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26Oct10


Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o prazo de prescrição as penas de substituição


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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 25/93.0TBSNT-A.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: PENA SUSPENSA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA PRESCRITA A PENA

Sumário: I - Não deve considerar-se como de mero expediente ou como discricionário o despacho que indeferindo a pretensão do condenado de substituição da obrigação de pagamento de determinada quantia como condição de suspensão da execução de trabalho comunitário lhe fixa prazo para comprovar aquele mencionado pagamento.

II - Sendo imposta ao condenado uma pena de suspensão de execução da prisão - pena de substituição em sentido próprio - com sujeição a cumprimento de deveres ou regras de conduta estes podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus.

III - Findo o período de suspensão, a falta de cumprimento dos deveres condicionantes da suspensão não desencadeia, automaticamente, a revogação da suspensão, pois é necessário que o condenado tenha infringido «grosseira ou repetidamente», esses deveres, o que pressupõe que a sua actuação tenha sido particularmente censurável.

IV - Não sendo possível fixar, originariamente, um período de duração da suspensão inferior ao prazo fixado para cumprimento do dever que a condiciona, também não é curial alterar depois as condições de cumprimento dos deveres impostos em termos que conduzam, na prática, a que o prazo para o cumprimento do dever condicionante da suspensão da execução seja superior ao da própria suspensão.

V - A suspensão da execução da pena como pena de substituição que é pressupõe que a sentença que a aplica determine, previamente, a pena de prisão principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída e só a revogação da suspensão determinará o cumprimento dessa pena principal (de prisão).

VI - Assim, só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

VII - Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis. Por isso, também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição.

VIII - Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.

IX - Esse prazo prescricional da pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122.º, n.º2, do C.P., mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º, do C.P., nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão. Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal.


Decisão Texto Integral:

I - Relatório

1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 25/93.0TBSNT, o arguido C… A…, melhor identificado nos autos, foi condenado, por acórdão do S.T.J., transitado em 20 de Fevereiro de 1997, nas penas parcelares de seis meses de prisão, dezoito meses de prisão e 30 dias de multa e catorze meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de três anos de prisão e trinta dias de multa, à razão de 500$00 por dia, ou em alternativa desta, em vinte dias de prisão. Ao abrigo da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, foi declarado o perdão de um ano de prisão, metade da pena de multa e toda a prisão alternativa. A referida pena única foi suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sob a condição de, no período de dois anos, o arguido pagar à firma ofendida a quantia de cinco milhões de escudos como indemnização pelo montante do prejuízo não ressarcido.

2. Em 26 de Maio de 2010, na sequência de requerimento do ora recorrente, foi proferido no referido processo o seguinte despacho (transcrição):

Por acórdão transitado em julgado no dia 20 de Fevereiro de 1997, foi o arguido C… A… condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão e 30 (trinta) dias de multa, à razão diária de Esc.: 500$00, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com a condição do mesmo, no prazo de 2 (dois) anos, pagar à ofendida a quantia de Esc.: 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), como indemnização pelo montante do prejuízo ainda não ressarcido.

Posteriormente, por requerimento datado de 4 de Novembro de 1999, veio o arguido requerer a prorrogação, por 2 (dois) anos, do prazo de pagamento da quantia supra referenciada, o que foi deferido pelo despacho de fls. 381, aí se consignando que o novo prazo concedido teria o seu terminus em 26 de Fevereiro de 2001.

Novamente, por requerimento datado de 2 de Julho de 2001, o arguido requereu o alargamento do prazo até 16 de Maio de 2002, tendo sido alargado o prazo peticionado até 20 de Fevereiro de 2002 (fls. 391 e 391 verso).

Conforme resulta de fls. 360, o arguido procedeu apenas ao pagamento da quantia de Esc. 4.000.000$00, justificando a sua omissão no facto de ter estado preso até 18 de Maio de 2007 e nas dificuldades económicas por que passa.

Por essa razão, pelo despacho de fls. 468, datado de 24 de Julho de 2009, foi-lhe concedido novo prazo de 6 (seis) meses para pagamento da quantia remanescente.

Vem agora de novo o arguido, através do requerimento que antecede, pedir a modificação da condição imposta, substituindo-se a mesma por trabalho comunitário, ou a prorrogação do prazo para pagamento da indemnização, pagando o mesmo uma quantia mensal entre os € 80 (oitenta euros) e os € 100 (cem euros).

O Digno Procurador da República pronunciou-se pelo deferimento do pagamento da quantia em falta em prestações mensais de € 85 (oitenta e cinco euros).

Cumpre decidir.

Pese embora sejamos sensíveis às dificuldades económicas alegadas pelo arguido, não podemos, uma vez mais, deferir a sua pretensão, sob pena de frustração - irremediável - das finalidades que estiveram presentes na aplicação da pena, as quais, aliás, foram já postas em causa dado o lapso de tempo decorrido.

Com efeito, tendo o acórdão transitado em julgado em 20 de Fevereiro de 1997, decorreram sobre o mesmo mais de 13 (treze) anos, verificando-se terem sido manifestamente excedidos, quer o prazo para pagamento da condição de que depende a suspensão da execução da pena, que foi fixado inicialmente em dois anos, quer o próprio período de suspensão, que era de cinco anos.

Ora, se o arguido esteve preso, não o esteve durante todos estes anos, sendo manifesto, em nosso entender, que o mesmo não fez tudo o que era possível para cumprir a condição imposta, descurando esse mesmo cumprimento.

Depois, deferir a prorrogação, uma vez mais, nos termos peticionados, considerando que numa média de € 100 (cem euros) mensais, o arguido teria ainda cerca de 4 (quatro) anos pela frente, até pagar os € 5.000 (cinco mil euros) em dívida, seria inviabilizar, de todo, a pretensão punitiva do Estado.

Não se vislumbra, igualmente, e salvo melhor opinião, fundamento legal para a modificação da condição imposta.

Assim, por todo o exposto, indefiro o ora requerido pelo arguido.

Notifique, sendo o arguido para comprovar nos autos o pagamento da quantia ainda em dívida, concedendo-se-lhe para o efeito o prazo até 1 de Setembro do corrente ano, improrrogável.

Notifique, devendo o arguido sê-lo pessoalmente.

3. Inconformado com o despacho transcrito, dele recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

A) Todos os requerimentos do requerente a solicitar a prorrogação do período de pagamento do dever imposto pelo Tribunal invocaram e comprovaram, sempre a sua séria dificuldade económica e monetária.

B) Ao longo destes 13 anos deveria ter sido analisado criteriosamente, à luz do preceituado no artigo 51.º, n.º 3, do Código Penal, a possibilidade de cumprimento do dever imposto pelo Tribunal.

C) Deverá ser observado o princípio da razoabilidade na possibilidade de cumprimento do dever imposto nos presentes autos, apreciando, também, a alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a execução da pena e consequentemente a revogação da suspensão.

D) O indeferimento da modificação do dever imposto pelo Tribunal a quo viola do direito fundamental do requerente à alimentação, à saúde, ao vestuário e ao calçado, uma vez que põe em causa o mínimo necessário à sua subsistência.

E) A pena prescreve quando tiverem decorrido 10 (dez) anos após o seu trânsito em julgado, pelo que a pena aplicada, nos presentes autos encontra-se actualmente prescrita;

F) Pelo que com a decisão recorrida foram violados os artigos 51.º, n.º2 e 3 do Código Penal.

Termos em que, se impõe a revogação do despacho recorrido nos termos e com as consequências supra invocadas, devendo ser declarada prescrita a pena aplicada nos presentes autos, ou se assim não for, ser aplicada, em alternativa, um dos pedidos solicitados pelo ora Requerente.

4. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, concluindo que o despacho judicial em causa não é recorrível, que a pena não está prescrita e que, em todo o caso, deverá ser negado provimento ao recurso.

5. Admitido o recurso, mantido o despacho recorrido e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu o parecer de fls. 220 e 221, no qual sustentou que o despacho em causa é susceptível de recurso, mas que este não merece provimento.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., foi apresentada resposta em que se reiteram, no essencial, as razões já apresentadas.

Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II - Fundamentação

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a debater e decidir:

- se deve ser mantido o despacho de indeferimento da requerida modificação do dever imposto ao recorrente pelo Tribunal a quo como condicionante da suspensão da execução da pena;

- se a pena aplicada ao recorrente terá prescrito.

Antes, porém, a questão da recorribilidade do despacho recorrido, tendo em vista a posição do M.P. junto da primeira instância.

3. Apreciando

Passamos, agora, a apreciar as questões colocadas, dando precedência, porém, à questão da recorribilidade do despacho em causa.

3.1. O Ministério Público junto da 1.ª instância pronunciou-se no sentido de que a decisão recorrida não é susceptível de recurso.

Dispõe o artigo 400.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., que não é admissível recurso de despachos de mero expediente.

A doutrina tem definido os despachos de mero expediente como aqueles que têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual, que não importem decisão, julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito, sendo, por isso, insusceptíveis de ofender direitos processuais.

Como referem Leal Henriques e Simas Santos (Código de Processo Penal Anotado, 2000, II, 671), tais despachos resumem-se, em princípio, aos despachos de carácter meramente interno que dizem respeito às relações hierárquicas administrativas entre o juiz e a secretaria, reportando-se apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes (sobre os conceitos de despacho de mero expediente e despacho discricionário, veja-se Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º, 178/187).

Por sua vez, a alínea b) do mesmo preceito estabelece que não é admissível recurso de decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal, reportando-se esta alínea a decisões judiciais proferidas no exercício de poderes discricionários no processo, cujo critério de decisão é a oportunidade e a conveniência.

No caso em apreço, reconhecendo-se que a questão poderá não ser pacífica, atendendo a que a decisão recorrida não se pronunciou quanto à revogação ou não da suspensão da execução da pena imposta, certo é que acabou por tomar posição e indeferir as pretensões que o recorrente formulara nos autos, no requerimento que lhe deu origem, pelo que, a nosso ver, não deve ser qualificada como de mero expediente, nem como despacho discricionário.

Por conseguinte, consideramos que o despacho em causa admite recurso.

3.2. Compulsados os autos, recolhemos os seguintes elementos:

1) O recorrente C… A… foi condenado, por acórdão do S.T.J., transitado em 20 de Fevereiro de 1997, nas penas parcelares de seis meses de prisão, dezoito meses de prisão e 30 dias de multa e catorze meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de três anos de prisão e trinta dias de multa, à razão de 500$00 por dia, ou em alternativa desta, em vinte dias de prisão. Ao abrigo da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, foi declarado o perdão de um ano de prisão, metade da pena de multa e toda a prisão alternativa. A referida pena única foi suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sob a condição de, no período de dois anos, o arguido pagar à firma ofendida a quantia de cinco milhões de escudos como indemnização pelo montante do prejuízo não ressarcido.

2) Em 16 de Junho de 1999, a ofendida comunicou ao tribunal que o condenado, para pagamento da referida indemnização, tinha feito a entrega da quantia de quatro milhões de escudos, equivalente ao valor da venda do andar de que era proprietário, acrescentando que nenhuma outra quantia havia sido paga.

3) Em 22 de Setembro de 1999, o condenado informou nos autos que não lhe tinha sido possível pagar a integralidade da quantia indemnizatória, não tendo património ou outros meios de subsistência para além dos provenientes do trabalho, pelo que «não lhe foi de todo possível realizar valores que pudessem, parcial ou totalmente, vir a cumprir a obrigação que lhe foi imposta», alegando ter estado intermitentemente desempregado. Apresentou documentos e indicou uma testemunha.

4) Por despacho de 16 de Maio de 2000, o M.mo Juiz, reconhecendo que «não existem dúvidas de que o arguido procurou cumprir a condição de que ficou dependente a suspensão da execução da pena em que foi condenando, bastando, para tanto, atentar no facto de se ter desfeito do andar em que vive e com o produto da sua venda ter pago parte da importância que ao queixoso foi determinado que pagasse», e ainda que «não vemos, pois, que o atraso no cumprimento integral da condição se deu a culpa do arguido», acabou por prorrogar o prazo fixado para cumprimento da condição até ao dia 26 de Fevereiro de 2001.

5) Em 2 de Julho de 2001, o condenado deu conhecimento de que não lhe tinha sido possível pagar a quantia em falta, estando a viver do subsídio social de desemprego, tendo junto, para comprovação, documento emitido pela Segurança Social.

6) Por despacho de 10 de Abril de 2002, foi determinada a notificação do condenado para fazer prova do pagamento da quantia ainda em falta, notificação que não foi efectuada por não ser localizado o condenado.

7) Entre 9 de Março de 2004 e 21 de Maio de 2007, o condenado esteve preso à ordem de outro processo (atende-se, nesta parte ao que consta da motivação do recurso e que foi corroborado pelo Ministério Público junto da 1.ª instância na respectiva resposta).

8) Por despacho de 15 de Outubro de 2008, voltou a ser determinada a notificação do condenado para vir demonstrar o cumprimento da obrigação a que estava adstrito.

9) Na sequência de notificação, veio o condenado informar que havia estado preso, que estava em liberdade condicional, que entretanto não teve mais do que trabalhos precários, tendo sido apoiado pela Santa Casa da Misericórdia, juntando documentos para comprovação de que obtivera a concessão do rendimento social de inserção e que de havia requerido a reforma antecipada.

10) Por despacho de 24 de Julho de 2009, foi determinado que os autos aguardassem por 6 meses, notificando-se o condenado para, nesse prazo, proceder ao pagamento da quantia remanescente de que depende a suspensão da execução da pena.

11) Veio o condenado, entretanto, informar nos autos, além do mais, que estava reformado, auferindo 349,06 € de pensão, vivendo numa casa arrendada, com a companheira, desde Agosto de 2007, que partilha com a senhoria que, em troca de cuidados diários, apenas recebe 20,00€ de renda mensal; não tem património em seu nome e com a idade torna-se cada vez mais difícil arranjar emprego permanente, não tendo condições mínimas para cumprir o pagamento da quantia remanescente.

Consequentemente, requereu que, em substituição da condição imposta, lhe fosse fixada a prestação de trabalho comunitário ou, em alternativa, a prorrogação do prazo de pagamento, dispondo-se a pagar mensalmente um valor entre 80,00€ e 100,00 €.

12) Na sequência, foi proferido o despacho recorrido, acima transcrito.

3.3. Estando em causa, no presente recurso, a pretendida alteração das condições da suspensão da execução da pena, mostra-se conveniente começar por tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre o regime e natureza desta pena (no que se retomam as considerações desenvolvidas a este respeito no Acórdão da Relação de Coimbra, de 16 de Janeiro de 2008, do mesmo relator, no Proc. N.º 21/03.1 GTGRD-A.C1).

3.3.1. O artigo 50.º, n.º1, do Código Penal (doravante designado de C.P.), na redacção vigente à data da condenação do recorrente, dispunha: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos (não superior a 5 anos, actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro), entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).

Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

No seio da Comissão, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J. Tem particular interesse a discussão travada na 17:ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964, e bem assim na 22.ª sessão, de 10 de Março).

O Prof. Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:

«(…) as "novas" penas, diferentes da de prisão e da de multa, são "verdadeiras penas" - dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros "institutos especiais de execução da pena de prisão" ou, ainda menos, "medidas de pura terapêutica social". E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).

O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como "a mais importante das penas de substituição" (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329). Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).

A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias. Assim, do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

3.3.2. Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por sua vez, constituía pressuposto formal de aplicação da suspensão da prisão, ao tempo da condenação do recorrente, que a medida desta não fosse superior a 3 anos (actualmente 5 anos).

3.3.3. O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C. P.Penal.

Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova. O n.º 3 do artigo 50.º, do C.P., previa a imposição cumulativa do regime de prova e dos deveres e regras de conduta. A revisão de 2007 alterou o mencionado preceito, que passou a prever, apenas, a cumulação entre si dos deveres e regras de conduta. Porém, o artigo 54.º, relativo ao chamado «plano de reinserção social» em que assenta o regime de prova, admite a possibilidade de o tribunal impor deveres e regras de conduta.

Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51.º, n.º 1, do C. P., enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52.º, do mesmo diploma.

Os deveres e as regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P, na redacção em vigor na data da decisão condenatória).

3.3.4. No que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências.

Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de "plano de reinserção"), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão.

Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão (pena principal) fixada na sentença.

Saliente-se que, conforme assinala o Prof. Figueiredo Dias, entre as condições da suspensão de execução da prisão, subjacente mesmo à chamada suspensão simples, avulta a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. O cometimento de um crime no decurso do período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o juízo de prognose favorável suposto pela aplicação da pena de suspensão (ob. cit., p. 355).

No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não distingue, ele pode ser doloso, como pode ser negligente.

Porém, nem mesmo o cometimento de crime desencadeia, de forma automática a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do n.º1, do aludido artigo 56.º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura de jure condendo, ob. cit., p. 357).

3.3.5 Quando, decorrido o período da suspensão da execução da pena, não existam motivos que possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta (artigo 57.º, n.º 1, do C. Penal).

Se estiver pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, ou estiver pendente incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e quando não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão (artigo 57.º, n.º 2, do C. Penal, na redacção em vigor na data da condenação).

3.4. Feito este excurso pela natureza e regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão, afigura-se-nos que, salvo melhor opinião, os procedimentos adoptados nos autos não têm sido os mais conformes ao regime legal.

Veja-se que decorridos cerca de 13 anos e 8 meses desde o trânsito em julgado do acórdão condenatório e transcorridos cerca de 8 anos e 8 meses desde o fim do decurso do período de suspensão, continua a pender sobre o recorrente a «espada de Dâmocles» da eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Mais: continua a discutir-se o alargamento do prazo para cumprimento do dever que condiciona a suspensão da execução da pena.

A nosso ver, decorrido o período de suspensão - findo em 20 de Fevereiro de 2002 -, impunha-se averiguar da existência de processo pendente por crime que pudesse determinar a sua revogação (o que foi feito, verificando-se não estar pendente qualquer processo nessas condições), havendo, outrossim, que averiguar das razões do incumprimento por parte do condenado do dever que condicionava a suspensão (o que se traduz no «incidente por falta de cumprimento dos deveres, a que se refere o n.º2 do artigo 57.º do C.P.).

Como já se disse, findo o período de suspensão, a falta de cumprimento dos deveres condicionantes da suspensão não desencadeia, automaticamente, a revogação da suspensão, pois é necessário que o condenado tenha infringido «grosseira ou repetidamente», esses deveres, o que pressupõe que a sua actuação tenha sido particularmente censurável.

No caso, o tribunal, em vez de recolher os elementos que julgasse pertinentes para, finalmente, ajuizar sobre a circunstância de o condenado ter pago, apenas, 4.000.000$00 dos 5.000.000$00 da indemnização condicionante da suspensão, tendo em vista que a falta de cumprimento das condições da suspensão não determina, automaticamente, a revogação da suspensão - no pressuposto de que só a inconciliabilidade do incumprimento (culposo, entenda-se) com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir à respectiva revogação -, optou por protelar o seu juízo sobre a situação.

Veja-se que o prazo de cumprimento da condição foi prorrogado até 26 de Fevereiro de 2001; em 2 de Julho do mesmo ano, o condenado informou que não lhe tinha sido possível pagar o remanescente em falta e apresentou as suas justificações e, ainda assim, continuaram as notificações (ou tentativas de notificação, pois o tribunal não se apercebeu de que, entretanto, o condenado esteve a cumprir pena de prisão por mais de 3 anos) para que se fizesse prova do cumprimento integral do dever condicionante da suspensão.

Tais notificações continuaram em 2008 e 2009, sendo que em 24 de Julho de 2009 ainda se fixaram mais 6 meses para pagamento da quantia remanescente.

Salvo melhor opinião, do mesmo modo que não se vislumbra que seja possível fixar, originariamente, um período de duração da suspensão inferior ao prazo fixado para cumprimento do dever que a condiciona, também não será curial alterar as condições de cumprimento dos deveres impostos em termos que conduzam, na prática, a que o prazo para o cumprimento do dever condicionante da suspensão da execução seja superior ao da própria suspensão.

Neste quadro, temos como evidente que a pretensão formulada pelo recorrente, no sentido de ser alterado o dever que condiciona a suspensão, não podia ser acolhida.

3.5. No quadro das conclusões apresentadas, coloca-se a questão da prescrição da pena principal.

Pretende o recorrente que a pena de prisão em que foi condenado se encontra prescrita pelo decurso do prazo de dez anos previsto no artigo 122.º, n.º1, alínea c), do C. Penal.

A prescrição é de conhecimento oficioso, devendo ser conhecida em qualquer fase do processo e em qualquer tribunal, pelo que estamos habilitados a apreciar a questão.

Vejamos:

3.5.1. Como se disse supra, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é, pressupõe que a sentença que a aplique determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída.

Só a revogação da suspensão da execução da pena determinará o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (pena principal).

Por conseguinte, é facilmente compreensível que o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão (pena principal) não possa ocorrer enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição).

Na versão originária do Código Penal, a propósito da suspensão da prescrição da pena, determinava o artigo 123.º, n.º1, alíneas a) e b):

«1 - A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar;

b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena; (…).»

Com a revisão do Código levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a matéria da suspensão da prescrição da pena passou a constar do artigo 125.º, com a seguinte redacção:

«1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;

b) Vigorar a declaração de contumácia;

c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou

d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2.A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».

Em relação à versão originária do Código Penal de 1982, nota-se na alínea c) do nº 1 a eliminação da referência à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena.

Significa essa alteração que o legislador pretendeu eliminar a suspensão da execução da pena como causa de suspensão da prescrição da pena principal?

Diz-nos Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., p. 466): «Em relação à versão originária, notam-se agora as referências às medidas de segurança (…) Nota-se ainda, na al. c), do n.º1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito.»

Anteriormente, Figueiredo Dias, reportando-se à alínea b) do artigo 123.º, n.º1, na versão originária do Código Penal de 1982, observava: «(…) a actual al. b) do art. 123.º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são "outras penas" e cabem por isso na primeira parte do preceito» (ob. cit., p. 715).

Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena, para os citados autores, constitui uma causa de suspensão da prescrição da pena principal, prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 125.º, sendo abrangida pela expressão: «o condenado estiver a cumprir outra pena». Nesta interpretação, a redacção originária do Código Penal pecava por redundância (neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 1 de Março de 2006, proc. 0545190, www.dgsi.pt).

Porém, a circunstância da actual redacção da alínea c) do n.º1 do artigo 125.º referir, no plural, a «pena ou medida de segurança privativas da liberdade» poderá dificultar a apontada interpretação, já que a suspensão da execução, como pena de substituição, não tem a natureza de pena privativa da liberdade.

Em sentido diverso, mas que ainda assim considera o decurso do período de suspensão da execução da pena como suspensivo da prescrição da pena principal, pronunciou-se o S.T.J., por Acórdão de 19 de Abril de 2007 (processo 07P1431, www.dgsi.pt), entendendo que entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125.º, n.º1, alínea a), do C.Penal.

Como refere, com clareza, a Relação de Évora, em Acórdão de 10 de Julho de 2007 (proc. 912/07-1, www.dgsi.pt, tendo como relator o Dr. João Latas), partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Realmente, lê-se neste aresto: «não obstante a pena principal ser fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr arts 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum.»

E acrescenta: «Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só o trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122.º n.º2 do C. Penal, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.»

Estas observações, que temos como inteiramente correctas, permitem-nos concluir que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Regressando ao caso em apreço, temos que o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão aplicada ao recorrente - prazo de 10 anos, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º1, alínea c), do C.P.) - só começaria a correr com o trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão (pena de substituição).

Tal despacho nunca foi proferido, pelas razões supra expostas, pelo que se conclui não ter ocorrido a prescrição da pena principal.

3.5.2. Não acaba aqui, porém, a matéria da prescrição.

É que, se a pena principal não prescreveu, importará indagar se a pena de substituição não terá prescrito, questão que também é de conhecimento oficioso.

Trata-se de matéria pouco tratada, mas de inegável importância, a merecer algumas reflexões.

Como já se disse, repetidamente, a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão.

Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis.

Assim, também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição.

Já se realçou que a extinção da pena a que se refere o artigo 57.º, n.º1, do C. P., não é automática. Por um lado, tal extinção tem que ser declarada; por outro, essa declaração só é possível depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que se verifique que não há «motivos que possam conduzir à sua revogação», o que significa que, decorrido o período de suspensão, o tribunal deve averiguar da existência de qualquer condenação que obste àquela decisão, ou processo ou incidente pendentes que possam determinar a revogação, porque neste caso a pena só é declarada extinta «quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão» (artigo 57.º n.º 2 do C.P.).

Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25 de Novembro de 2003 (proc. 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56.º e 57.º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição.

O que significa, afinal, que o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.

Entendemos, pois, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.

Neste sentido, já se pronunciou a Relação de Coimbra, em Acórdão de 4 de Junho de 2008, do mesmo relator deste (Processo 63/96.1TBVLF.C1, disponível em www.dgsi.pt; referindo-se à prescrição da pena de substituição, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 17.03.2009, Processo 328/98. 8GAACB-B.C1, disponível em www.dgsi.pt; também com muito interesse, o parecer do Procurador Geral Adjunto Dr. João Rodrigues do Nascimento Vieira, de 3.09.2009, no Processo - 1229/92.9SDLSB-A.L1, disponível na página da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa).

No caso em apreço, o acórdão condenatório transitou em julgado em 20 de Fevereiro de 1997, sendo de cinco anos o período de suspensão.

A execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória, conforme resulta do artigo 50.º, n.º5, do C. Penal.

Verificando-se o não cumprimento da obrigação condicionante da suspensão, o tribunal decidiu, por despacho de 16 de Maio de 2000, alargar até ao dia 26 de Fevereiro de 2001 o prazo para o cumprimento daquela obrigação.

Mais de oito anos e oito meses depois de terminado o prazo de suspensão da execução da pena, o tribunal recorrido continua sem declarar a extinção da mesma e sem a revogar.

Ora, a nosso ver, salvo melhor opinião, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão (com a prorrogação que entretanto fosse decretada), só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (artigo 57.º, n.º1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.

No seguimento do Acórdão da Relação de Évora, de 10 de Julho de 2007 (citado supra), também nós entendemos que as penas de substituição constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas susceptíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para multa de substituição e a PTFC como para a pena suspensa, sendo o respectivo prazo prescricional de 4 anos - artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.

Prescrição que, quanto à pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122.º, n.º2, do C.P., mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º, do C.P., nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal.

No caso vertente, alongou-se de forma desmesurada o incidente relativo ao incumprimento do dever condicionante, chegando mesmo o processo a estar sem andamento verdadeiramente relevante por não se atentar na circunstância de o condenado, entretanto, ter sido preso à ordem de outro processo.

Não é aceitável que, pela morosidade na resolução do incidente, a decisão sobre a suspensão da execução da pena - revogação ou extinção da pena - seja protelada, tendo passado cerca de 13 anos e 8 meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória e cerca de 8 anos e 8 meses depois de transcorrido o período de suspensão.

Atente-se que em Julho de 2009 ainda estava o condenado a ser notificado para o pagamento da quantia remanescente da indemnização (de que já pagara 80%), quando o prazo alargado para pagamento dessa indemnização (como obrigação condicionante da suspensão) terminara mais de 8 anos antes, em 26 de Fevereiro de 2001.

Termos em que, excedido o referido prazo prescricional (mesmo que se considere como de suspensão o período de cumprimento de pena de prisão à ordem de outro processo), sem que se identifiquem quaisquer outras causas que o pudessem suspender, há que considerar extinta a pena de substituição, por prescrição, procedendo, assim, ainda que com diferentes fundamentos, o recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.

III - Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta ao recorrente.

Sem custas.

Lisboa, 26 de Outubro de 2010

Jorge Gonçalves
Carlos Espírito Santo

[Fonte: Bases Jurídico-Documentais, Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, Ministério da Justiça, República Portuguesa.]

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