Seqüestro no Cone Sul
"Jorjão"

Logo após o aparecimento de Seelig como o principal ou um dos principais personagens, havia-se verificado o episódio que nos levara ao Dr. António Silveira de Castro, que se negara a fornecer o nome do irmão de sua cliente, invocando sigilo profissional. Nosso insucesso na tentativa de identificação desse personagem ainda não havia sido assimilado. O conhecimento de sua identidade, em última análise, acabaria constituindo significativa evidência do comprometimento de Seelig e do esquema policial no desaparecimento dos uruguaios.

Haviam-nos informado que a cliente do Dr. António teria ajuizado uma reclamatória trabalhista. Em vista disso, dirigi-me pessoalmente à Justiça do Trabalho e solicitei ao Presidente da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas, Dr. Eron Araújo, um levantamento de todas as ações do referido advogado. Tal busca, no entanto, resultou infrutífera.

Os jornalistas que participavam dos acontecimentos, por seu turno, mostravam-se incansáveis na busca: Luís Cláudio movimentava-se a todo vapor. Não era menor o esforço do Staub ("Folha da Tarde"), Trindade e Najar Tubino ("Coojornal"), Quaresma ("O Globo"), Mitchell e Renato ("Jornal do Brasil").

A notícia envolvendo o Dr. António Silveira de Castro havia sido publicada primeiramente pelo "Jornal do Brasil", tendo provocado a desarticulação do esquema; no outro dia, saiu na "Zero Hora", na "Folha da Tarde" e, finalmente, na "Veja".

A polícia, diante disso -- com a rapidez que sempre a caracterizou, quando se tratava de encobrir ou dissimular seus próprios crimes -fez sentir sua pressão sobre o advogado. E tal deve ter sido a ênfase, que ele acabou negando tudo o que nos dissera. Negou aos repórteres, negou à Polícia Federal e à Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia. Negou, ainda, por mais três vezes, durante as acareações. Amedrontado, traiu sua consciência e renegou a classe dos advogados, pois calou quando deveria denunciar, fraquejou frente às pressões e desserviu a Justiça. Não se contentando com isso, mentiu nas declarações prestadas ao inquérito, quando informou que havíamos invadido seu escritório. E, pior ainda, invocou sigilo profissional em assunto que poderia revelar, pois nada tinha a ver com sua cliente, mas, sim, com o irmão desta.

Mais uma vez a polícia conseguia, pela sua capacidade de coerção, obstruir nosso caminho com uma insólita muralha de contenção da verdade.

Apesar disso, as denúncias da imprensa não cessaram. E conseguiram, mais uma vez, sobrepor-se às solertes maquinações armadas pela inteligência da polícia gaúcha.

Fosse para dissimular, para despistar ou para encobrir um erro, acabou sendo colhido um depoimento cujo resultado mostrou-se extremamente positivo.

A Inspetora de Polícia Silvana Pompermayer, tendo tomado conhecimento da notícia publicada pela revista "Veja" em 20 de dezembro, resolveu comunicar a sua chefia que a cliente do Dr. António poderia ser Cecília Kepler, que o procurou para debater assuntos relativos a uma ação de desquite.

Em seu depoimento, Cecília acabou fornecendo a identidade daquele atemorizado "gurizão" que, depois de participar das operações dirigidas pelo Delegado Seelig, pediu a mala emprestada e desapareceu. A depoente confirmou ser irmã de Janito Jorge dos Santos Kepler, o "Jorjão".

Jorjao, ficou-se sabendo depois, além de confessar a sua irmã a participação que tivera no affair da rua Botafogo, havia comentado o fato com um amigo, sócio do Partenon Ténis Clube, sociedade em que o policial desempenhava funções ligadas às atividades carnavalescas. Acrescentara ainda ter presenciado as torturas a que fora submetida Lilian, com afogamento, chegando a comentar que deveria ser uma mulher muito forte, pois resistira às provas.

Mais tarde, as denúncias feitas por Luís Cláudio Cunha e Werner Becker à Polícia Federal instalaram Janito, definitivamente, no escuso cenário do seqüestro.

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