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16mar18


Salvo melhor juízo


A vereadora Marielle Franco, cuja trágica ausência acaba de empobrecer as atividades comunitárias do Rio de Janeiro, tornou-se - diga-se antes de tudo - credora, no calor de suas convicções, do respeito e da admiração dos cariocas, independentemente de ideologias e cores partidárias, pois nem sempre fossem suas ideias detentora de apoios unânimes. Pouco antes de tombar sob balas assassinas, ela deixou, em forma de testamento político, uma crítica contundente à intervenção federal nos organismos da Segurança Pública da cidade. Uma carta em que, nas horas derradeiras, ela opinou que a decisão intervencionista é, na sua essência, uma armação contra as minorias; e minorias, nos seus segmentos mais sofridos: os negros, os muito pobres, as mulheres negras e pobres. O texto foi encaminhado ao JB e a ele damos publicidade nesta edição.

A crítica da vereadora à intervenção favorece uma outra reflexão, que certamente contrasta com a dela, sem que nisso se negue seu ideal combativo. Porque a decisão do governo federal de socorrer o Rio, quando lhe fugia um mínimo de segurança, foi, na verdade e antes de tudo, uma reação à banalização da morte dos cariocas, onde as faixas que preocupavam Marielle são exatamente as vítimas preferenciais do descalabro a que fomos todos condenados.

Não há o que negar: as estatísticas sinistras do sangue inocente que corre nas nossas ruas revelam a preferência das quadrilhas pelos pobres, pelos pardos, negros, pelas moças e senhoras indefesas. São também esses os que, com maior frequência, vão chorar sobre os meninos tombados pelas balas perdidas. Os pobres padecem, muito mais que os brancos e os ricos, porque estes, mesmo vivendo os perigos da violência, ainda dispõem de algum recurso de defesa, têm casas com segurança, não precisam subir o morro dominado pelo crime.

A ilustre ausente certamente sabia que, no quadro das dificuldades em que vivem as mulheres, principais vítimas dessa violência que no Rio grassou mais que a febre amarela, são as negras, as pobres, as excluídas as primeiras a serem chamadas ao sacrifício. Os números a esse respeito não sofismam. Basta conferir.

É indispensável mostrar, até em respeito à memória da vereadora e às preocupações que regeram seu mandato, que sem distinção de classes e de gêneros, a intervenção se fez necessária, e até tardava, diante de uma cidade sob clima de guerra civil; guerra não declarada, mas nem por isso diferente em seus efeitos. Chegamos a esse ponto. Outro caminho a população não tinha, além de apelar aos recursos federais; uma tentativa de levar aos cariocas um mínimo de paz, sem perseguições pré-concedidas, sem disparar armas a ermo, exatamente o oposto ao que fazem os bandidos. Isso parece tão claro, que não aceitá-lo só por força de imaginações tendenciosas.

Na verdade, seria impossível conceber de outra forma. Imagine-se a absurdez de uma decisão do governo de mobilizar recursos e localizar em uma cidade suas prioridades militares, se a missão fosse o horror de eliminar os pobres e escolher etnias para atacar. Estaríamos diante de intolerável inversão de papéis e de responsabilidades: a sociedade confiscando aos bandidos o mal indiscriminadamente.Não há como imaginar tamanha insensatez.

O reparo, oportuno e respeitoso que se impõe à proclamação derradeira da vida da vereadora, nada mais pretende além de contribuir para a correta interpretação dos fatos e da realidade que vivemos no Rio de Janeiro. A interventoria não age com ações inspiradas em preconceitos, mas em conceitos. E vale insistir: não podia ser diferente. Se fosse para desviar seus objetivos ela já teria sido repudiada pelos cariocas.

Os resultados que esperamos alcançar até o fim do ano, prazo a que o governo se deu para cumprimento da missão, obtida a depuração dos aparelhos de segurança, depois de contido o crime organizado, restabelecida a confiança da população em seus representantes, certamente haverão de contemplar, em primeiro lugar e prioritariamente, os condenado à exclusão os que para ela caminham. Os bons resultados serão uma forma de honrar a memória da vereadora Marielle Franco. Porque por ela o melhor que se poder fazer é mostrar que os beneficiários preferenciais são exatamente os que ela supunha vítimas de uma intervenção agressora.

[Fonte: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16mar18]

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