOS

Artigo 376.º
(Dependência de mera queixa)

1 - Depende de mera queixa do ofendido o procedimento criminal pelos factos puníveis previstos nos artigos 128.º, 131.º, 132.º, 134.º,136.º,137.ºn.º 1, 140.º, 152.º, 155.º, 167.º, 180.º, 181.º, 182.º, 183.º, 184.º, 186º,.189.º, nºs 1, 2 e 3, 190.º, 191.º, 192.º, 207.º, 211.º,212.º, 221.º, 222.º,223.º, 225, nº1, 281.º, 282º, 284.º e 318.º.

2 - Depende também de mera queixa do ofendido o procedimento criminal pelos factos puníveis previstos nos artigos 142.º, 143.º, 144.º, 145.º e 147.º, desde que não tenha havido suicídio ou morte da vítima, ou que a vítima seja maior de 14 anos, e pelo facto punível descrito no artigo 193 quando se refere aos artigos 183.º, 184.º, 186.º, 189.º nºs 1, 2 e 3, 190.º191.º e 192.º.

3 - Depende de mera queixa do ofendido o procedimento criminal pelos factos puníveis referidos nos artigos 194.º, 195.º, 201.º, 202.º, 203.º nº1, 204.º, 208.º, 209.º, 210.º, 214.º, 215.º, 216.º n.º1, 220.º n.º1 e 224.º n.º 1, a não ser que o agente seja cônjuge ou unido de facto, ascendente ou descendente da vítima, caso em que o procedimento criminal dependerá também de acusação particular.

4 - Também depende de mera queixa do ofendido o procedimento criminal pelo facto punível previsto no artigo 236.º, quando seja particular o ofendido.

Artigo 377.º
(Dependência de mera participação)

1 - Depende de mera participação do ofendido o procedimento criminal pelo facto punível descrito no artigo 169.º, sempre que ele exerça autoridade pública.

2 - Depende de participação do Governo de Cabo Verde o procedimento criminal pelos factos puníveis referidos nos artigos 265.º e 266.º, salvo convenção internacional em contrário, e, ainda, pelo facto descrito no artigo 311.º.

SECÇÃO II
CRIMES PARTICULARES

Artigo 378.º
(Dependência de queixa ou participação e de acusação particular)

1 - O procedimento criminal depende de queixa do ofendido e a prossecução processual depende de acusação particular, quando se trata dos factos puníveis constantes dos artigos 165.º, 166.º e 168.º, e, ainda, dos que vêm mencionados no n.º3 do artigo 376º, sempre que o agente seja cônjuge ou unido de facto, ascendente ou descendente da vítima.

2 - O procedimento criminal depende de participação do ofendido e a prossecução processual depende de acusação particular no caso do facto punível previsto no artigo 169.º, sempre que o ofendido não seja ou não exerça autoridade pública.

SECÇÃO III
CRIMES TENTADOS SEMI-PÚBLICOS E PARTICULARES

Artigo 379.º
(Remissão)

O disposto nas secções I e II deste Capítulo aplica-se aos correspondentes factos puníveis na forma de tentativa.

SECÇÃO IV
PROCEDIMENTO CRIMINAL E PROSSECUÇÃO PROCESSUAL POR ACTOS PREPARATÓRIOS

Artigo 380.º
(Natureza pública)

Os actos preparatórios excepcionalmente puníveis são crimes públicos, não dependendo de queixa ou participação o procedimento criminal, nem de acusação particular a prossecução processual.


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