Seqüestro no Cone Sul
Afinal denunciados!

Concluída a coleta de dados e formalizado o inquérito, foram os autos encaminhados à Justiça Federal, enquanto a sindicância prosseguia no Conselho Superior de Polícia.

Tanto o Governador Guazelli quanto seu substituto, Amaral de Souza, inclinaram-se pela competência da Justiça Federal. A Ordem dos Advogados, todavia, afirmava que o órgão competente para o julgamento era a Justiça do Estado.

O Procurador da República -- Amir J. Finochiaro Sarti -- esposava a mesma opinião da OAB e, em parecer ao Juiz Federal Hervandil Fagundes, afirmava que não se podia constatar qualquer ofensa à União Federal, daí porque requereu a remessa dos autos ao Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Aceita a arguição de incompetência, por longo e bem fundamentado despacho, em 3 de março de 1979 eram finalmente denunciados, por ato do Promotor Dirceu Pinto, o Delegado Pedro Carlos Seelig e o Inspetor de Polícia Orandir Portassi Lucas, por crime de abuso de autoridade.

A denúncia retratava os fatos e fundamentava-se na identificação de Orandir -- feita por Luís Cláudio e Scalco -- e de Pedro Seelig -- que fora reconhecido por Camilo. Ao final, requeria instauração de açao penal e demais medidas, nos termos da Lei, até julgamento e condenação dos acusados.

Os réus também riem. Da esquerda para a direita, o advogado Oswaldo de Lia Pires e seus clientes: Pedro Carlos Seelig e Orandir Portassi Lucas - Didi Pedalada - em 11 de junho de 1979, na 3ª Vara Criminal.
(Foto cedida por Paulo Dias, da Cia. Jornalística Caldas Júnior)

Entre as providências, incluíam-se diligências que vieram a se tornar essenciais para a comprovação dos fatos. Duas se destacavam -- a primeira pedia nova perícia no bilhete, nos seguintes termos:

"Seja realizada uma perícia grafotécnica no bilhete atribuído à autoria de Lilian, para responder aos seguintes quesitos (não abrangidos pela perícia realizada na Polícia Federal):

1° -- é do mesmo punho escritor o corpo do bilhete e a assinatura "Lilian Elvira Celibertf constante ao pé do bilhete?

2° -- é do mesmo punho a assinatura constante no contrato de locação -- Lilian Elvira Celiberti -- e a constante no corpo do bilhete dirigido ao locador Jayme Plavnik?"

A segunda medida importante constituía numa diligência junto ao agente da Estação Rodoviária de Bagé no sentido de que se obtivesse o nome do funcionário que preenchera a lista de passageiros na data da viagem.

Em 5 de março, o Juiz da 3ª Vara Criminal, António Carlos Netto Mangabeira, recebia a denúncia, determinando o cumprimento das diligências requeridas.

Inconformados, os policiais -- que agora eram réus -- impetraram, por seu advogado, Oswaldo de Lia Pires, habeas corpus sustentando a incompetência da Justiça do Estado e pleiteando a nulidade do despacho que recebia a denúncia.

Devido ao fato de que, em abril de 1978, Lilian havia viajado ao Brasil com o nome de Maria Feirante e à circunstância de Universindo ter passaporte falso em nome de Luiz Piqueres de Miguel, Lia Pires invocava conexão aos crimes de falsidade documental, estes, sim, de competência da Justiça Federal.

O Procurador fora suficientemente claro no exame desse problema. Não havia, segundo Amir Sartí, nenhum vínculo entre os crimes, devendo cada um ser julgado pela Justiça a que competia. E, como até aquele momento não se registrará qualquer denúncia, na Justiça Federal, relativa à fnlsificaçat) das assinaturas, não havia processo. Em consequência, não cabia a alegada conexão.

Dois dias depois, no entanto, o Tribunal de Alçada concedia liminar ao Imbecis, Picando suspensa a audiência de interrogatório.

Passados, porém, mais nove dias, em decisão unânime, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada -- composta pêlos juizes Paulo Tovo, Nelson Souza e José Maria Tscheiner -- frustrou as esperanças do advogado Lia Pires e dos réus, mantendo a competência da Justiça do Estado.

Simultaneamente às ocorrências judiciárias relatadas, estranhos acontecimentos se verificavam paralelamente, na área da sindicância estadual, cujo fluxo era marcado, desde o início por escusos procedimentos.

A 14 de março, por maioria de votos, o Conselho Superior de Polícia decidira arquivar a sindicância administrativa, numa intempestiva decisão. Inconformado com essa atitude, o Governador Guazelli a rejeitou. Justificando seu ato, argumentava que a instauração de um
processo penal levava, de maneira irreversível, a igual medida em plano administrativo. Dos sete conselheiros, apenas três haviam votado pela continuidade das investigações: O Relator e os dois conselheiros nomeados por Guazelli. Na situação de empate, o Superintendente Leònidas Reis -- com voto de Minerva - decidiu pelo arquivamento.

Rapidamente, Lia Pires preparou um mandado de segurança cujo objetivo era sustar a decisão governamental, por considerá-la nula. E, completaria o advogado em entrevista à "Folha da Manha", "a condição básica para abertura de inquérito", que é a representação do ofendido, "não ocorreu".

Mas -- impunha-se a pergunta -- como poderiam Lilian e Universindo virem ao Brasil para formular representações, se estavam presos Nº 13º Regimento de Infantaria, estabelecimento militar conhecido no Uruguai sob a denominação de El infierno? Já era pretender muita liberdade de açao para - como muito bem sabiam Seelig e Pedalada - quem saíra do Brasil "de livre e espontânea vontade"!

E o advogado de defesa ia mais longe. Em suas justificativas à imprensa, afirmava veemente:

-- Eu quero a coisa bem certínha.

Inútil foi a veemência, porque na mesma semana em que perdeu o habeas também viu indeferido o pedido de concessão de liminar ao mandado de segurança, conforme despacho do Desembargador Júlio Costamilan Rosa.

Esse despacho foi duro e sério, de impressionante propriedade. Referia o alto magistrado que a Constituição Federal, em nenhum de seus dispositivos estabelecia explicitamente que, na ausência de representação do ofendido, ficaria o Poder Público impedido de instaurar, contra servidor faltoso, procedimento administrativo. E acrescentava que o Estatuto dos Servidores da Polícia Civil conferia, de forma expressa, ao Governador atribuição para determinar instauração de processo administrativo para apurar responsabilidades de servidores.

Enfim, o despacho era tão contundente que possibilitava antever-se a apreciação do mérito. Percebendo a força jurídica do documento, que praticamente julgava o mandado por antecipação, o advogado evitou uma segunda derrota e habilmente desistiu do wrít.

Anterior

Seguinte


Derechos Humanos en Brasil | Biblioteca Digital

small logo
Este libro ha sido editado en Internet el 01sep02 por el Equipo Nizkor y Derechos Human Rights